Violette

“Violette”- Idem, França 2013

Direção: Martin Provost

Oferecimento Arezzo

“- A feiura é um pecado mortal nas mulheres. Se você é bela, olham para você na rua por causa de sua beleza. Se você é feia, olham para você na rua por causa de sua feiura.”

Ditas em “off”, essas palavras apresentam Violette Leduc para o espectador. Ela se acha feia, ninguém a ama, não teve pai e sofreu com o amor que sentia por homens e mulheres, nas quais projetava uma mãe protetora, bela e poderosa, que nunca teve. A mãe que ela tinha recebia um misto de amor e ódio, era pobretona e pé no chão.

Violette não era nem um pouco feliz. Rosto crispado, põe no papel suas memórias tristes. E quando vê um livro de Simone de Beauvoir pergunta:

“- Mas quem é ela que escreve livros tão grossos?”

E põe-se a ler o tal livro. É “A Convidada”. Apaixona-se instantaneamente por aquela mulher. Descobre o café que ela frequenta e a olha escondida pelo espelhinho do pó de arroz.

Segue Simone e bate em sua porta:

“- Obrigada por ter escrito “A Convidada”. Coloquei toda a minha vida aqui”, diz passando o manuscrito para a outra, levemente espantada com essa aparição.

“- Agora estou ocupada. Mas prometo que vou ler”, e sorri.

É a segunda vez que Violette sobe aquelas escadas e bate na porta de Simone de Beauvoir, chic e distante. Da primeira vez deixara flores e fugira.

Simone vai ser a grande paixão platônica de Violette.

O manuscrito de “Asfixia”, primeiro livro dela, vai ser elogiado por Simone, que marca um encontro com ela.

“- Primeiro tenho que pedir desculpas. No outro dia pensei que você era uma burguesa cujas memórias de infância iriam me aborrecer. Me enganei. Você escreveu um belo livro. Poderoso. Intrépido. É isso que conta,”

E Simone (Sandrine Kiberlain) passa a ser a mentora de Violette (a ótima Emmanuelle Devos). Lê o que ela escreve, opina, apresenta seu livro a Albert Camus. Edições Gallimard publica “Asfixia”. Violette sonha com o sucesso que só iria conhecer com seu livro “A Bastarda”.

“Violette” de Marcel Provost é um filme que conta sobre essas duas mulheres que marcaram uma época e lutaram para que as outras pudessem ter mais direitos no mundo chauvinista da Europa no pós-guerra.

Simone de Beauvoir (1908-1986) viu em Violette Leduc (1907-1972) uma escritora corajosa, que falava com poesia e verdade sobre sua sexualidade. Coisas que até então eram censuradas.

A ponta do “continente negro”, como Freud chamara a sexualidade feminina, estava à vista.

Elas foram pioneiras. Fundaram o feminismo com seus livros, principalmente Simone, a mais conhecida. Formaram uma geração de mulheres mais dispostas a ocupar seu lugar no mundo, que foram mães das gerações atuais de mulheres que se destacam em lugares que só homens ocupavam até então.

Com elas e outras, que espocaram pelo mundo, a mulher pode se ver hoje num espelho sem distorção e abrir caminho para grandes conquistas.

O filme de Martin Provost conta a pré-história de nossa saga.

Não Pare na Pista – A melhor história de Paulo Coelho

“Não Pare na Pista – A melhor história de Paulo Coelho” Brasil, Espanha, 2014

Direção: Daniel Augusto

As primeiras cenas do filme sobre a vida dele, “O Mago” (título da biografia escrita por Fernando Morais), já o mostram na pele do jovem ator Ravel Andrade e na do irmão , Julio Andrade, como adulto. Ambos em cenas de hospital. O jovem tentou o suicídio inalando gás do forno. O adulto passa por um procedimento cirúrgico no coração.

E logo aparece também Raul Seixas (Lucci Ferreira) cantando com o parceiro a música que dá título ao filme.

E tudo começa no Rio de Janeiro, nos anos 60. O jovem e seus pais, sentados à espera do médico. Quando ele é chamado, o pai diz:

“- Ele vai sózinho.”

Bem, já deu para sentir que a vida do rapazinho não é fácil. Ele vai enfrentar um psiquiatra que lê o seu diário e logo faz perguntas sobre a sua sexualidade:

“- Mas é verdade, Paulo, que você nunca teve namorada?”

“- Porque eu sou feio.”

“- Por isso você tentou se matar? Ô Paulo, você já teve desejo de beijar um homem?… Mas nós vamos dar um jeito nisso…

(Interrompendo) “– Eu quero ser escritor! Nunca quis ser outra coisa.”

“- Mas é muito bom, Paulo. E uma profissão? Você já escolheu?”

“- Eu quero ser escritor.”

“- E você acha que alguém vai ler essas coisas que você escreve sobre você?”

“- Acabou? Meus pais estão me esperando.”

Mas mal sabia ele que a internação na clínica psiquiátrica já estava decidida. E não seria a última.

O filme pula para 2013 e ele quer sair do hospital em Genebra. Vai acontecer a festa dos 25 anos da primeira edição do “O Alquimista”, na Europa.

O rebelde, que ele sempre foi, diz para sua mulher Cris, que tenta convencê-lo a esperar a alta do médico:

“- Não tenho todo esse tempo a perder.”

O retrato está feito. Desde cedo, Paulo Coelho não se entende com a autoridade que quer comandá-lo. Foi assim com o pai conservador (o ótimo Enrique Diaz), com os psiquiatras, com a ditadura militar, com a escolha de viver na contra-mão da sociedade burguesa, cabeludo e barbudo, bebendo muito, drogando-se, escrevendo sobre discos voadores, mexendo com magia negra, nas músicas em parceria com o “maluco beleza”, Raul Seixas, que vai decepcioná-lo amargamente e, apesar de se achar feio, transando com todas as mulheres que encontrou (representadas no filme pela bela Paz Vega).

Paulo Coelho, o escritor mais traduzido no mundo inteiro, parece que conseguiu o que queria. Mas há qualquer coisa amarga nessa vitória. Quase todo mundo já leu um livro dele mas os que contam, dizem que não gostaram. Há um preconceito contra ele por parte da maioria dos intelectuais brasileiros

Apesar do reconhecimento comercial, do sucesso de vendas e o topo da lista de “best-sellers”, o garoto ainda não conseguiu ser amado do jeito que queria.

Cris Oiticica (Fabiana Gugli), sua mulher há 30 anos, parece ser seu anjo da guarda, substituta da mãe (Fabiula Nascimento) carinhosa mas submissa ao pai rígido.

E o filme, com roteiro de Carolina Kotscho (de “2 Filhos de Francisco”) e dirigido com talento por Daniel Augusto (documentarista de “Amazonia Desconhecida”), é muito bom, passando bem para o espectador essa vida interessante, sofrida, angustiada e sem o reconhecimento pleno que ele tanto buscou.

Mas a vida não é mesmo assim? Principalmente para quem quer demais dela?