Garota Exemplar

“Garota Exemplar”- “Gone Girl”, Estados Unidos, 2014

Direção: David Fincher

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Sabe aqueles filmes com reviravoltas inesperadas? Eles prendem mesmo nossa atenção e, portanto, não se via nenhum celular sendo digitado durante “Garota Exemplar”.

O roteiro mexe com nossas fantasias paranoicas que abalam a confiança no outro. Como entregar-se a alguém sem medo, sem esperar que o pior aconteça?

O livro que deu origem ao roteiro, de Gillian Flynn,  (“Garota Exemplar” Ed. Intrínseca), já pedia mais, sempre mais do leitor. Era muito difícil largar o livro e tirar a história da cabeça. Foi a autora do best-seller que escreveu o roteiro e o diretor sabia bem o que estava fazendo quando a escolheu. Porque David Fincher gostou do livro.

O diretor de “Seven – Os Sete Pecados Capitais”1995, “Zodíaco”2007, “Millenium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres”2010, tem sempre em seus filmes o elemento surpresa, a dúvida, como o grande motivador da narrativa. Assim, todo mundo tem um esqueleto guardado no armário, como dizem os ingleses. Quem é totalmente inocente?

Na primeira cena, Amy (Rosamund Pike, perfeita no papel) aparece de costas e vai virando a cabeça em “close” e câmara lenta, com um olhar entre o sedutor e o questionador, enquanto Nick Dunne, o marido (Ben Affleck, inspirado), fala em “off”:

“- Quando penso em minha mulher, sempre imagino sua linda cabeça buscando respostas sobre o que aconteceu com o nosso casamento.”

Logo depois, ele está no bar bebendo às 10 e meia da manhã e conversando com a irmã gêmea (Carrie Con):

“- Estou num dia ruim. É nosso quinto aniversário de casamento e não tenho presente para Amy…”

Mas, quando ele volta para casa e vê o gato deles na rua, pega o bichano no colo e entra chamando a mulher, preocupado e logo liga para a polícia, quando vê sinais de luta na sala, móveis revirados e cacos de vidro por todo o lado.

Amy, que era filha do casal que escrevera livros infantís com ela como personagem, “Amazing Amy”, tinha diploma de Harvard, era uma esposa perfeita e sumira sem deixar vestígios, a não ser os que a detetive da polícia (Kim Dickens) vai encontrando.

Quando os pais dela fazem um ”show” com a história do desaparecimento e um programa de TV parece achar que o suspeito só pode ser o marido, a imprensa, os vizinhos e os fãs de “Amazing Amy” passam a pedir a cabeça de Dick, o marido que jura inocência com apatia.

“Garota Exemplar” fala sobre as máscaras que usamos em nossa vida social e o que acontece quando elas caem na vida privada. Aponta para a necessidade doentia de acreditarmos em seres humanos sem jaça, que acalmam a dificuldade de sermos sempre iguais a nós mesmos, sem trincas, sem ambiguidades, nem desejos controversos.

“Garota Exemplar” é um suspense com conteúdo.

 

O Último Concerto

“O Último Concerto”- “The Late Quartet”, Estados Unidos, 2012

Direção: Yaron Zilberman

 

Você gosta de música clássica? A pergunta aponta para o aparente tema principal do filme, se formos conduzidos pelo título da tradução brasileira, mas “O Último Concerto” tem bem mais que só música.

O interessante é a história que foca os músicos de um quarteto. Veremos como a vida pessoal tem a ver com o que acontece num conjunto musical, “A Fuga”, quarteto de cordas de renome internacional, formado há já 25 anos, quando começa o filme.

Estão no palco e vão começar um concerto e ainda não sabemos nada sobre eles. Nesse começo, são apenas atores conhecidos representando músicos.

Christopher Walken (que está estupendo) é o violoncelista, o mais velho do grupo, Catherine Keener, que olha para ele com um meio sorriso é quem toca a viola, Philip Seymour Hoffman (em uma de suas últimas aparições no cinema) é o segundo violino e Mark Ivanir, o menos conhecido dos atores, é o primeiro violino.

Mas logo, o diretor e co-roteirista Yaron Zilberman, que veio do documentário e faz seu primeiro longa de ficção, vai mostrando a vida pessoal desses músicos, que se tornam personagens convincentes. E somos levados a compartilhar o drama central daquele quarteto que pode estar morrendo. Por isso chamado “late” no título original, “The Late Quartet”.

Peter, que é o centro de equilíbrio do quarteto, descobre que tem a doença de Parkinson, que começa a mostrar seus sinais. Ele tem dificuldade em fazer os movimentos necessários para a execução perfeita da música no violoncelo.Terá que ser substituído após o último concerto do quarteto. Isso cai como uma bomba sobre os demais músicos.

Numa cena com seus alunos, Peter cita versos de T. S. Eliot de “Four Quartets”, em que o poeta fala sobre o tempo e conclui:

“- Tudo está sempre contido no agora, o passado e o futuro.”

Ele, que sabe que seu fim está próximo, comenta com os alunos sobre os últimos quartetos compostos por Beethoven, especialmente o opus 131, que “A Fuga” vai apresentar no último concerto e está ensaiando. E conta como essa peça tem uma particularidade. Tem sete movimentos e não os quatro habituais e é para ser tocada sem pausa, costumeira para a afinação dos instrumentos.

“- O que será que Beethoven queria nos comunicar com essa maneira diferente de tocar que ele impõe? Estava chamando a nossa atenção para o fato de que todos os acontecimentos da vida estão conectados? Surdo e sentindo que estava próximo do fim, não podia parar? Não podia perder tempo? Não sei… Mas o que todos sabemos é que os instrumentos desafinam quando são tocados. Tocar sete movimentos sem parar é um desafio. Temos que nos adaptar uns aos outros, mesmo desafinados…”

E o que vale para o opus 131 sendo tocado no palco, vale também para a vida desse quarteto e os dramas que são vividos por eles. Estão todos no mesmo barco. Precisam ser solidários portanto, mas quando soa a hora da mudança, o medo se instala e todos ficam assustados, reagindo cada um de uma maneira.

Entretanto, mesmo desafinados com os desafios da vida, é preciso continuar. E é sobre isso que trata o filme.

“O Último Concerto” é sensível, tem atores excelentes, bela música (trilha sonora do famoso Angelo Badalamenti) e muito material para reflexão.

É um filme para quem gosta de música e de pensar sobre a natureza humana.