Trapaça

“Trapaça”- “American Hustler”, EstadosUnidos, 2013

Direção: David O. Russell

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Será que é preciso trapacear sempre, nessa vida, para sobreviver? Alguns pensam assim.

Um deles é Irving Rosenfeld (Christian Bale). Ele engana até no visual. Numa cena inacreditável de “Trapaça”, o vemos lidando com a calvície no alto da cabeça com um aplique colado à careca e toda uma técnica para esconder o cabelo falso. Muito laquê depois. A quem ele engana?

Parece que Irving engana muita gente desesperada.

Quando encontra Sidney Prosser (Amy Adams, com decotes até o umbigo o filme todo), ouvimos ele dizer em “off”, mais ou menos assim:

“- Ela era uma mulher especial. Veio de um lugar onde as opções eram poucas ( na tela aparece ela meio nua, dançando numa espelunca). Como eu, ela sobreviveu e queria um futuro elegante. Como eu, ela sabia que precisava ter um sonho. Ela veio para Nova York. Queria um lugar na Cosmopolitan. Era inteligente e sabia das coisas.”

E, também em “off”, ela diz:

“- Ele não estava em boa forma e tinha esse problema de cabelo mas tinha confiança em si mesmo. Eu estava sem dinheiro e queria me tornar uma pessoa diferente de quem eu era.”

Quando ele conta como ganha a vida com falsos empréstimos, além da rede de lavanderias e a venda de quadros falsificados, ela comenta:

“- Na lama todos se cruzam em desespero. E você está lá, esperando por eles.”

E, como ela era também uma pessoa que sabia trapacear, tornam-se parceiros na cama e nos negócios, apesar de Irving ser casado com Rosalyn (Jennifer Lawrence, com penteados rocambolescos mas sempre linda) e adorar o filho da esposa, que ele adotara.

Ouvimos Irving falando em “off”:

“- Pelo que sei, todo mundo trapaceia para conseguir o que quer. Trapaceamos até a nós mesmos, de um jeito ou de outro, para conseguir sobreviver.”

Essa é então a motivação dos personagens de “Trapaça”, filme que vem ganhando prêmio atrás de prêmio, 10 indicações para o Oscar.

Como ficou bem claro aqui, há muita falação. Diálogos prolixos e longas digressões em “off”. Isso cansa o espectador.

Fora isso, há uma trapaça complicada por conta do agente do FBI, Richard DiMaso (Bradley Cooper, bonitinho sedutor) que quer usar a dupla de golpistas para pegar políticos corruptos e mafiosos, em troca de liberdade. A história é baseada em acontecimentos reais dos anos 70/80 nos Estados Unidos.

David O. Russell, 58 anos (“O Vencedor”2010, “O Lado Bom da Vida”2012), dirigiu e co-escreveu o roteiro, que não é o ponto forte do filme, prolixo e com uma sensação de “déjà-vu”.

Mas no elenco, principalmente Amy Adams e Jennifer Lawrence, estão muito bem. Esta última faz uma louca cafona e é sempre dona da cena. Com o vestido branco colado no corpão, nem aquele cabelo esquisito consegue derrubá-la.

E, claro, todo mundo vai reconhecer Robert De Niro no papel do mafioso, charmoso como sempre.

A reconstituição de época, figurinos e a trilha sonora só merecem aplausos.

Mas é só. Muito pouco para ser o melhor filme do ano.

Alabama Monroe

“Alabama Monroe”- “The Broken Circle Breakdown”, Bélgica/Holanda,2012

Direção: Felix Van Groeningen

A felicidade de dois jovens, Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh), mostrada em deliciosas cenas idílicas e sensuais no campo, numa fazendinha que ele herdara dos pais, é bonita de se ver.

O belo corpo branco dela ostenta tatuagens com figuras de filigranas, rosas vermelhas, borboletas e um delicioso laço acima do bumbum. São desenhos delicados e sofisticados. Obras dela, artista sensível que tem um estúdio de tatuagem em Gent, na Bélgica, onde os dois se conheceram.

Didier, muito alto, forte, um tipo rude mas carinhoso, cabeludo e dono de uma barba selvagem, é encantado por Elise. Ele canta num bar com sua banda “folk”, especializada em “greengrass”, música caipira dos Estados Unidos, país que ele sonha conhecer.

Mas a canção que abre o filme, soa como uma nota dissonante, rápidamente esquecida. Fala de um circulo que pode se quebrar e pergunta ao Senhor se pode haver um melhor no céu. Escutamos mais o lado religioso do que o ameaçador. E eles cantam tão lindamente inspirados, tão saudáveis e animados no conjunto de cordas e vozes, que não dá para pensar em coisas tristes.

E, no entanto, a tristeza virá. O colapso do circulo acontecerá.

A segunda nota dissonante, que ficamos sabendo logo no início, é que esse casal feliz vai ter uma menina que vai ficar doente.

O diretor, Felix Van Groeningen, adaptou o que era uma peça teatral para o cinema e conta a história indo e vindo no tempo, criando suspense e levando o espectador a se envolver emocionalmente com os personagens, vividos com intensidade pelos atores. A mistura de passado, presente e futuro vai fazendo sentido ao longo do filme que caminha para um final impactante.

Quando Elise fica grávida e Didier demora para se posicionar, nosso coração se aperta. Mas logo depois o vemos reformando a casa e Elise pintando figuras de sonho no quarto que vai ser de sua filha Maybelle (Nell Cattrysse).

A menina é um anjo caido do céu, loura, alegre e brincalhona. O circulo dos três, tão forte, com aquele pai amoroso e um pouco duro no seu jeito realista de ver o mundo, a mãe delicada mas forte também no seu modo feminino de ser, conhecedora de mais mistérios do que ele e o fruto daquele amor, Maybelle, gritando e pulando, saudável e colorida, de botas azuis e chapéu de cowboy, comove e nos conquista.

O luto é uma passagem difícil em nossas vidas. Sabemos o quanto existe nele de dor e raiva e que muitas vezes parece enlouquecer. A perigosa dor da perda pode destruir tudo o que de bom ainda nos resta. E acontece de querermos morrer também.

Premiado em todos os festivais de que participou, “Alabama Monroe”, concorre ao prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar 2014.

Mas, mesmo sem prêmio nenhum, é um filme que vale a pena ver. Parece entristecer-nos de propósito para que possamos dar um valor maior à vida e ao amor que nos é oferecido.