Ninfomaníaca Vol 2

“Ninfomaníaca – Vol 2” – “Nimphomaniac Vol II”, Dinamarca/Bélgica/França/Alemanha/Reino Unido, 2013

Direção: Lars von Trier

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Santa ou depravada?

Quantas vêzes na história da humanidade a sexualidade feminina foi o critério de avaliação para julgar se uma mulher é boa ou má? Muitas foram parar nas fogueiras da Idade Média por causa dessa culpa, relacionada ao uso do próprio corpo para o livre prazer, condenado como luxúria perversa. Até hoje isso acontece através de condenações morais.

“Ninfomaníaca Vol 1 e 2” são filmes que tratam dessa questão.

Na segunda parte de “Ninfomaníaca” que completa a trilogia sobre a depressão de Lars von Trier, iniciada com “Anticristo” 2009 e continuada com “Melancolia” 2011, entendemos melhor porque a personagem Joe se entrega a uma prática de sexo repetitiva e entediante no Vol1 e perigosa no Vol2.

A sexualidade de Joe (Stacy Martin na juventude e Charlotte Gainsbourg na maturidade), muito livre na infância, aparece despertando para uma modalidade mais doentia numa experiência da adolescência que ela conta para Selligman (Stellan Skarsgard).

Na tela aparece Joe, numa excursão ao campo. Enquanto as outras meninas brincam, ela toda vestida, corpo em tensão, deitada no capim alto, tem um orgasmo espontâneo, acompanhado de uma vivência delirante de levitação e visão de duas mulheres:

“- Uma delas parecia ser a Virgem Maria, com o menino…” conta ao homem caridoso que a acolhera em seu apartamento monástico.

Numa virada inesperada, ele, que levava a moça no Vol1 a distanciar-se da culpa, fazendo-a olhar suas experiências sob um outro prisma, agora comenta:

“- Você não vê que uma delas é Messalina, a ninfomaníaca famosa de Roma e a outra é a Grande Prostituta da Babilonia? O primeiro sinal satânico…”

Mas ela parece não perceber o tom diferente dos comentários e continua sua narrativa, instigada por ele, que vai envolver mais sofrimento e culpa do que a primeira parte de sua história.

Joe, que experimentara a impossibilidade de sentir qualquer coisa no grito que encerra o Vol1, agora assume o que ela chama de ninfomania.

Vivida com desespero, essa busca desenfreada pelo orgasmo, a afasta de Jerôme (Shia LaBeouf) e do filho que tiveram juntos. Incapaz de satistazê-la, ele mesmo a induz a buscar outros homens.

A cena do “ménage à trois” com dois homens negros, ainda tem um certo humor. Mas é só. A violência e o sadismo explícito vão entrar em cena com K. (Jamie Bell), carrasco do açoite.

O masoquismo de Joe, aliado a uma procura desesperada de gozo, faz com que ela confunda o prazer com sexo complicado. A culpa a impulsiona a castigos.

O gozo é dificultado por um estado sempre tenso, sem relaxamento, devido à grande angústia que a consome.

Lars von Trier leva o espectador que viu “Anticristo” a um estado de tensão semelhante ao de Joe, quando repete a cena do filho na sacada do apartamento, vendo a neve cair.

Mas há destinos piores que a morte. E ela se afasta para sempre do filho, pagando anônimamente sua estadia num colégio interno.

Daí em diante Joe é obrigada a frequentar um grupo para mulheres “viciadas em sexo”, sem resultados e entrega-se à marginalidade, através de Willem Dafoe, um gangster que comanda grupos de extorsão.

Há uma cena com Jean-Marc Barr, o pedófilo, que é a mais explícita e ambigua parceria de Joe.

Lars von Trier, um mestre do cinema, com idéias às vêzes confundidas com heresias, mostra nesse filme como vivemos num mundo machista, que nega às mulheres, o que permite aos homens.

E, acompanhando esse ponto de vista, a cena final, no escuro, é exemplar.

Walt nos Bastidores de Mary Poppins

“Walt nos Bastidores de Mary Poppins”- “Saving Mr Banks”, Estados Unidos/Inglaterra/Austrália, 2013

Direção: John Lee Hancock

 

O passado sempre volta até ser resolvido ou esquecido. E a figura do pai é importante na vida dos seres humanos pois será o modelo dos meninos e o amor ideal das meninas. Pois tudo isso tem a ver com o filme “Walt nos Bastidores de Mary Poppins”.

A figura conhecida das crianças, Walt Disney (1901-1996) e P.L.Travers (1899-1996), a criadora de uma governante mágica, Mary Poppins, vão se encontrar em Los Angeles em 1961. Será que finalmente o filme sairá? Faz 20 anos que Disney sonha com isso.

Ela gosta de ser chamada Mrs Travers (Emma Thompson, maravilhosa) e assina P.L.Travers em seus livros. Mora em Londres, parece ser uma típica senhora inglesa e precisa de dinheiro. Detesta intimidades com estranhos.

Mas, desde o começo do filme vemos imagens de sua infância na Austrália, o pai bonitão (Collin Farrell), um principe encantado, dono de uma imaginação fascinante e amado com loucura pela filha mais velha. Havia um só problema. Sonhador, não conseguia por os pés no chão e cuidar direito da família. E bebia.

Para fazer o filme, a dona de Mary Poppins vai ter que mexer no seu passado que traz lembranças dolorosas. É difícil abandonar a “persona” que ela adotou para se defender do mundo.

Ela quer e não quer fazer o filme. Por isso inventa mil problemas e fica intransigente com as soluções. Nada a agrada.

Mas Walt Disney (Tom Hanks, sempre competente), que aparentemente se reconciliou com seu passado, também difícil, com um pai severo e mandão, será a pessoa que vai ajudar a rabujenta Mrs Travers a sair de sua posição defensiva e voltar a ser mais livre, como tinha sido em sua infância.

O simpático motorista americano (Paul Giamatti) também ajuda a abrir portas fechadas no coração da autora de oito livros de Mary Poppins de 1934 a 1988.

O título do filme em português, escolhido para explicar ao público que é um filme sobre Walt Disney, não tem o sentido interpretativo do título em inglês, “Saving Mr Banks”. Ele é o pai das crianças, tão ocupado quanto a mãe, que contrata Mary Poppins para cuidar dos filhos. A pergunta que o filme responde é: Mary Poppins aparece para salvar quem?

Uma das maiores delícias do filme é a perfeita reprodução dos anos 60 nos figurinos, mobiliário, carros, tudo enfim, com grande fidelidade e graça.

O filme “Mary Poppins” de 1964, que ganhou 5 Oscars, foi dirigido por Robert Stevenson e estrelado pela jovem estreante nas telas, Julie Andrews, que ganhou o Oscar de melhor atriz pelo papel.

Aqueles que se lembram do filme ou os que não viram, vão poder comprar o Blu-Ray lançado em comemoração dos 50 anos do filme.

“Mary Poppins” não saiu como a autora do livro queria mas emocionou Mrs Travers e vai encantar você.

Veja os dois. Prometo lágrimas, sorrisos e lembranças da infância.