Alabama Monroe

“Alabama Monroe”- “The Broken Circle Breakdown”, Bélgica/Holanda,2012

Direção: Felix Van Groeningen

Oferecimento Arezzo

A felicidade de dois jovens, Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh), mostrada em deliciosas cenas idílicas e sensuais no campo, numa fazendinha que ele herdara dos pais, é bonita de se ver.

O belo corpo branco dela ostenta tatuagens com figuras de filigranas, rosas vermelhas, borboletas e um delicioso laço acima do bumbum. São desenhos delicados e sofisticados. Obras dela, artista sensível que tem um estúdio de tatuagem em Gent, na Bélgica, onde os dois se conheceram.

Didier, muito alto, forte, um tipo rude mas carinhoso, cabeludo e dono de uma barba selvagem, é encantado por Elise. Ele canta num bar com sua banda “folk”, especializada em “greengrass”, música caipira dos Estados Unidos, país que ele sonha conhecer.

Mas a canção que abre o filme, soa como uma nota dissonante, rápidamente esquecida. Fala de um circulo que pode se quebrar e pergunta ao Senhor se pode haver um melhor no céu. Escutamos mais o lado religioso do que o ameaçador. E eles cantam tão lindamente inspirados, tão saudáveis e animados no conjunto de cordas e vozes, que não dá para pensar em coisas tristes.

E, no entanto, a tristeza virá. O colapso do circulo acontecerá.

A segunda nota dissonante, que ficamos sabendo logo no início, é que esse casal feliz vai ter uma menina que vai ficar doente.

O diretor, Felix Van Groeningen, adaptou o que era uma peça teatral para o cinema e conta a história indo e vindo no tempo, criando suspense e levando o espectador a se envolver emocionalmente com os personagens, vividos com intensidade pelos atores. A mistura de passado, presente e futuro vai fazendo sentido ao longo do filme que caminha para um final impactante.

Quando Elise fica grávida e Didier demora para se posicionar, nosso coração se aperta. Mas logo depois o vemos reformando a casa e Elise pintando figuras de sonho no quarto que vai ser de sua filha Maybelle (Nell Cattrysse).

A menina é um anjo caido do céu, loura, alegre e brincalhona. O circulo dos três, tão forte, com aquele pai amoroso e um pouco duro no seu jeito realista de ver o mundo, a mãe delicada mas forte também no seu modo feminino de ser, conhecedora de mais mistérios do que ele e o fruto daquele amor, Maybelle, gritando e pulando, saudável e colorida, de botas azuis e chapéu de cowboy, comove e nos conquista.

O luto é uma passagem difícil em nossas vidas. Sabemos o quanto existe nele de dor e raiva e que muitas vezes parece enlouquecer. A perigosa dor da perda pode destruir tudo o que de bom ainda nos resta. E acontece de querermos morrer também.

Premiado em todos os festivais de que participou, “Alabama Monroe”, concorre ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2014.

Mas, mesmo sem prêmio nenhum, é um filme que vale a pena ver. Parece entristecer-nos de propósito para que possamos dar um valor maior à vida e ao amor que nos é oferecido.

Ninfomaníaca Vol.1

“Ninfomaníaca – Vol.1”- “Nynphomaniac – Vol.1”, Dinamarca/França/Inglaterra

Direção: Lars Von Trier

O que será aquele lugar molhado, de pedras úmidas, beco escuro e amedrontador? Aparece depois de uma tela negra e ruídos indistintos…

Lars Von Trier parece dar o tom de seu novo filme em seus minutos iniciais. Está falando por metáforas no sexo feminino. Por outro lado, claramente o “O” do título do filme lembra uma vagina. E o livro e o filme “Histoire d’O”, que fala sobre masoquismo.

A mulher que jaz ensanguentada naquele chão, quase fundida em suas pedras, será resgatada por um homem mais velho que entende que aquela não é uma situação nem de hospital, nem de polícia.

“- O que você quer?” pergunta a ela.

“- Uma xícara de chá com leite quente” responde a moça.

“- Então é melhor vir comigo.”

E ele a acolhe, troca suas roupas molhadas, e a põe na cama. Ela está maltratada e melancólica.

Ele senta-se ao lado dela e escuta:

“- É tudo culpa minha. Sou um ser humano ruim.”

E, a partir daí, Joe (Charlotte Gainsburg, atriz predileta do diretor) vai narrar a Seligman (Stellan Skarsgard, ator sueco de 62 anos) sua história ou parte dela, porque o filme vai ter uma continuação prometida para breve.

“Ninfomaníaca – Vol.1” faz parte de uma trilogia que começou com “Anticristo”2009 e “Melancholia”2011, filmes que tem em comum o tema depressão. E, consequentemente, raiva e culpa como assunto.

Nem sempre a sexualidade é vivida facilmente. Para algumas pessoas, devido a certas configurações de vida, o sexo é penoso ou usado como solução para lidar com dificuldades.

Joe, na infância, é uma menina como as outras. Descobre sua vagina e seu clitóris, através da exploração que já, desde bebês, fazemos em nossos próprios corpos. E o prazer é despertado. Seguem-se brincadeiras de todo tipo nas quais o órgão sexual é estimulado, seja com cordas, bichinhos de pelúcia, balanços e até mesmo com o chão molhado do banheiro, onde Joe e sua amiguinha escorregam de bruços.

A mãe dela é vista como cruel, autoritária e maldosa. Uma bruxa. O pai, médico e sonhador, muito carinhoso, é adorado. Tudo que vem dele é bom e prazeiroso. Seus passeios na floresta são idílicos. Estamos diante do famoso complexo de Édipo exaltado. Ataques mortais e inconscientes à mãe e a certeza de ter roubado o pai, levam as meninas a experiências de amadurecimento ou não. Certas garotas são como Joe. Fica tudo muito difícil.  

E a atriz Stacy Martin (que faz Joe adolescente) apática, pede para um rapazinho bruto, Jerôme (Shia LaBeou), que tire sua virgindade, aos 15 anos.

Isso feito, com sua amiga B., vão competir para ver quem é a mais poderosa e consegue seduzir mas homens em trens.

Mas, na escalada sexual de Joe, ela só tem para contar maçantes histórias de repetição da mesma coisa, sem qualquer solução para o seu problema. Continua angustiada e insatisfeita. Ela não percebe que faz o que faz por culpa, visando sua auto-destruição.

Seligman, cujo nome traduz-se por Feliz, escuta a narrativa e vai contrapondo outros estados de mente ao de Joe. Leva-a a pescar com vara e  anzol arremessado na corrente de um rio, lembra que os números podem traduzir surpresas inesperadas e que a música já foi alvo de perseguição e proibição na Idade Média.

Ele atua com uma espécie de psicanalista estimulando Joe a sonhar, libertar-se do pesadelo, abrir sua mente a outros pontos de vista, visando a desprendê-la de suas amarras a um sexo viciado, a um estado de alma agarrado à matéria, buscando sensibilidade no lugar errado.

Há até uma piscadela de Von Trier a “De Olhos Bem Fechados”1998, de Stanley Kubrick, através do uso da valsa de Shostakovsky, tocada muitas vezes naquele filme e lembrando que a curiosidade sexual existe sempre no ser humano e pode levar a caminho escuros.

E não podemos esquecer de citar Uma Thurman, que faz uma ponta tragicômica e rouba a cena.

Vamos entender melhor a culpa de Joe e os castigos a que ela se submete de boa vontade no volume 2 de “Ninfomaníaca”?

Espero que sim. Lars Von Trier é um diretor de cinema inteligente e sensível e um personagem às vezes difícil mas sempre criativo.