Um Estranho no Lago

“Um Estranho no Lago”- “L’Inconnu du Lac”, França, 2013

Direção: Alain Giraudie

Oferecimento Arezzo

 

 Sol de verão. Ouvimos o rumor de água e o som do vento nas folhas das árvores. Um carro estaciona num lugar onde vemos outros carros e o rapaz que desce vai até a praia de pedras, passando por um bosque.

Ele entra na água e o vemos nadando no lago azul. Olha a praia e vê um homem sentado perto de uma árvore. Sai da água e senta-se ao lado dele. O homem é gordo, meia idade e o rapaz é jovem e bonito.

“- Você não tem medo dos bagres de 10 metros que tem nesse lago?”

“- Mas isso não existe!”

Henri, o gordo, responde que já viu um de 4 metros e por isso não entra na água.

E continuam a conversar. Franck fica sabendo que o outro costumava ir a uma outra parte do lago com a namorada mas que brigaram.

“- Gosto de olhar a água. Me faz bem ficar aqui sozinho. Mas não digo isso para você ir embora. Agrada-me conversar com você.”

Franck conta que está desempregado e Henri diz que é lenhador.

“- Que maravilha trabalhar ao ar livre!”

“- Não é tão bom assim…”, responde o gordo que parece deprimido.

A câmera mostra que só há homens na praia, um pouco além do lugar onde estão os dois estão sentados. Muitos estão nús.

Um cara sai da água e Franck levanta-se, despede-se e vai atrás do homem que entrou no bosque.

Alain Giraudie ganhou o prêmio de melhor diretor na mostra “Um Certain Regard” em Cannes 2013 e o “Queer Palm”, prêmio para o filme com a melhor temática gay.

Além disso, o “Cahiers du Cinéma”, revista que é a bíblia do cinema francês, apontou o filme como o melhor do ano. Tudo isso pode ser um pouco de exagero mas o filme ganhou visibilidade e está sendo exibido na Europa, Estados Unidos e América Latina, fora dos guetos onde geralmente passam os filmes gays.

“Um Estranho no Lago” não é para todo tipo de público, claro. Mesmo os menos preconceituosos vão precisar de um tempo para se acostumar. Há cenas de sexo explícito mostradas sem nenhum pudor.

Naquele bosque, os casais de homens fazem sexo à vontade. Todos que lá vão, estão à procura de parceiros. O lago, a praia e o bosque são como que um paraíso gay natural.

Mas o filme de Giraudie vai começando a mostrar um clima tenso. Pequenos nadas vão se somando e vamos sentindo um mal estar.

O desejo sexual, independente do sexo, esconde perigos,  se precauções não são tomadas. Todos sabemos disso. Preservativos são usados por quase todos os homens alí.

Mas como se preservar da perversão, da maldade, presente e ativa em alguns seres humanos?

Franck (Pierre Deladonchamps) vai se aproximar de Michel (Christophe Paou), corpo bonito e olhar sedutor, por cima de um bigode.

Vemos, com apreensão crescente, que mesmo depois de ver de longe do que Michel é capaz, Franck vai procurá-lo todo dia na praia. Está apaixonado por ele. Sonha com uma relação mais estreita. É Michel que não quer saber de intimidades. Não quer perder sua liberdade.

A amizade que Henri, o gordo melancólico, tem por Franck, também o leva a procurar por um caminho perigoso mas desejado por seu lado ambíguo.

E o clima de tensão vai num crescendo até a cena final. O público do cinema se envolve mesmo sem querer.

Com poucos elementos, sem trilha sonora, só com o vento nas folhas e o rumor das águas, o diretor nos prende à trama.

A cada dia que passa, o perigo aumenta e parece que o tesão de Franck, acossado pelo elemento perturbador na personalidade de Michel, também se  intensifica. O que quer aquele rapaz, antes calmo e razoável?

Há um fascínio com o sexo que pode levar à morte.

A cena final, em plena escuridão, arrepia.

Um ótimo suspense.

Inhotim, um encontro feliz entre a natureza e a arte

 

 

Hoje não vou falar de filmes mas de um lugar cinematográfico.

