Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, Brasil, 2014

Direção: Daniel Ribeiro

Oferecimento Arezzo

A adolescência é um periodo trágico para a maioria dos seres humanos. Insegurança, humor alterado, medos, sensação de não ser compreendido, problemas na aceitação de um novo corpo, auto-imagem destorcida e por aí vai.

Pois bem. Imaginem se o adolescente for cego. Piora, não?

No fim das férias, vemos Giovanna (Tess Amorim) e Leonardo (Guilherme Lobo) à borda da piscina, com muita preguiça e calor, conversando sobre namoro:

“- Dormindo e ouvindo Beethoven dias inteiros, acho que você nunca vai beijar ninguém…” diz Giovanna.

“- E quem vai querer me beijar?” responde Leonardo.

Para Leonardo o mundo está sempre no escuro. E ele tem que depender dos outros para fazer a maior parte das coisas que todo mundo faz sozinho.

Giovanna, sua melhor amiga, escolta ele todo dia da escola para a casa dele, abre o portão com a chave e volta dois quarteirões para a casa dela.

Na sala de aula sentam lado a lado. Leonardo, com o barulho que fazem as teclas de sua máquina de escrever em braile, é um prato cheio para os outros meninos caçoarem dele.

Em casa, pai e mãe são super-protetores não deixam ele em paz:

“- Parece que eu tenho cinco anos de idade…” reclama Leonardo.

Mas ele se abre mais com a avó (Selma Egrei), para quem pergunta sobre o namoro dos pais e a vida amorosa dela com o avô. Papos gostosos que divertem os dois.

O garoto anseia por liberdade e sonha em fazer intercâmbio através de uma agência especializada em cegos. Quer ir para um lugar onde ninguém conheça ele.

Mas mais que descobrir o mundo, o que não faz muito sentido para ele, Leonardo quer descobrir-se.

E não é um deprimido. Quer conhecer o amor mas não dispõe de visão. Como encontrar um alguém que desperte nele tudo que está a ponto de explodir?

Mas quando chega Gabriel (Fabio Audi), o novo aluno da sala, tudo vai mudar para Leonardo.

Com muita delicadeza, o diretor e roteirista paulista, Daniel Ribeiro, em seu primeiro longa, acerta no tom com que lida com assuntos que poderiam ser difíceis.

A cegueira não vai impedir Leonardo de explorar sua sexualidade. E é aqui que sentimos a força do talento, não só de Guilherme Lobo, que vive o garoto cego com perfeição mas o modo como o diretor vai levando o espectador a identificar-se e torcer pelo personagem.

Há um frescor e alegria nas descobertas, que faz com que o filme emocione até o mais renitente dos conservadores.

Em Berlim, o filme ganhou o “Teddy Award”, que é dado ao filme que melhor tratou de questões das minorias gays, levou também o prêmio de Melhor Filme da Mostra Panorama pelo FIPRESCI, o júri da crítica internacional e o 2º lugar do Prêmio do Público na Berlinale 2014. Fez bonito.

Você merece ver “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”. Não vai se arrepender.

Entre Nós

“Entre Nós”, Brasil 2013

Direção: Paulo Morelli

Sempre haverá, dentro de nós, saudades de um tempo que já se foi. Mesmo quando ainda somos jovens.

“Entre Nós” conta a história de um grupo de amigos que, em 1992, quando quase todos tinham 20 anos, resolvem escrever cartas secretas que só seriam abertas dez anos depois e lidas entre eles.

A natureza verde das montanhas e colinas sob uma luz dourada, é o cenário onde eles se divertem e brincam, entre baseados e garrafas de bebida. Amores nascem em segredo enquanto outros são vividos. Muitos sonhos nas mentes e corações de quase adolescentes.

Já há pares formados. Lucia (Carolina Dickmann) namora Gus (Paulo Vilhena) e Drica (Martha Nowill) está com Cazé (Julio Andrade). E os três que ficam de fora, naquela hora em que os outros estão namorando, reclamam:

“- Mas nada impede que a gente faça a própria sacanagem”, diz insinuante, Silvana (Maria Ribeiro), dona do sítio onde estão.

Felipe (Caio Blat) e Rafael (Lee Taylor), os amigos literatos, se revezam beijando a moça quando, de repente, tomam um susto. Cai algo de uma árvore, aparado pela planta que cresce na enorme pedra onde os três estão sentados. Um passarinho é resgatado com delicadeza e voa.

Passado o momento breve em que se ocuparam com algo fora deles mesmos, a conversa volta a ser auto-referente e trata do livro que Rafa escreve num caderno de espiral com uma caneta Bic:

“- Você deixou o Felipe ler?” diz Silvana indignada. “Mas a gente tinha combinado de ler junto…”

Um drama vai acontecer e esse livro vai servir de pomo da discórdia entre eles todos, na reunião de 2002.

Dez anos mais velhos, muitos sonhos desmoronados, o sucesso de uns será objeto do ciúme de outros, que pouco conseguiram da vida.

Máscaras vão cair e a sensação de que algo importante foi perdido perpassa o grupo. Haverá mágoa e desilusões.

“Entre Nós”, um filme a quatro mãos, pai e filho, Paulo e Pedro Morelli, tem personagens muito bem desenvolvidos e interpretados com talento por um elenco escolhido a dedo.

É um filme raro e ousado no cinema nacional, já que se acredita que os brasileiros só querem rir em comédias recheadas de palavrão.

“Entre Nós” tem o que a vida das pessoas comuns também tem, momentos leves e outros pesados. Mas tem também suspense e segredos, traição e mentiras, em doses de vida real.

E, por isso, tem tudo para agradar a um público que tenha sensibilidade.