Lore

“Lore”- Idem, Alemanha/Austrália/Reino Unido, 2012

Direção: Cate Shortland

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Quando a australiana Cate Shortland, 45 anos, ganhou do marido o romance “Dark Room”, de Rachel Seiffert, ela soube que poderia fazer um filme original, que teria tudo a ver com a família dela e a do marido, judeus alemães que se refugiaram na Austrália em 1938.

A diretora e roteirista resolveu levar para o cinema uma das três histórias contadas no livro, a de Lore, uma alemã de 14 anos, vivendo momentos terríveis nos dias que se seguiram à vitória dos Aliados, na 2ª Guerra Mundial, em 1945.

Claro que foi um assunto difícil de encarar para uma judia. Cate Shortland sabia disso.

Então, apoiou-se em longas conversas com a autora do livro, uma alemã, que trata da repercussão do Holocausto na mente dos alemães. E ficou sabendo que era uma história real, a de Lore. Rachel Seiffert, a autora do livro, viveu isso. Seu avô era da Gestapo e foi preso por crimes de guerra.

“Lore”, a história da mocinha (Saskia Rosendahl), filha de um oficial nazista, que é abandonada pela mãe, que prefere entregar-se aos Aliados do que morrer nas mãos dos camponeses alemães e deixa os filhos com a mais velha, é comovente e terrível.

A diretora disse, em uma entrevista, que contar a história do ponto de vista dos derrotados, os alemães e não pelo olhar das vítimas, os judeus, foi muito difícil mas também recompensadora:

“- … o que me atraiu foi realmente essa perspectiva assustadora de fazer um filme sobre os agressores ou os filhos dos agressores. E eu tive que lutar contra os meus próprios demonios e minha percepção sobre o que é a Alemanha e a minha própria raiva sobre o assunto…”

A diretora também diz, na mesma entrevista, que tentou não fazer julgamentos sobre as pessoas porque elas viviam sob o nazismo. Era natural para Lore que o pai (Hans-Jochen Wagner), a mãe (Ursina Lardi) e a avó (Eva-Maria Hagen) adorassem Hitler.

Foi preciso que algo muito forte acontecesse durante o percurso a pé de Lore com quatro crianças, uma delas um bebê de colo, desde a Bavária, no sul, atravessando a Floresta Negra e chegando ao Mar Báltico, no norte, para que ela fosse mudando e compreendendo, afinal, o que acontecera em volta dela, em seu país.

A descoberta da intensa atração por um misterioso rapaz (Kai-Peter Malina) que ajuda Lore na fuga com os irmãos, leva a mocinha a um conflito: como amar aquele que ela aprendera a desprezar e odiar?

“Lore” é um filme feito com delicadeza, com um olhar feminino sobre a vida, apesar das imagens terríveis, obrigatórias numa Alemanha destroçada, com falta de tudo que é essencial e descobrindo o horror do Holocausto, crime do nazismo, quase que uma religião para os alemães, que ainda não se davam conta do que realmente acontecera.

“Lore” é belo, terrível e original. Vá ver.



Capitão Phillips

“Capitão Phillips” – “Captain Phillips”, Estados Unidos, 2013

Direção: Paul Greengrass

Algo terrível vai acontecer para aquele homem. Mas ele ainda não sabe.

Vai para o aeroporto, de onde seguirá para seu posto como capitão de um navio que transportará carga do porto de Omã para o Quenia. No carro, conversa com sua mulher (Catherine Keener) sobre a vida e o futuro dos filhos:

“- Essas minhas viagens deveriam ficar mais fáceis mas é o oposto. Agora tudo está mudando tanto… O mundo de nossos filhos também vai ser muito diferente, Ange. Só os mais fortes sobrevivem…”

Parece um presságio. O Capitão Phillips (Tom Hanks), de óculos, fala mansa, nada atlético, vai entrar para a história. Ele será o foco de um dos episódios que chamou a atenção do mundo todo: o sequestro de um navio americano, o Maersk Alabama, por piratas somalis em abril de 2009.

A conhecida e perigosa rota do “Chifre da Ásia” vai fazer mais uma presa. E nós, que conhecemos ou não essa história, vamos ficar com o coração aos pulos, frente aos acontecimentos e vamos sofrer como a tripulação do navio, que tenta desesperadamente evitar o confronto com os somalis.

Em vão.

Quando os magérrimos, assustados e agressivos piratas sobem a bordo, vestidos com farrapos, a fleugma do capitão e de sua tripulação, some.

E, o que faz toda a tensão ser ainda mais realista, foi a ideia que o diretor Paul Greengrass teve de não apresentar os atores americanos aos somalis:

“- Eu os vi pela primeira vez pelo binóculo, quando estavam prestes a tomar o navio,” disse Tom Hanks numa entrevista. E ele só foi entender o que diziam quando viu o filme com legendas. Isso mostra o talento para contar histórias do diretor inglês, de 58 anos, responsável pelos filmes de ação com Matt Damon, “A Supremacia Bourne” 2004 e “Ultimato Bourne” 2007, bem como “Voo United 93” de 2006.

É impressionante o embate dos primeiros olhares entre o chefe dos piratas e o Capitão Phillips. Ambos expressam o medo que mostra o perigo daquele enfrentamento e, ao mesmo tempo, quase que lemos, nas palavras não ditas, o reconhecimento mútuo. Do desempenho dos dois capitães vai depender o desfecho daquilo tudo.

O novato Barkhad Abdi que faz Muse, o lider dos somalis, nascido na Somália e que veio pequeno para os Estados Unidos, atua de uma maneira tão convincente que quase nos esquecemos que ele também é um ator. Expressa fúria, medo e também esperança de poder viver uma vida melhor na América (quanta ironia…) com o dinheiro do sequestro. Sabemos pelas cenas iniciais que a tribo dele tem que pagar altas somas para um bando que explora os antigos pescadores, transformando-os em feras soltas à procura de sua sobrevivência.

O roteiro, escrito por Billy Ray, baseou-se no livro do próprio Capitão Richard Phillips e Stephan Talty e o filme foi rodado em 60 dias em pleno alto mar.

A fotografia de Barry Ackroyd, que sempre trabalha com Greengrass, acrescenta nuances à narrativa e ajuda a aumentar o clima de medo permanente, nos espaços escuros ou muito claros no navio e na baleeira laranja, sacudida pelas ondas, no que é ajudado pela música de Henry Jackman, ampliando com seus sons, a tensão já quase insuportável.

Tom Hanks, 57 anos e dois Oscars consecutivos por “Philadelphia”1993 e “Forrest Gump”1994,  já está sendo comentado como forte candidato ao Oscar de melhor ator. Seu Capitão Phillips é, mais que tudo, um ser humano tendo que lidar com seus limites de resistência à fome, sede, medo e assim mesmo, tendo que manter a cabeça pensando, seguir tudo que sabe sobre situações de perigo como a que está vivendo, sem perder nem mesmo a compaixão.

E a cena final vale mesmo um prêmio.

Ninguém sente passar o tempo vendo “Capitão Phillips” de tanto que o filme nos envolve. Recomendo essa experiência para você também.