Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

“Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”- “Birdman or ( The Unexpected Virtue of Ignorance)”, Estados Unidos, 2014

Direção: Alejandro González Iñárritu

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Quando o cinema mexe com o espectador, instigando-o a pensar, essa arte atinge uma influência que vai além do mero espetáculo.

“Birdman”, do diretor mexicano Iñárritu, faz isso. Empurra-nos para dentro da tela.

A câmera, quase um personagem do filme, está no nosso lugar e incorpora nossa curiosidade, seguindo os atores, perdendo-os e de novo reencontrando-os, numa coreografia criada pela necessidade de entender o que nos assalta naquelas imagens da tela.

Um homem levita? Que poderes são esses? É um ser superior? Ou, desgraçadamente, já não distingue o real do imaginário, perdido em alucinações?

Ele almeja o sucesso. Mas não o mero aplauso de qualquer público. Riggan Thomson, que já foi um super-heroi conhecido, o Birdman, agora é atormentado por esse personagem que invade sua mente e o desafia a vencer custe o que custar.

Ele vai estrear numa peça na Broadway e tem que dar certo. Seu sonho é alcançar outro patamar e deixar de ser somente uma celebridade barata para tornar-se um ator que comoverá plateias seletas. Mas ele não atina com o fato de que sonhos irreais transformam-se com facilidade em pesadelos.

Sua vida pessoal é complicada porque ele é ausente. De vez em quando visita a filha (Emma Stone, tocante) no camarim. Deu a ela um cargo na produção da peça e com isso acha que conquista seu amor. Tem uma namorada que também é tratada com distância e a ex-esposa que aparece sempre para ver como ele está. Ele precisa dela para reassegurá-lo, com jeito maternal.

Os outros só são importantes na medida em que fazem o ex-Birdman existir. Carente de tudo, a angústia de ser vazio e pior, invisível, o apavora.

Michael Keaton faz com garra e loucura um personagem que encarna uma necessidade contemporânea de querer ser visto, admirado e apreciado por muitos, que são aqueles que conferem para alguém uma identidade sonhada. Ele já ganhou o Globo de Ouro de melhor ator de comédia e o prêmio do sindicato dos críticos como reconhecimento de sua entrega ao personagem Riggan Thomson.

Os outros atores da peça, os técnicos e o produtor também tem seus anseios, emoções e surtos. Os ótimos Edward Norton, Naomi Watts, Amy Ryan, Andrea Riseborough são outras almas penadas que vagam pelos corredores daquele teatro, que fervilha em suas entranhas, por onde a câmera de Iñárritu passeia.

O roteiro de “Birdman” foi premiado em Cannes 2014, co-escrito pelo diretor e Alexander Dinelaris, Nicolás Giacobone e Armando Bo. E o elenco, a fotografia, a trilha sonora, a edição e o roteiro ganharam o importante SAG AWARD do sindicato dos atores.

Iñárritu dirigiu o filme com originalidade, em plano contínuo, ou seja, numa só tomada de câmera. Se há cortes, são imperceptíveis. E a fotografia de Emanuel Lubezi encontra os tons e a luz certa para cada cena.

O filme foi indicado para 9 categorias no Oscar 2015: melhor filme, diretor, ator (Michael Keaton), ator coadjuvante (Edward Norton), atriz coadjuvante (Emma Stone), roteiro original, fotografia, edição de som e mixagem de som. Ganhou 4: melhor filme, diretor, fotografia e roteiro original.

“Birdman” é um filme imperdível por tudo isso e, principalmente, pela crítica ácida que faz à ambição voraz de ser amado por todos, ilusão de quem não consegue ter um sentimento verdadeiro por ninguém.  

 

 

 

 

Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo

“Foxcatcher”- “Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo”, Estados Unidos, 2014

Direção: Bennett Miller

 

A caça à raposa, “esporte” tradicional dos inglêses, é uma farsa. A pobre criatura, perseguida pelos cães que a farejam e os cavaleiros que atiram para matar e divertir-se, é solta de seu cativeiro um pouco antes da caçada começar. Ela está destinada à morte certa.

Quando vemos o filme de época em preto e branco, que passa antes dos créditos, mostrar claramente o que acontece com a raposa, passamos a temer pela vida de uma vítima no filme “Foxcatcher”.

Acontece que o milionário americano John du Pont (Steve Carell, assombroso) sonha em ter um time de luta-livre ou luta greco-romana, para ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988.

Ele se considera um patriota, herdeiro legítimo de sua família que vendia munição ao exército americano desde o início do século vinte. Possuiam a maior indústria química do mundo.

Em sua propriedade “Foxcatcher”, onde imperam os cavalos puro-sangue da matriarca (interpretada com corpo retorcido e olhos penetrantes, por Vanessa Redgrave, atriz imensa), o filho quer treinar um time liderado pelos irmãos Schultz, Dave e Mark (Mark Ruffalo, sempre competente e Channing Tatum surpreendente), ganhadores da medalha de ouro em 1984 nas Olmpíadas de Los Angeles.

Só que Dave, o irmão mais velho e treinador de Mark, não está disponível para se mudar com a família para Delaware. Bem que o milionário tenta trazê-lo. Mas só Mark aceita o convite.

O irmão mais novo está decadente, vivendo de sanduíches, numa casa acanhada, dando palestras por tostões em escolas da região. Para Mark, o chamado de John du Pont é a chance de tirar o pé da lama.

Mal sabe ele onde está se metendo.

De temperamento depressivo, auto-destrutivo, inseguro, ele embarca com gosto na vida que o milionário oferece como acompanhante de luxo, com total submissão a seu “pai, mentor e treinador” como John gosta de ser visto, com os apelidos de “águia e águia dourada”.

O bonitão Mark, ingênuo e necessitado de alguém que o use como um marionete, é argila nas mãos cruéis de John, que tenta agradar à mãe, que não esconde seu desprezo pelo filho.

A sexualidade doentia de John, combinada com bebida e drogas, dá vazão a uma crescente psicose.

Quando Dave entra em cena, o trio está completo para a encenação da tragédia.

Bennett Miller dirige o filme com talento, criando um clima de tensão desde o primeiro minuto. Seus magníficos atores interpretam com brilho a história, baseada em fatos reais, mas nem tão conhecida assim por aqui, como faz supor o título em português.

É uma encenação de arrepiar. O John du Pont de Steve Carell dá medo. O ator está irreconhecível. Ele encarna o milionário como alguém à procura de seu trágico destino.

Prêmio de melhor direção no Festival de Cannes desse ano, “Foxcatcher” foi indicado em 5 categorias no Oscar: melhor ator (Steve Carell), melhor diretor (Bennett Miller), melhor ator coadjuvante (Mark Ruffalo), melhor roteiro original e melhor maquiagem e cabelo.

Um ótimo filme.