Capitão Phillips

“Capitão Phillips” – “Captain Phillips”, Estados Unidos, 2013

Direção: Paul Greengrass

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Algo terrível vai acontecer para aquele homem. Mas ele ainda não sabe.

Vai para o aeroporto, de onde seguirá para seu posto como capitão de um navio que transportará carga do porto de Omã para o Quenia. No carro, conversa com sua mulher (Catherine Keener) sobre a vida e o futuro dos filhos:

“- Essas minhas viagens deveriam ficar mais fáceis mas é o oposto. Agora tudo está mudando tanto… O mundo de nossos filhos também vai ser muito diferente, Ange. Só os mais fortes sobrevivem…”

Parece um presságio. O Capitão Phillips (Tom Hanks), de óculos, fala mansa, nada atlético, vai entrar para a história. Ele será o foco de um dos episódios que chamou a atenção do mundo todo: o sequestro de um navio americano, o Maersk Alabama, por piratas somalis em abril de 2009.

A conhecida e perigosa rota do “Chifre da Ásia” vai fazer mais uma presa. E nós, que conhecemos ou não essa história, vamos ficar com o coração aos pulos, frente aos acontecimentos e vamos sofrer como a tripulação do navio, que tenta desesperadamente evitar o confronto com os somalis.

Em vão.

Quando os magérrimos, assustados e agressivos piratas sobem a bordo, vestidos com farrapos, a fleugma do capitão e de sua tripulação, some.

E, o que faz toda a tensão ser ainda mais realista, foi a ideia que o diretor Paul Greengrass teve de não apresentar os atores americanos aos somalis:

“- Eu os vi pela primeira vez pelo binóculo, quando estavam prestes a tomar o navio,” disse Tom Hanks numa entrevista. E ele só foi entender o que diziam quando viu o filme com legendas. Isso mostra o talento para contar histórias do diretor inglês, de 58 anos, responsável pelos filmes de ação com Matt Damon, “A Supremacia Bourne” 2004 e “Ultimato Bourne” 2007, bem como “Voo United 93” de 2006.

É impressionante o embate dos primeiros olhares entre o chefe dos piratas e o Capitão Phillips. Ambos expressam o medo que mostra o perigo daquele enfrentamento e, ao mesmo tempo, quase que lemos, nas palavras não ditas, o reconhecimento mútuo. Do desempenho dos dois capitães vai depender o desfecho daquilo tudo.

O novato Barkhad Abdi que faz Muse, o lider dos somalis, nascido na Somália e que veio pequeno para os Estados Unidos, atua de uma maneira tão convincente que quase nos esquecemos que ele também é um ator. Expressa fúria, medo e também esperança de poder viver uma vida melhor na América (quanta ironia…) com o dinheiro do sequestro. Sabemos pelas cenas iniciais que a tribo dele tem que pagar altas somas para um bando que explora os antigos pescadores, transformando-os em feras soltas à procura de sua sobrevivência.

O roteiro, escrito por Billy Ray, baseou-se no livro do próprio Capitão Richard Phillips e Stephan Talty e o filme foi rodado em 60 dias em pleno alto mar.

A fotografia de Barry Ackroyd, que sempre trabalha com Greengrass, acrescenta nuances à narrativa e ajuda a aumentar o clima de medo permanente, nos espaços escuros ou muito claros no navio e na baleeira laranja, sacudida pelas ondas, no que é ajudado pela música de Henry Jackman, ampliando com seus sons, a tensão já quase insuportável.

Tom Hanks, 57 anos e dois Oscars consecutivos por “Philadelphia”1993 e “Forrest Gump”1994,  já está sendo comentado como forte candidato ao Oscar de melhor ator. Seu Capitão Phillips é, mais que tudo, um ser humano tendo que lidar com seus limites de resistência à fome, sede, medo e assim mesmo, tendo que manter a cabeça pensando, seguir tudo que sabe sobre situações de perigo como a que está vivendo, sem perder nem mesmo a compaixão.

E a cena final vale mesmo um prêmio.

Ninguém sente passar o tempo vendo “Capitão Phillips” de tanto que o filme nos envolve. Recomendo essa experiência para você também.

Amor Bandido

“Amor Bandido”- “Mud”, Estados Unidos, 2012

Direção: Jeff Nichols

O grande rio é a vida deles. Ellis (Tye Sheridan, de “Árvore da Vida”, já um grande ator) e Neckbone (Jacob Lofland), a dupla de melhores amigos, que lembra Tom Sawyer e Huckleberry Finn do livro de Mark Twain, vivem suas aventuras no Mississipi, para lá e para cá, numa pequena embarcação simplória.

Ellis mora numa barcaça encostada na margem do rio, herança do avô dele para a mãe (Sarah Paulson), que vive às turras com o marido (Ray McKinum), um pai ausente. O amigo Neckbone, quase irmão, órfão, mora com o tio (Michel Shannon), solteiro e mulherengo. Os dois mal entraram na adolescência e sabem pouco da vida e ainda menos do amor.

Em suas andanças pelo rio majestoso, um dia, os meninos encontram um tesouro. Um barco foi parar no topo de uma árvore, numa ilhota, na última grande cheia.

O sonho deles é colocar o barco na água e navegar com ele.

Mas Mud (Mattew McConaughey, ator carismático) vai cruzar o caminho deles e tornar-se a maior aventura com que poderiam jamais sonhar.

Foragido da polícia, boa pinta, másculo, cheio de histórias, em pouco tempo torna-se o ídolo dos garotos. Principalmente de Ellis, que é sensível e romântico. Ele vai servir de pombo-correio entre Mud e seu grande amor desde a infância, Junniper (Reese Whiterspoon). E claro, vai apaixonar-se também por ela, sem o saber, idealizando-a como a mulher perfeita.

“- Ela é uma deusa loura, de pernas longas, com rouxinóis tatuados nas mãos”, conta Mud.

Quando Ellis ouve isso, fica hipnotizado. Faria qualquer coisa por eles. Inocência infantil.  

E as cobras negras mortíferas rondam o rio. O velho Tom (Sam Sheppard), que não fala com ninguém, não vai conseguir acabar com elas, por mais que seu rifle certeiro consiga matar as que nadam à flor da água.

Jeff Nichols, 34 anos, roteirista e diretor, em seu terceiro longa, mais uma vez brilha, como já havia feito em “O Abrigo” com Jessica Chastain, um dos filmes mais interessantes do ano passado, que, infelizmente, não passou no Brasil.

A história é ótima, os personagens míticos e a direção afinada com os atores estupendos.

O rio, sempre uma boa metáfora para a vida, traz surpresas boas e más, aprendem os garotos, que amadurecem durante o desenrolar das aventuras com o enigmático Mud.

Um dos melhores filmes do ano, com certeza.