As Maravilhas- 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“As Maravilhas”- “Le Meraviglie”, Itália, Suiça, Alemanha, 2014 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Direção: Alice Rohrwacher

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Uma atmosfera de sonho angustiado cerca as primeiras cenas do filme, quando faróis de carros, como olhos luminosos no escuro, brilham na tela. Cães farejam na noite. Há homens armados. O que está acontecendo?

A câmara mostra casas num lusco-fusco e, numa delas entra em um quarto, outro. Uma menina dorme só de calcinha. Mas há mais gente por ali.

“- Aonde você vai?” pergunta quem supomos ser a mãe (Alba Rohrwacher, irmã da diretora).

“- Preciso fazer xixi”, responde a menina.

O homem que supomos ser o pai (Sam Louwyck) está em outra cama.

“- Os caçadores atiraram?”

Há uma ameaça que pesa sobre aquela família.

De chofre, sem qualquer explicação, somos jogados dentro dessa casa. Depois percebemos que são pai, mãe e quatro filhas. A mais velha é Gelsomina, mais prática que a de Fellini em “Noites de Cabíria”, Marinella é a segunda, a mais alegre. Catherina e Luna são as menores. Recolhem o mel de colméias de maneira artesanal.

Há uma constante preocupação com o balde para onde escorre o mel. Quando está cheio, as meninas o esvaziam num reservatório maior, de onde vai para os potes que as pequenas rotulam.

Gelsomina é a lider do trabalho. Lida com as abelhas ajudada pelo pai. Mas a menina nunca é picada. É ela que tira os ferrões das costas do pai.

O pai usa o italiano mas palavras em alemão se intrometem em sua boca. Com a mãe fala em francês. Por que? Não sabemos.

E todos os dias são iguais até que chega a dona do “País das Maravilhas”. A fada-deusa, vestida de sedas e ouro falsos, interpretada pela bela Monica Bellucci, comanda um programa de TV que propõe um concurso entre as propriedades da região. O cobiçado prêmio em dinheiro irá para o melhor show. As meninas logo se interessam pela novidade, apesar da proibição do pai.

Na necrópole etrusca, no meio do lago, as velhas do lugar vão cantar antigas canções, mocinhas vão dançar com fantasias improvisadas, e Gelsomina vai trazer seu rosto, escondido entre suas mãos, onde abelhas passeiam com intimidade.

As paredes daquele cemitério milenar vão reviver com a luz de fogueiras e já não sabemos em que época estamos. E o amor acontece.

O filme de Alice Rohrwacher, 32 anos, ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes 2014. Único representante da Itália na mostra competitiva, tem elementos da própria biografia da diretora e roteirista, criada na Toscana, numa família de apicultores.

Mas “As Maravilhas” é um filme misterioso. Como o povo etrusco que habitou naquele lugar, como as abelhas que produzem mel há séculos e começam a desaparecer, como aquela família que aparece sem apresentações e desaparece numa bela cena final, onde uma cama única os acolhe, ao relento, como um barco num mar imenso, à mercê das marés do tempo.

Foxcatcher: Uma História que Chocou o mundo – 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“Foxcatcher”- “Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo”, Estados Unidos, 2014 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Direção: Bennett Miller

A caça à raposa, “esporte” tradicional dos inglêses, é uma farsa. A pobre criatura, perseguida pelos cães que a farejam e os cavaleiros que atiram para matar e divertir-se, é solta de seu cativeiro um pouco antes da caçada começar. Ela está destinada à morte certa.

Quando vemos o filme de época em preto e branco, que passa antes dos créditos, mostrar claramente o que acontece com a raposa, passamos a temer pela vida de uma vítima no filme “Foxcatcher”.

Acontece que o milionário americano John du Pont (Steve Carell, assombroso) sonha em ter um time de luta-livre ou luta greco-romana, para ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988.

Ele se considera um patriota, herdeiro legítimo de sua família que vendia munição ao exército americano desde o início do século vinte, a maior indústria química do mundo.

Em sua propriedade “Foxcatcher”, onde imperam os cavalos puro-sangue da matriarca (interpretada com corpo retorcido e olhos penetrantes, por Vanessa Redgrave, atriz imensa), o filho quer treinar um time liderado pelos irmãos Schultz, Dave e Mark (Mark Ruffalo, sempre competente e Channing Tatum surpreendente), ganhadores da medalha de ouro em 1984 nas Olmpíadas de Los Angeles.

Só que Dave, o irmão mais velho e treinador de Mark, não está disponível para se mudar com a família para Delaware. Bem que o milionário tenta trazê-lo. Mas só Mark aceita o convite.

O irmão mais novo está decadente, vivendo de sanduíches, numa casa acanhada, dando palestras por tostões em escolas da região. Para Mark, o chamado de John du Pont é a chance de tirar o pé da lama.

Mal sabe ele onde está se metendo.

De temperamento depressivo, auto-destrutivo, inseguro, ele embarca com gosto na vida que o milionário oferece como acompanhante de luxo, com total submissão a seu “pai, mentor e treinador” como John gosta de ser visto, com os apelidos de “águia e águia dourada”.

O bonitão Mark, ingênuo e necessitado de alguém que o use como um marionete, é argila nas mãos cruéis de John, que tenta agradar à mãe, que não esconde seu desprezo pelo filho.

A sexualidade doentia de John, combinada com bebida e drogas, dá vazão a uma crescente psicose.

Quando Dave entra em cena, o trio está completo para a encenação da tragédia.

Bennett Miller dirige o filme com talento, criando um clima de tensão desde o primeiro minuto. Seus magníficos atores interpretam com brilho a história, baseada em fatos reais, mas nem tão conhecida assim por aqui, como faz supor o título em português.

É uma encenação de arrepiar. O John du Pont de Steve Carell dá medo. O ator está irreconhecível. Ele encarna o milionário como alguém à procura de seu trágico destino.

Prêmio de melhor direção no Festival de Cannes desse ano, “Foxcatcher” é um filme para alguns Oscars.

Podem apostar.