Os Dois Lados do Amor

“Os Dois Lados do Amor”- “The Disappearence of Eleanor Rigby: Them”, Estados Unidos, 2014

Direção: Ned Benson

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Felizes como duas crianças, eles fogem do restaurante sem pagar a conta do jantar, rindo muito e vão fazer amor no parque.

Por isso levamos um choque, quando a vemos, com um rosto sem brilho e olhos baixos, largar a bicicleta e correr para o que adivinhamos ser a murada da ponte. Não vemos a queda mas o mergulho e o resgate de seu corpo quase sem vida.

No hospital, braço na tipoia e inerte na cama, seu rosto sem viço é olhado com um misto de simpatia e medo.

Eleanor (Jessica Chastain) ganhou esse nome do pai, Julian Rigby, fã dos Beatles. E agora, ironicamente, ela faz mesmo parte da canção que pergunta para onde vão todas essas pessoas solitárias. Não foi enterrada ainda, como a Eleanor Rigby de Lennon e McCartney, mas é como se já estivesse morta e então, inventa outra pessoa para ficar no lugar da outra que jaz com o seu passado. Ela está vazia.

Connor (James McAvoy), o marido e ela, voltam para as respectivas casas paternas.

El, como todos a chamam em casa, cortou o cabelo ruivo bem curto. Parece mesmo outra pessoa, menos pela aparência do que pela ausência da antiga leveza.

Volta para a universidade, onde encontra uma professora (Viola Davis, ótima) que a trata como um ser humano normal.

“- Você deve odiar os Beatles”, diz brincando quando ouve seu nome.

Será que há alguma chance para Eleanor? Por que ela não quer mais ver o marido? O que foi que aconteceu com eles?

Deve ter sido algo muito duro… Percebe-se a raiva que ela tem, por baixo da depressão que a cobre como um manto pesado e transparente, que serve como uma barreira entre ela e o mundo.

Mas, como cita um amigo de Connor: “O amor é um campo de batalha.” E a camera segue El, o marido também mas não se aproxima.

“- Nenhum de nós sabe como ajudar você”, diz o pai dela (William Hurt). E acrescenta: “A tragédia é como um país estrangeiro. Não conhecemos a lingua dos nativos.”

A mãe (Isabelle Huppert), sotaque francês, sempre com um copo de vinho na mão e distante, também não é de grande auxílio para a filha. Ela se abre um pouco mais com a irmã, mãe solteira.

Para Connor, também não há colo com aquele pai (Ciarán Hinds), bem sucedido e que não o compreende.

Mas, aos poucos, uma frase aqui, um olhar acolá, nos damos conta do que aconteceu. E, finalmente, entendemos porque Eleanor Rigby desapareceu.

O diretor e roteirista Ned Benson rodou dois filmes em 2013: “Her”e “His” contando a história sob o ponto de vista de cada um. Mas depois juntou os dois no “Them”, aquele que vemos aqui. Seu primeiro longa.

Jessica Chastain , que também produziu o filme, faz de sua personagem uma mulher de verdade e mostra porque é uma das melhores atrizes da atualidade. James McAvoy a segue de perto.

O filme é sensível, com uma fotografia noturna iluminada por uma luz dourada e uma trilha sonora de bom gosto.

Quase que tocamos a fragilidade de Eleanor e Connor mas também nos encantamos com a força inesperada que há dentro deles.

O amor, que estava lá o tempo todo, vai poder ressurgir do seu inverno?

O Amor é Estranho

“O Amor é Estranho”- “Love is Strange” Estados Unidos, França, Brasil, Grécia, 2014

Direção: Ira Sachs

Quando será que o amor é estranho?

No caso daqueles dois homens, já maduros, cercados por amigos e família, que se casam em Nova York, na frente de um juiz, só preconceituosos falariam assim.

Juntos há quase quatro décadas, o pintor Ben (John Lithgow) e o professor de música George (Alfred Molina), se amam de verdade. Foram até inspiração para o casamento de Kate( Marisa Tomei). Ela conta com graça, na festa, para todos ouvirem, que foi pedida em casamento por causa dos dois. O clima de carinho e parceria em que eles viviam, inspirara o pedido de Elliot, sobrinho de Ben.

Eles são queridos por todos e parecem felizes.

Mas aqueles que acham esse amor estranho, pecaminoso até, vão conseguir fazer com que a felicidade de Ben e George se transforme numa separação forçada.

George, por causa da exposição de sua relação com Ben, oficializada pelo casamento, perde o emprego na escola católica onde lecionava música e era maestro do coral. E o dinheiro deles não dá mais para manter o apartamento em que viveram juntos por 20 anos.

Os dois passam a depender da generosidade alheia e vão viver separados. Ben na casa de Kate e Elliot, dividindo o quarto com o filho deles, o adolescente Joey. E George vai para o sofá na casa dos amigos, policiais gays, onde a vizinhança faz uma festa todo dia até altas horas.

É a ocasião para o diretor Ira Sachs, 49 anos, co-roteirista com o brasileiro Mauricio Zacharias, falar de temas como a intimidade, convivência forçada, família e sucessão de gerações. Tudo em torno à separação do casal, com os problemas vividos por eles e por aqueles que os recebem em suas casas.

Porque “O Amor é Estranho” centra-se no casal Ben e George, mas mostra também a vida de outros casais à volta deles. E, apesar dos pesares, o casal separado por força das circunstâncias, mostra algo difícil de se ver. Há entre eles uma ternura rara, um prazer na companhia um do outro, que os dois atores, escolhidos pelo diretor, nos transmitem com brilho.

E percebemos que o amor pode ser estranho em outro sentido. Porque é um sentimento que enfrenta dificuldades e se fortalece, resistindo aos dissabores e, fazendo de cada encontro de George e Ben, uma fruição intensa.

Mais. Quem é amado e ama como aqueles dois, fará sempre a diferença por onde passar. Ben, por exemplo, ajuda Joey (Charlie Tahan) a ter coragem para viver o amor, como vemos na bela cena final do filme.

É quase nada ou ao contrário, é muito o que vamos ver nesse filme comovente, que mostra acontecimentos da vida, ao som das românticas peças para piano de Chopin.

Nada piegas, nem escandaloso, “O Amor é Estranho” é um filme primoroso.