Terceira Pessoa

“Terceira Pessoa”- “Third Person”, Bélgica, França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, 2013

Direção: Paul Haggis

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É um filme intrigante. Muitos personagens, em três cidades diferentes. Como todo filme coral, sabemos que as histórias vão se entrelaçar. Em “Terceira Pessoa”, isso acontece de uma forma original.

Assim, quando tudo começa em Paris, o escritor americano, ganhador do prêmio Pullitzer, Michael (Liam Neeson, perfeito no papel) espera Anna (Olivia Wilde, luminosa), sua amante, que vem encontrá-lo em seu hotel. Ele tenta escrever seu novo livro mas algo o perturba profundamente.

Michael e Anna fazem um jogo de gato e rato, com ironias mútuas, fugas e ardentes cenas na cama. E a mulher de Michael (Kim Bassinger) conversa muito com ele no celular, irritando Anna.

Em Roma, outro americano, Scott (Adrian Brody), um espião do mundo da moda que compra desenhos roubados de marcas famosas, envolve-se com uma bela cigana (Moran Atias) que precisa de dinheiro para salvar sua filha pequena das mãos de um cafetão. Mas por que ele volta e meia ouve uma mensagem antiga no seu celular? É de uma menina que o chama de pai.

E, em Nova York, Julia (Mila Kunis), uma atriz desempregada luta com o ex-marido (James Franco) na justiça para conseguir o direito de visita a seu filho, com a ajuda de uma advogada (Maria Bello). Estranhamente, essa mulher não consegue mergulhar na própria piscina. O que foi que aconteceu de tão terrível entre Julia e seu filho?

De repente nos damos conta de que, em todas as histórias há crianças em perigo. E aí nos lembramos de ter ouvido um menino dizendo “Olhe-me!” no início do filme, o que mexe demais com Michael, o escritor. Ele se lembrou da frase e a ouviremos ser repetida outras vezes, durante o filme.

“Terceira Pessoa” põe o espectador que gosta de “puzzles”, aquele jogo de pecinhas que se encaixam formando uma imagem, a procurar relações entre as histórias. Outros, poderão se desinteressar e achar que o diretor e roteirista, Paul Haggis, complicou demais e que o filme pula de lá para cá apenas para confundir.

É bom dizer que há um segredo na vida de Michael que será esclarecido no final, que é a raiz de seus bloqueios como escritor, sua culpa e depressão.

A uma certa altura, lemos no computador do escritor uma frase solta:

“Ele escreve para contar mentiras a si mesmo.”

Michael escreve sempre na terceira pessoa do título do filme. O “eu” está ausente. Não consegue encarar sua culpa na tragédia que aconteceu.

Paul Haggis, 62 anos, que já ganhou dois Oscars por seu filme “Crash” , melhor filme e roteiro original em 2006, em “Terceira Pessoa” não consegue o mesmo feito, apesar do excelente elenco e das belas tomadas em cidades fotogênicas. Mas o filme agrada a um certo tipo de público que gosta de filmes mais elaborados e toques de pecado.

 

Os Dois Lados do Amor

“Os Dois Lados do Amor”- “The Disappearence of Eleanor Rigby: Them”, Estados Unidos, 2014

Direção: Ned Benson

Felizes como duas crianças, eles fogem do restaurante sem pagar a conta do jantar, rindo muito e vão fazer amor no parque.

Por isso levamos um choque, quando a vemos, com um rosto sem brilho e olhos baixos, largar a bicicleta e correr para o que adivinhamos ser a murada da ponte. Não vemos a queda mas o mergulho e o resgate de seu corpo quase sem vida.

No hospital, braço na tipoia e inerte na cama, seu rosto sem viço é olhado com um misto de simpatia e medo.

Eleanor (Jessica Chastain) ganhou esse nome do pai, Julian Rigby, fã dos Beatles. E agora, ironicamente, ela faz mesmo parte da canção que pergunta para onde vão todas essas pessoas solitárias. Não foi enterrada ainda, como a Eleanor Rigby de Lennon e McCartney, mas é como se já estivesse morta e então, inventa outra pessoa para ficar no lugar da outra que jaz com o seu passado. Ela está vazia.

Connor (James McAvoy), o marido e ela, voltam para as respectivas casas paternas.

El, como todos a chamam em casa, cortou o cabelo ruivo bem curto. Parece mesmo outra pessoa, menos pela aparência do que pela ausência da antiga leveza.

Volta para a universidade, onde encontra uma professora (Viola Davis, ótima) que a trata como um ser humano normal.

“- Você deve odiar os Beatles”, diz brincando quando ouve seu nome.

Será que há alguma chance para Eleanor? Por que ela não quer mais ver o marido? O que foi que aconteceu com eles?

Deve ter sido algo muito duro… Percebe-se a raiva que ela tem, por baixo da depressão que a cobre como um manto pesado e transparente, que serve como uma barreira entre ela e o mundo.

Mas, como cita um amigo de Connor: “O amor é um campo de batalha.” E a camera segue El, o marido também mas não se aproxima.

“- Nenhum de nós sabe como ajudar você”, diz o pai dela (William Hurt). E acrescenta: “A tragédia é como um país estrangeiro. Não conhecemos a lingua dos nativos.”

A mãe (Isabelle Huppert), sotaque francês, sempre com um copo de vinho na mão e distante, também não é de grande auxílio para a filha. Ela se abre um pouco mais com a irmã, mãe solteira.

Para Connor, também não há colo com aquele pai (Ciarán Hinds), bem sucedido e que não o compreende.

Mas, aos poucos, uma frase aqui, um olhar acolá, nos damos conta do que aconteceu. E, finalmente, entendemos porque Eleanor Rigby desapareceu.

O diretor e roteirista Ned Benson rodou dois filmes em 2013: “Her”e “His” contando a história sob o ponto de vista de cada um. Mas depois juntou os dois no “Them”, aquele que vemos aqui. Seu primeiro longa.

Jessica Chastain , que também produziu o filme, faz de sua personagem uma mulher de verdade e mostra porque é uma das melhores atrizes da atualidade. James McAvoy a segue de perto.

O filme é sensível, com uma fotografia noturna iluminada por uma luz dourada e uma trilha sonora de bom gosto.

Quase que tocamos a fragilidade de Eleanor e Connor mas também nos encantamos com a força inesperada que há dentro deles.

O amor, que estava lá o tempo todo, vai poder ressurgir do seu inverno?