Todo mundo me contava de Inhotim mas nunca chegava o meu dia de ir para lá.
Era longe. É longe. Mas, eu digo: vale cada minuto da jornada.
E, por mais que me contassem, meu encontro com o que era imaginado foi ainda mais forte do que eu poderia sonhar.
Saindo de uma São Paulo no meio da chuvarada, apreensiva, vi um pouquinho de céu azul em Belo Horizonte e respirei aliviada. Não iria chover.
E lá fomos nós, vendo o sol aparecer, o céu com nuvens brancas de bom tempo.
Imaginem uma estrada estreita, serpenteando por entre serras verdes e pequenas fazendas antiguinhas espalhadas pelo caminho.  A BR040 é uma deliciosa preparação para o que vai vir.
Uma hora e pouco depois, a placa mostra Brumadinho, a antesala de Inhotim.
Cidadezinha simpática. E o olhar da gente vai buscando. Como será?
Enfim chegamos. E o sol, o calor, o céu azul, são moldura para os jardins bem cuidados numa desordem natural muito bem pensada. Roberto Burle Marx assinou uma paisagem que nos atrai e nos enlaça. Instantaneamente estamos em paz. Pássaros e cigarras. Silêncio.
Eu me senti numa catedral verde. As palmeiras altas, uma miríade delas, muitas raras e originais, são como colunas, sustentando esse espaço que leva a comungar com plantas, arbustos, árvores de todo o tipo, flores e mais flores.
Imensos troncos como bancos convidativos mostram o talento de Hugo França.
Caminhos de terra por dentro de bosques levam a descobrir as pedrinhas, folhas e pontos cambiantes de luz do sol.
Tudo em Inhotim leva à contemplação. E que fome de calma e beleza nós temos!
As galerias, como são chamados os pavilhões que abrigam as obras de artistas de renome, brasileiros e estrangeiros, imaginados por arquitetos inspirados, muitas vezes são escolha dos próprios artistas.
Que casamento harmonioso na quase piramide que abriga as “Tetéias” luminosas de Lygia Pape!
E o que dizer da monumental estrutura, cercada de espelhos d’água azuis, que nos encanta antes mesmo de conhecer o mar interno que Adriana Varejão criou com azulejos “craquelés”, quais cacos do barroco? “Celacanto provoca maremoto” é o nome daquela beleza. E que luz!
O olhar, através do vão do mezzanino, revela as flores carnívoras sobrevoando as ruínas com vísceras sanguinolentas expostas. Quando atingimos o terceiro andar, estamos na altura das copas das árvores. Bancos nos esperam com ladrilhos salpicados de pássaros.
Tunga e seu pavilhão com a obra “True Rouge”, na frente de um lago verde (corante biodegradável transforma o marron das águas), tem uma borda sinuosa que o envolve. E lá dentro, o vermelho das redes que sustentam vidros, qual tubos de ensaio, ocupa todo o espaço que se faz leve mas com um sentido pesado.
No novo pavilhão desse artista, cercado pelo verde, subimos de um lugar escuro onde um túnel infinito nos surpreende, para o salão com redes negras, ossos amarrados, caveiras e caldeirões que falam de magia, para um lugar de sonho no terceiro andar, onde uma grande mesa de espelho, protegida por cortinas, abriga coleções de ânforas, copos, jarras coloridas e transparentes.
As redes vermelhas no terraço sombreado convidam ao repouso e a pensar sobre todo aquele desafio visual.
Mas tem mais, muito mais.
O visitante que só tem um dia, como eu, vai sentir saudades do tempo que poderia ter ficado na contemplação da piscina de Jorge Macchi que um casal jovem aproveitava com gosto ou do campo de vasinhos  em forma de letras de Marilá Dardot, que convida a formar nomes e mini poemas.
Para não falar do alto daquela colina onde Chris Burden enterrou pesadas vigas no cimento que as sustenta, como um jardim monumental e que quando tocadas soam como sinos cavos.
Lá embaixo, às margens do lago dos cisnes, as paredes coloridas de Helio Oiticica não se tocam mas trocam combinações de cores intensas.
Nem dá vontade de almoçar. Mas até nisso Inhotim surpreende. Mesinhas em várias das galerias que oferecem  quitutes, um centro de recepção que tem um restaurante acolhedor e uma lojinha simpática que distrai e refaz as energias para novas descobertas.
E como vale subir o caminho daquele bosque que esconde paredes de espelho com labirintos de flores verdes e água sob os nossos pés. Cristina Iglesias surpreende com uma natureza pessoal.
Ou descer aquele outro caminho e entrar no espaço em que Olafur Eliasson colocou sua fonte que jorra e dança e se imobiliza sob a luz, como se fosse de cristal.
Subindo escadas entramos num espaço circular pensado por Doug Aitken que abriga um buraco que adentra a terra. E ouvimos seus sons, ora suspiros, ora rugidos. O som da Terra.

E o grande Cildo Meirelles propõe três espaços de contrastes, com suas famosas instalações que já andaram pelo mundo e agora sentem-se em casa:”Desvio para o vermelho”, “Através” e “Glove Trotter”. Um privilégio que merece reflexão.
E tem a enorme tela de Marepe, colagem de embalagens de picolé que fica em frente à sua cabra picassiana. A casa tropical de Rirkrit Tiravanija com paredes que se abrem à brisa. E Amilcar de Castro, rigoroso, pousado na grama perfeita.
E qual sentimento cada um vai sentir quando sentar nas paradas de onibus de Dominique Gonzalez-Foerster, em meio à brilhante brita branca? Esperando… O tempo da vida.
Inhotim é um extraordinário enorme museu ao ar livre com uma profusão de jardins e bosques, conversando e protegendo a arte. É único no mundo.
Será com certeza uma pessoa especial, aquele turista que vai poder usufruir do hotel que já está sendo construido com bom gosto. Ano que vem inaugura.
Aposto que vai ter gente que vai querer morar lá, como faz há muito tempo o dono desse lugar de maravilhas, o visionário Bernardo Paz.

Dá vontade de imitá-lo.