Walt nos Bastidores de Mary Poppins

“Walt nos Bastidores de Mary Poppins”- “Saving Mr Banks”, Estados Unidos/Inglaterra/Austrália, 2013

Direção: John Lee Hancock

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O passado sempre volta até ser resolvido ou esquecido. E a figura do pai é importante na vida dos seres humanos pois será o modelo dos meninos e o amor ideal das meninas. Pois tudo isso tem a ver com o filme “Walt nos Bastidores de Mary Poppins”.

A figura conhecida das crianças, Walt Disney (1901-1996) e P.L.Travers (1899-1996), a criadora de uma governante mágica, Mary Poppins, vão se encontrar em Los Angeles em 1961. Será que finalmente o filme sairá? Faz 20 anos que Disney sonha com isso.

Ela gosta de ser chamada Mrs Travers (Emma Thompson, maravilhosa) e assina P.L.Travers em seus livros. Mora em Londres, parece ser uma típica senhora inglesa e precisa de dinheiro. Detesta intimidades com estranhos.

Mas, desde o começo do filme vemos imagens de sua infância na Austrália, o pai bonitão (Collin Farrell), um principe encantado, dono de uma imaginação fascinante e amado com loucura pela filha mais velha. Havia um só problema. Sonhador, não conseguia por os pés no chão e cuidar direito da família. E bebia.

Para fazer o filme, a dona de Mary Poppins vai ter que mexer no seu passado que traz lembranças dolorosas. É difícil abandonar a “persona” que ela adotou para se defender do mundo.

Ela quer e não quer fazer o filme. Por isso inventa mil problemas e fica intransigente com as soluções. Nada a agrada.

Mas Walt Disney (Tom Hanks, sempre competente), que aparentemente se reconciliou com seu passado, também difícil, com um pai severo e mandão, será a pessoa que vai ajudar a rabujenta Mrs Travers a sair de sua posição defensiva e voltar a ser mais livre, como tinha sido em sua infância.

O simpático motorista americano (Paul Giamatti) também ajuda a abrir portas fechadas no coração da autora de oito livros de Mary Poppins de 1934 a 1988.

O título do filme em português, escolhido para explicar ao público que é um filme sobre Walt Disney, não tem o sentido interpretativo do título em inglês, “Saving Mr Banks”. Ele é o pai das crianças, tão ocupado quanto a mãe, que contrata Mary Poppins para cuidar dos filhos. A pergunta que o filme responde é: Mary Poppins aparece para salvar quem?

Uma das maiores delícias do filme é a perfeita reprodução dos anos 60 nos figurinos, mobiliário, carros, tudo enfim, com grande fidelidade e graça.

O filme “Mary Poppins” de 1964, que ganhou 5 Oscars, foi dirigido por Robert Stevenson e estrelado pela jovem estreante nas telas, Julie Andrews, que ganhou o Oscar de melhor atriz pelo papel.

Aqueles que se lembram do filme ou os que não viram, vão poder comprar o Blu-Ray lançado em comemoração dos 50 anos do filme.

“Mary Poppins” não saiu como a autora do livro queria mas emocionou Mrs Travers e vai encantar você.

Veja os dois. Prometo lágrimas, sorrisos e lembranças da infância.

Até o Fim

“Até o Fim”- “All is Lost”, Estados Unidos, 2013

Direção: J.C. Chandor

A imagem de um mar azul, muito próximo, encontra-se com o céu de azuis mais pálidos e ficamos sabendo que estamos a 1.700 milhas náuticas de Sumatra, seja lá o que isso quer dizer.

Uma voz em “off”, que reconhecemos como a de Robert Redford, diz:

“Sinto muito. Sei que isso significa pouco agora.

Acho que todos vocês concordam que eu tentei ser verdadeiro, ser forte, ser gentil, amável e correto. Mas não fui. E sei que vocês sabem disso. Sinto muito.

Tudo aqui está perdido, exceto pela alma e pelo corpo. Ou seja, o que resta deles.

E a ração de meio dia.

É imperdoável realmente. Sei disso agora. Como levei tanto tempo para admitir que não tenho certeza?

Mas aconteceu. Lutei até o fim. Não tenho certeza de que isso vale apena, mas saibam que eu fiz.

Vou sentir saudades. Sinto muito.”

E lemos uma data: 13 de julho, 4:50 PM.

Outro letreiro indica que vamos voltar oito dias.

Imediatamente nós nos perguntamos: mas quem é esse homem? O que faz sózinho no mar, tão longe de casa? Por que sente muito? A quem pede desculpas? De quem vai sentir saudades? O que aconteceu?

Mas, ao mesmo tempo, sentimos que tudo isso não importa, pois, de chofre, nosso homem acorda com um solavanco de seu veleiro. A água invade a cabine. Ele já se movimenta e sobe ao convés.

Um “container” perdido chocou-se contra o barco, perfurando seu casco.

Nosso homem toma providências.

Consegue livrar-se do “container” depois de muita luta e manobra o barco para que o buraco saia do nivel da água.

Empenha-se em consertá-lo, usando tela e cola.

Percebe que a parte elétrica foi danificada. Usa bomba manual para tirar a água do convés.

Dorme numa rede para ficar acima da água que bate na cintura dele.

Acorda e sai com o que salvou da água. O diário de bordo, mapas, uma caixa, o rádio, a bateria. Põe tudo para secar e trabalha concentrado.

Maneja o rádio que faz alguns ruidos. Ouve vozes e pede socorro: “Aqui Virginia Jean”. Mas em vão. O rádio está mudo.

Assim ele também vai ficar. Mudo. Focado nas tarefas que realiza para se manter vivo.

O rosto marcado por rugas e vincos que mostram a idade (Robert Redford tem 77 anos), mas também a inteligência e a determinação no olhar, acompanham um corpo forte, flexível, pronto para a ação.

A câmara fica em cima dele o tempo todo. Ela também é ágil e se movimenta rápida.

O espectador cria, inevitávelmente, uma ligação com esse homem, sofre com ele, acompanhando tudo de ruim que acontece e respira fundo quando ele se safa, até o momento em que não há mais possibilidades de luta pela vida.

A fotografia belíssima de Frank G. DeMarco acompanha nosso homem e sua luta para mostrá-lo em “close” a maior parte do tempo. Quando o vê de cima, no bote, mostra a casquinha que ele é. E quando mergulha, para mostrá-lo na água, vemos que há perigo.

O filme é uma fábula bem contada sobre o homem e sua vontade de viver, de não entregar-se, de romper os próprios limites, de ir além.

Mas chega um momento em que nos deparamos com o fim, com a morte. Mesmo que ainda não seja o final e tivermos a sorte de sair dessa, não adianta. De repente, algo nos convence de que a vida terá fatalmente um fim.

E a aceitação disso é a chave para abrir novas portas, até a derradeira.

O diretor e roteirista, J. C. Chandor, 40 anos, em seu segundo longa ( o primeiro foi “Margin Call – O Dia Antes do Fim”2011), usando um só ator, sem diálogos, nem monólogos, excetuando o inicial, com o barulho do vento, do mar, a respiração do nosso homem, trovões, o rangido da madeira do veleiro e o som do bote batendo na água, consegue envolver o espectador, que experimenta como se fosse na própria pele, a fragilidade e o desamparo do homem, mesmo o mais bem preparado, frente às forças da natureza desencadeadas.

Pena que “Até o Fim” não foi lembrado no Oscar, apesar da crítica de Nova York ter premiado Robert Redford.

Mas não importa. É um filme inesquecível.