Amantes Eternos

“Amantes Eternos”- “Only Lovers Left Alive” Reino Unido, Alemanha, Chipre 2013

Direção: Jim Jarmush

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Um amor de séculos une aqueles dois pálidos seres da noite.

Eve (Tilda Swinton), num djelabah negro e dourado, cabelos louros opacos e longos, magra, rosto sem idade, descansa imóvel ao pé de seu leito de dossel, coberto de renda. Adam (Tom Hiddleston), jeito de rock star, está deitado num sofá de veludo grená, abraçado a um alaúde, dorso nú, olhos fechados.

Estão distantes mas muito perto um do outro.

Assim que se faz noite, ela, de rosto velado, anda por uma cidade muçulmana antiga, de ruelas e escadas, que descobrimos ser Tanger, no Marrocos e entra num bar chamado “Mille et Une Nuits”.

É recebida por Bilal que diz:

“- Eve! Como está você? O mestre está frágil mas mostra espírito forte.”

Logo, chega um velho (John Hurt), de olhos embaçados, com um saco de farmácia que dá a ela, que exclama com carinho:

“- Marlowe!”

Ele vem a ser Christopher Marlowe, dramaturgo do século XVI, que confirma o que muitos acreditam: foi ele que escreveu as peças creditadas a Shakespeare. É o mestre de Eve, interessada por literatura de todas as épocas e línguas e seu fornecedor.

Adam, compositor incógnito, vive num apartamento repleto de fios, aparelhos de gravação e compra instrumentos musicais de cordas do século passado.

“- Ah! Preciso de uma bala de madeira calibre 38.”

“- Mas para quê?”

“- Um projeto artístico…”, responde, disfarçando seus impulsos suicidas.

E em seguida sai. Dirige o carro por uma Detroit escura e abandonada e entra no único prédio iluminado. Está de óculos escuros, estetoscópio ao redor do pescoço e veste um avental branco, onde se lê no crachá “Dr Faustus” e leva uma maleta.

Um homem o espera no banco de sangue. Tubos de alumínio passam para a maleta e um maço de notas muda de mão.

Vemos os três, cada um no seu lugar, frente a um cálice de cristal onde brilha um líquido vermelho escuro. Quando o sorvem, caem imediatamente em transe, entreabrindo bocas com caninos ponteagudos e avermelhados pelo sangue ingerido.

São vampiros intelectuais, sofisticados e elegantes.

Quando os amantes se falam e se veem pelo Iphone de Eve e a tela da TV de Adam, estão acordando do torpor duplo e ela, percebendo ele deprimido, promete ir a seu encontro:

“- Já passamos por isso…Você sentia falta da Idade Média, da Inquisição, das enchentes, da peste…Como vai a sua música? Me lembro quando você deu aquela sonata para Schubert…”

Adam e Eve são seculares, viveram tudo, conheceram os gênios, os sábios, os cientistas mas parecem saudosos de tudo isso. Não acham graça no mundo contemporâneo dos “zumbis”, como chamam os homens.

Jim Jarmush, 61 anos,o famoso diretor americano, se esbalda fazendo os diálogos dos dois vampiros rememorarem coisas que vão passar desapercebidas, a não ser para poucos e raros espectadores. Mas esses vão sorrir. E reconhecer tanto as alusões como os retratos na parede de Adam.

Quando chega de Los Angeles a vampira-periguete Ava (Mia Wasikowska), jovem e desmiolada, ouvimos sua irmã Eve avisá-la sobre o perigo do sangue contaminado.

“- Eles não mudam…Só percebem quando é tarde demais…” diz Adam.

Os vampiros de Jim Jarmush são seres desiludidos, nostálgicos e cansados. “Amantes Eternos” é um belo filme para pessoas que se sintam como eles. Os demais vão se aborrecer.

 

 

Apenas Uma Chance

“Apenas Uma Chance”- “One Chance” Estados Unidos, Inglaterra, 2013

Direção: David Frankel

 

É incrível a quantidade de transtornos que o tenor galês Paul Potts teve que enfrentar para que ele, enfim, aos 43 anos, pudesse realizar o sonho de sua vida.

O filme, que é baseado em fatos reais, começa em 1985, em Port Talbot, no País de Gales, na Inglaterra, com o ator James Corden, que faz Potts, dizendo em “off”:

“ – Desde que me lembro por gente, eu queria cantar. Cantar de verdade. Eu nasci com o que o mestre do coro chamava de “uma grande voz”. Uma voz que nasceu para cantar ópera.”

O menino gorducho, de olhos azuis no rosto redondo, pacífico por natureza, sofreu muito “bullying” na escola. Porque ele cantava o tempo todo.

“- E quanto mais eu cantava, mais eu sofria na mão dos meninos da escola. Quanto mais eu sofria apanhando, mais eu cantava.” E ele resume:

“- Foi um interminável drama, onde havia música e violência, romance e comédia. Como uma ópera. A ópera da minha vida.”

O filme “Apenas Uma Chance”, é dirigido por David Frankel (“O Diabo Veste Prada”2006 e “Marley e Eu”2008), que encontrou o tom emocional exato para contar uma história que emociona, sem cair na pieguice.

Em casa, a vida também não era fácil para Paul. O pai (Colm Meany) não via com bons olhos sua mania de ópera, nem sua gordura. Implicava com ele o tempo todo, dando a impressão de que não o considerava “macho” o suficiente para ser seu filho. Enquanto que a mãe, superprotetora, comungava com Paul a adoração pelas árias de Pavarotti e a certeza de que ele seria um dia, um grande tenor.

E, quando Paul começa a namorar Julz (a ótima Alexandra Roach, também gordinha de olhos azuis), encontra mais uma aliada para torcer por ele e ajudá-lo a realizar seu sonho.

O caminho foi longo e cheio de contratempos, alguns até mesmo trágicos, desde um apêndice que teve que ser operado às pressas na véspera de sua estreia na “Aida”, até um tumor na tireóide e um atropelamento que o deixou estropiado por mais de um ano.

Sem contar a decepção em sua passagem pela bela Veneza, quando não conseguiu cantar, de puro nervosismo, na frente de seu ídolo Pavarotti.

Ele não tinha nada a seu favor, a não ser sua voz e a confiança das mulheres de sua vida, mas ganhou o concurso da TV “Britain’s Got Talent”em 2007.

O filme é bem conduzido, os atores são ótimos e os acontecimentos levam os espectadores sensíveis muitas vêzes às lágrimas, identificados com os sofrimentos e o final feliz emocionante de Paul Potts.

Alíás é ele mesmo que dubla todas as árias que o ator James Corden finge cantar. Um presente para quem gosta de ópera.

Entretenimento gostoso, divertido, com momentos de verdadeira emoção, “Apenas Uma Chance” passa uma bela lição de persistência e apego a um sonho de uma vida toda.