Não Pare na Pista – A melhor história de Paulo Coelho

“Não Pare na Pista – A melhor história de Paulo Coelho” Brasil, Espanha, 2014

Direção: Daniel Augusto

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As primeiras cenas do filme sobre a vida dele, “O Mago” (título da biografia escrita por Fernando Morais), já o mostram na pele do jovem ator Ravel Andrade e na do irmão , Julio Andrade, como adulto. Ambos em cenas de hospital. O jovem tentou o suicídio inalando gás do forno. O adulto passa por um procedimento cirúrgico no coração.

E logo aparece também Raul Seixas (Lucci Ferreira) cantando com o parceiro a música que dá título ao filme.

E tudo começa no Rio de Janeiro, nos anos 60. O jovem e seus pais, sentados à espera do médico. Quando ele é chamado, o pai diz:

“- Ele vai sózinho.”

Bem, já deu para sentir que a vida do rapazinho não é fácil. Ele vai enfrentar um psiquiatra que lê o seu diário e logo faz perguntas sobre a sua sexualidade:

“- Mas é verdade, Paulo, que você nunca teve namorada?”

“- Porque eu sou feio.”

“- Por isso você tentou se matar? Ô Paulo, você já teve desejo de beijar um homem?… Mas nós vamos dar um jeito nisso…

(Interrompendo) “– Eu quero ser escritor! Nunca quis ser outra coisa.”

“- Mas é muito bom, Paulo. E uma profissão? Você já escolheu?”

“- Eu quero ser escritor.”

“- E você acha que alguém vai ler essas coisas que você escreve sobre você?”

“- Acabou? Meus pais estão me esperando.”

Mas mal sabia ele que a internação na clínica psiquiátrica já estava decidida. E não seria a última.

O filme pula para 2013 e ele quer sair do hospital em Genebra. Vai acontecer a festa dos 25 anos da primeira edição do “O Alquimista”, na Europa.

O rebelde, que ele sempre foi, diz para sua mulher Cris, que tenta convencê-lo a esperar a alta do médico:

“- Não tenho todo esse tempo a perder.”

O retrato está feito. Desde cedo, Paulo Coelho não se entende com a autoridade que quer comandá-lo. Foi assim com o pai conservador (o ótimo Enrique Diaz), com os psiquiatras, com a ditadura militar, com a escolha de viver na contra-mão da sociedade burguesa, cabeludo e barbudo, bebendo muito, drogando-se, escrevendo sobre discos voadores, mexendo com magia negra, nas músicas em parceria com o “maluco beleza”, Raul Seixas, que vai decepcioná-lo amargamente e, apesar de se achar feio, transando com todas as mulheres que encontrou (representadas no filme pela bela Paz Vega).

Paulo Coelho, o escritor mais traduzido no mundo inteiro, parece que conseguiu o que queria. Mas há qualquer coisa amarga nessa vitória. Quase todo mundo já leu um livro dele mas os que contam, dizem que não gostaram. Há um preconceito contra ele por parte da maioria dos intelectuais brasileiros

Apesar do reconhecimento comercial, do sucesso de vendas e o topo da lista de “best-sellers”, o garoto ainda não conseguiu ser amado do jeito que queria.

Cris Oiticica (Fabiana Gugli), sua mulher há 30 anos, parece ser seu anjo da guarda, substituta da mãe (Fabiula Nascimento) carinhosa mas submissa ao pai rígido.

E o filme, com roteiro de Carolina Kotscho (de “2 Filhos de Francisco”) e dirigido com talento por Daniel Augusto (documentarista de “Amazonia Desconhecida”), é muito bom, passando bem para o espectador essa vida interessante, sofrida, angustiada e sem o reconhecimento pleno que ele tanto buscou.

Mas a vida não é mesmo assim? Principalmente para quem quer demais dela?

 

A Pedra de Paciência

“A Pedra de Paciência”- “Syngué Sabour” Afeganistão, França, Alemanha, Reino Unido, 2012

Direção: Atiq Rahimi

 

Conta uma velha lenda afegã que, se alguém encontrar uma pedra mágica e, se esse alguém contar para ela todos os seus sofrimentos e segredos, a pedra vai escutar. E, um dia, arrebentará. Vai desfazer-se em pedacinhos. E, nesse dia, quem a encontrou e falou com a pedra, vai se libertar de todas as suas dores.

Presa da guerra na qual seu marido foi ferido com uma bala na nuca e, desde então dependente dela, já que seu estado é vegetativo, aquela jovem e bela mulher está sempre a seu lado, na casa humilde, igual às outras, num quarteirão da cidade semi-destruída.

No Afeganistão (imagina o espectador, já que o lugar não é nunca nomeado), agora são as milícias armadas de metralhadoras, tanques e bombas que amedrontam a população, que foge de suas casas.

Ela não pode sair de perto dele. Mas leva suas duas filhas para a casa da tia, que virou prostituta, depois de ser repudiada pelo marido por ser estéril.

A sobrinha e a tia são mulheres que não tem voz, num lugar onde mandam os homens, que tem direitos até sobre a vida delas. Casam-se muito jovens, com homens mais velhos, escolhidos por seus pais e vão morar na casa dos pais dele. Se não conseguirem ter filhos, seus maridos pegam uma segunda mulher e elas são abandonadas ou servem como criadas na casa da sogra.

Vamos ser as únicas testemunhas do longo monólogo que a mulher sem nome vai entoar, dirigindo-se ao marido que está de olhos fechados. Sua respiração é o seu único sinal vital.

Quando ela sai, coloca a burca amarela e esgueira-se entre os escombros para comprar soro e colírio para o marido ou visitar as filhas na casa da tia.

A jovem tem um belo rosto, olhos tristes e uma boca que nunca sorri.

A bela e talentosa Golshifteh Farahani, a mais famosa atriz iraniana, de 31 anos, vive fora de seu país, onde moram seus pais e para onde pensa nunca mais voltar. Ela mora em Paris, por quatro anos já no exílio e filma nos Estados Unidos e na Europa. Ganhou fama com o filme “Procurando Elly” de 2009, do premiado diretor iraniano Asghar Farhadi de “Separação”.

Em “A Pedra de Paciência” ela faz essa mulher que, cansada de rezar pela recuperação do marido inconsciente, como manda o mulá, inicia uma conversa com ele, onde fala de seus sofrimentos com a brutalidade dele e de seus segredos mais íntimos. Abre sua alma e seu corpo. Ele vira a pedra de paciência dela.

O filme é baseado no romance que o diretor afegão Atiq Rahimi, de 52 anos, escreveu. Ele nasceu em Cabul mas vive há tempo em Paris e ganhou o Goncourt, o mais famoso prêmio de literatura da França, em 2008, por “A Pedra de Paciência”.

O roteiro do filme foi escrito por Rahimi em parceria com Jean-Claude Carrière, 82 anos, que foi colaborador de Luis Bunuel.

“A Pedra de Paciência” é um filme que marca por causa de sua tristeza e beleza comoventes.