A Gangue

“A Gangue”- “The Tribe”, Ucrânia, 2014

Direção: Myroslav Slaboshpytskiy

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De cara, ficamos sabendo que não haverá letreiros nem vozes em “off” narrando os acontecimentos. Isso causa imediatamente uma aflição no espectador que se pergunta: mas como vou entender?

Porém, se houver um pouco de paciência e nos convencermos que não vamos entender mesmo a linguagem de sinais que os surdos-mudos ucranianos usam no filme, acontece uma experiência única.

De repente, vamos vendo pela sequência das ações, que aquilo que pensamos que estava acontecendo, é o que estava realmente acontecendo.

Como é estranho, e ao mesmo tempo surpreendente, que as ações falem mais que mil palavras. É nesse momento que mergulhamos no filme, nos identificando com o protagonista (Grigory Fesenpo) .

O garoto chega de mochila e mala numa escola para surdos-mudos. Lugar decadente, com paredes descascadas, portas de ferro enferrujadas e móveis precários.

Aparentemente, há algum interesse nas crianças e nos jovens que ali estudam, com professores também surdos- mudos. Mas, como aquele lugar é um microcosmo, em tudo igual ao mundo em que vivemos, logo aparecem os sinais, para o novato, que ele vai ter que se adequar às regras impostas pelos mais violentos.

Ele é forte, alto e é logo assediado para pertencer à gangue que comete todo tipo de crimes: roubo, prostituição infantil, contrabando. São violentos e vivem se atracando.

Em nada diferentes de jovens delinquentes de qualquer lugar do planeta.

Mas o novato é tanto capaz de ódio como de ternura. A bela loirinha (Yana Novikova) desperta nele uma paixão intensa. Ela retribui e  são muito bonitas as cenas de sexo, filmadas com bastante realismo.

Só que, num ambiente como esse, o amor é uma flor bissexta.

O diretor usou atores surdos-mudos que recrutou em um ano, a maioria pela internet.

A câmera sensível acompanha longamente o que acontece, sem cortes abruptos. O tempo é cronológico e as cenas se passam em tempo real.

Não à toa, “A Gangue” causou espanto e polêmica em Cannes no ano passado, onde ganhou a “Caméra d’Or” e o prêmio da Semana da Crítica. A violência aqui é bastante real e causa incômodo para um público acostumado com os filmes de ação corriqueiros.

“A Gangue” abala mesmo. Principalmente porque topamos com a nossa própria natureza humana em carne viva.

Casa Grande

“Casa Grande”, Brasil, 2014

Direção: Felipe Barbosa

São muitos os Brasís que se entrelaçam num mesmo país. Sabemos todos disso. A sala e a cozinha abrigam mundos diferentes, que se interpenetram no dia a dia de uma casa de família de classe média alta no filme “Casa Grande”.

O que chama a atenção no roteiro do diretor Felipe Barbosa e Karen Sztajnberg é o flagrante da decadência dos que não produzem e vivem do mercado financeiro, como o pai dessa família, Hugo (Marcello Novaes). Como os tempos não estão bons para esse tipo de pessoa que, na verdade, apostou com o dinheiro dos outros e se deu mal, ele está estressado. Mas o orgulho o impede de abrir o jogo com os filhos. Ou mesmo de ir à luta e procurar um trabalho de verdade.

A mãe Sonia (Susana Pires), professora de francês a domicílio e depois vendedora de cosméticos, mima toda a família mas percebe-se que também não vê uma saída para a crise que vivem.

Jean, o filho adolescente de 17 anos, o protagonista do filme, carente, espinhas pelo rosto ainda imberbe, não entende por que não pode usar mais a jacuzzi, nem o ar condicionado e precisa ir para a escola de ônibus porque o motorista sumiu. Mas, se reclama da falta de dinheiro, não faz disso seu problema central:

“- E o Severino?” pergunta ao pai, sentindo mais falta da pessoa que do carro.

“- Foi para a Paraíba encontrar com o filho”.

Mas Jean (Thales Cavalcanti, um novato brilhante), descobre as mentiras do pai e fica ainda mais inseguro do que já é.

Sofrendo com a inexperiência do sexo, primeiro ele corre para o quarto da empregada divertida e bonitona (Clarissa Pinheiro), que não o leva a sério, mas depois vai ter que crescer e enfrentar a vida. O que é bom para ele. No ônibus,  Jean conhece Luiza (Bruna Amaya) e experimenta algo novo.

O retrato dos pais dessa família, representando uma geração que caminha para a indigência em tudo, é desolador.

A esperança está justamente na cozinha, onde pessoas que dão duro, veem uma melhora para a vida de seus filhos. O filme toca no assunto das cotas para negros nas universidades mas não faz disso sua bandeira.

Da mesma forma, alude aos direitos que os trabalhadores conquistaram. Os tempos do “sinhôzinho” já passaram, queiram ou não.

“Casa Grande” é um retrato de um pedaço do Brasil, o Rio de Janeiro dos condomínios da Barra e das favelas (que poderia ser qualquer outra grande cidade brasileira), visto pelos olhos de uma geração que ainda não assumiu suas responsabilidades mas que já antevê as dificuldades do processo.

Bem feito, ótimo elenco e roteiro estimulante valeram a “Casa Grande” vários prêmios, inclusive o de melhor longa de ficção no Festival do Rio, além de melhor atriz coadjuvante para Clarissa Pinheiro e melhor ator coadjuvante para Marcello Novaes.