O Lobo de Wall Street

“O Lobo de Wall Street” – “The Wolf of Wall Street , Estados Unidos, 2013

Direção: Martin Scorsese

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Onipotência, megalomania e ganância são uma combinação perigosa. Quando a esse estado de alma é acrescentado o uso indiscriminado de drogas pesadas, temos uma situação explosiva. Não há nenhuma possibilidade que algo dê certo, para ninguém, nunca.

“O Lobo de Wall Street” conta uma história real, acontecida no fim dos anos 80 e 90, relatada nas memórias de Jordan Belfort, interpretado com loucura, testosterona e talento por um Leonardo DiCaprio, que se entrega ao papel de uma forma total. Dá até medo presenciar essa incorporação de um gênio do mal.

Tudo começa com um garoto entusiasmado entrando para uma corretora pelas mãos de um louquíssimo “broker”, na pele do maravilhoso Mattew McConaughey, que aproveita a ponta para mostrar o ótimo ator que ele é.

Os olhos do rapaz brilham. Ele chegou ao mundo com que sonhava. Mal sabe ele que haverá uma “Black Monday” e que ele vai ter que procurar outro emprego. Essa vai ser a sua perdição.

O talento que Jordan possuía como vendedor,vai fazer com que ele convença gente pouco cultivada e, mesmo seus clientes mais ricos, a investir no que chamaram de “penny-stock”, isto é, ações baratas que não rendiam nada, a não ser as comissões de 50% para o corretor.

Muito dinheiro entra a rodo na vida de Jordan e seus colegas, tão toscos como ele. Mansões, iates, roupas caras e mulheres atraentes era tudo que eles queriam. E toneladas de cocaína e “qualuds” para fazer com que se sentissem os donos do mundo. E sexo, muito sexo.

A cena em que os dois amigos de falcatruas e drogas, DiCaprio e Jonah Hill, passam uma noite em que os comprimidos de “qualud” ingeridos, muitos, pareciam não fazer efeito, é hilária e genial. Antológica.

Falta de educação, egos monstruosos, nenhuma capacidade de perceber o que é certo e o que é errado, sem remorsos, movidos a ingredientes que diminuem ainda mais o discernimento, esses homens faziam o que faziam sem preocupação nenhuma de serem desmascarados.

E Leonardo DiCaprio é tão convincente e carismático que a gente se pega com pena dele quando o FBI, na pessoa do agente incansável Patrick Denham (Kyle Chandler) faz esse castelo de areia desmoronar.

Martin Scorsese, 71 anos, mostra do que é capaz novamente. Ele cria um clima eletrizante que atordoa e mexe com nossos sentidos como se fosse uma droga. O diretor faz do espectador um conhecedor do que é o excesso. De tudo. E como faz mal.

Saímos exaustos do cinema. Mas admirados com a força desse filme assinado por um gênio do cinema.

        

Inch’Allah

“Inch’Allah” – Idem, Canadá/França, 2012

Direção: Anais Barbeau-Lavalette

Toda guerra é difícil para os seres humanos envolvidos nela. Toda guerra é cruel com os homens e mulheres de ambos os lados do conflito. E, no entanto, as guerras continuam a existir e a fazer manchetes nos noticiários.

A que opõe israelenses e palestinos é uma guerra que se estende por anos a fio, tem um contexto histórico complicado e não parece que vai ser resolvida tão cedo.

Pior, fará inúmeras vítimas ainda e muitas famílias ficarão enlutadas.

O filme franco- canadense “Inch’Allah” comove e assusta.

Vemos o que se passa entre Israel e o campo de refugiados palestinos em Ramallah, pelos olhos de uma médica obstetra canadense, que mora em Jerusalém e trabalha na clínica da ONU, situada do outro lado do muro que divide os territórios.

Ela vive no mesmo prédio onde mora sua amiga israelense Ava (Sivan Levy) que trabalha, como militar, na fronteira que separa os dois povos, nessa guerrilha diária, onde um diz que se defende atacando o outro. A médica tem que enfrentar todo dia, ida e volta, esse ponto tenebroso.

Ava, a israelense, é baixinha, amorosa e quando está com sua amiga Chloé, parece que consegue divertir-se como qualquer garota de sua idade. Na fronteira, onde filas enormes se formam do lado palestino e há revolta no ar, Ava tenta fazer o possível para acalmar os ânimos. É firme na revista e na observação rigorosa dos documentos mas sente-se uma delicadeza nela.

Chloé ( Éveline Brochu) é uma jovem problemática. Faz seu trabalho com carinho, atendendo as mães com seus bebês na clínica dirigida pelo médico francês Michael (Carlo Brandt). Mas guarda algo melancólico, que não é de agora, em seu coração. O rosto dela está quase sempre crispado e o cabelo em desordem esconde os olhos sempre baixos. É de falar pouco.

E, no entanto, quanta feminilidade na cena em que pinta a boca de Rand (Sabrina Ouazan), sua amiga palestina grávida do primeiro filho, com o batom que Ava mandou como um presente. Um gesto amigável entre mulheres, que consola do ódio diário com que convivem.

Chloé não consegue resolver seus próprios problemas. E, talvez por isso, envolve-se de maneira louca com uma guerra que não é dela.

“- Essa não é sua guerra”, dizem os dois lados a Chloé.

Mas ela não ouve. Nos diálogos com a mãe no Canadá, pelo computador, sente-se que ela não está bem, não tem um lugar para chamar de seu, está perdida mas não sabe.

A diretora e roteirista canadense Anais Barbeau-Lavalette, em seu segundo longa, lida com um assunto que é um campo minado. Com a ajuda do pai, o fotógrafo Philippe Lavalette, que consegue imagens que falam mais do que mil discursos, a diretora nos coloca frente a frente com o perigo do envolvimento impulsivo com questões perigosas. Mas também acena com esperança.

A última cena do filme, algo quase à parte, conta uma parábola sobre um futuro possível, através dos olhos de uma criança.

“Inch’Allah” é um filme duro mas sensível.