O Tempo e o Vento

“O Tempo e o Vento”, Brasil, 2013

Direção: Jayme Monjardim

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As meninas do meu tempo liam esse livro escondido, surrupiado da prateleira mais alta da biblioteca das mães. Era considerado um texto impróprio para menores. Mas claro que todas as curiosas liam, e adoravam, essa trilogia de volumes avantajados, cujo primeiro título, “O Continente”, fora editado em 1949 e o segundo, “O Retrato” em 1951. O terceiro, “O Arquipélago”, as meninas, já mocinhas, compraram em 1961.

Érico Verissimo (1905-1975) foi um dos autores preferidos do meu tempo de garota. “Clarissa”, “Olhai os Lírios do Campo”, “Música ao Longe” e outros, passavam de mão em mão no colégio.

“O Tempo e o Vento” foi vária vezes adaptado para o cinema e a televisão. Ainda me lembro da novela de 1967 na TV Excelsior, dirigida por Dionísio de Azevedo, com Carlos Zara e da minissérie de 1985, direção de Paulo José, na Globo, com Tarcisio Meira e Glória Pires. Marcaram época e divulgaram a obra do autor do sul do Brasil.

Jayme Monjardim, com seu apurado senso estético e dom para captar minúcias na interpretação dos atores, nos traz uma nova versão de “O Tempo e o Vento”, seu segundo longa. A história é centrada na memória afetiva da personagem Bibiana, às portas da morte, para quem o marido, Capitão Rodrigo, nunca morreu.

Não é preciso dizer que Fernanda Montenegro arrepia a plateia, de tanta emoção que passa, tanto em seus silêncios quanto em suas falas, com seus olhos turvos embevecidos, mirando seu marido que volta em sonhos para ela. Ele é Thiago Lacerda, másculo, tão bonito e carinhoso, com aquele sorriso carismático de sempre.

A escolha dos atores não poderia ser melhor.

A Bibiana jovem de Marjorie Estiano, interpretada com doçura e paixão, mostra claramente as raízes desse amor que atravessa a vida e penetra na morte.

A história sofre com sua adaptação para duas horas de cinema? Tavez. Mas parece que o roteiro de Leticia Wierzchowski e Tabajara Ruas, que levou cinco anos para ser escrito, teve a intenção de centrar-se nos personagens principais e mostrar sua história romântica. A do sul do Brasil, serve de pano de fundo para a vida dos personagens.

A fotografia de Affonso Beato, um mestre do belo no cinema, ajuda a mostrar o pampa em sua imensidão verde, seja sob a luz de um sol soberano, seja sob um teto de estrelas.

“O Tempo e o Vento” é um filme bonito, bem realizado e que emociona a plateia.

Façam como as meninas da minha época. Além de ver o filme, leiam o livro que nos encantou e que acaba de ser relançado em sete volumes pela Companhia das Letras.

Preenchendo o Vazio

“Preenchendo o Vazio”- “Fill The Void”- “Lemale et ha’halal”, Israel, 2012

Direção: Rama Burstein

Para uma cultura laica com a nossa, pode parecer impensável regrar a vida das pessoas pela tradição ditada pela religião.

Mas essa foi e é a atitude corrente em muitas culturas, na nossa e em outras épocas.

Sabemos que pessoas cultas não julgam uma cultura pelos olhos de outra. Portanto, a propósito do filme israelense “Preenchendo o Vazio”, soaram preconceituosas as críticas mal informadas que, não compreendendo o significado de certas práticas da religião judaica, viram tudo como um desrespeito à mulher, adotando uma postura nada condizente com a regra de não julgar qualquer cultura com os preceitos de outra.

Melhor assistir ao filme despindo-se de seus preconceitos, deixando-se envolver.

O filme conta a história de Shira (Hada Yaron), 18 anos, filha caçula do casal Aharon e Rivka (Irit Sheleg). A outra filha, Esther (Renana Raz), 28 anos, está grávida.

No início da trama, vemos Shira e sua mãe escondidas, olhando o moço da família Miller no supermercado. Ele é um possível pretendente da menina.

Mas a felicidade da família de Shira vai ser abalada. Esther morre ao dar a luz a Mordechai, deixando viúvo Yochay, homem alto, de olhos inteligentes e doces, ainda jovem e que era muito apaixonado pela esposa morta.

Ao saber que foi feita uma proposta de casamento para Yochay, com uma moça viúva belga, a mãe de Shira se desespera porque vai perder a convivência com o netinho.

“- Eu enlouqueço se tirarem ele de mim”, diz Rivka.

“- Pode enlouquecer, eu estou aqui”, responde o marido com carinho.

“- Por favor, vamos falar com Shira”.

E, mesmo não estando de acordo com sua mulher, o pai pergunta a Shira o que ela pensa sobre o casamento com o viúvo da irmã:

“- Shira, ninguém a está obrigando, é uma decisão sua.”

E, apesar de ficar muito abalada com essa proposta, ela começa a pensar. Acompanhamos seu rosto de criança transformar-se e adquirir expressões maduras.

Ao longo do filme, vemos Shira amedrontar-se, revoltar-se com a ideia de ser colocada no lugar da irmã morta mas também a vemos olhar Yochay mais detidamente. E rezar, pedindo forças para tomar sua decisão.

Conversa até com seu pretendente jovem mas tudo acontece diferente do que ela imaginava. Ele quer se casar com uma dona de casa na cozinha:

“- E você?” pergunta o jovem Miller.

“-Quero que a minha, seja uma casa de verdade”, responde Shira com o rosto iluminado.

“Preenchendo o Vazio” mostra que os sonhos românticos das mocinhas é natural e se exarceba nas culturas onde elas não podem ter a liberdade que temos na nossa. Mas sentimentos são próprios dos seres humanos em qualquer cultura. E Shira deixa-se levar pelos seus.

Na bela cena final, ela reza, balançando como trigo ao vento e sorri.

Rama Burstein, 45 anos, diretora e roteirista, nasceu em Nova York mas foi criada e estudou em Jerusalém, na Escola Sam Spiegel de Cinema e Televisão.

Pertence à comunidade judaica ortodoxa e por muito tempo reuniu-se com mulheres como ela, que faziam filminhos domésticos, para diversão da família.

Isso não bastava para Rama, que dedicou 15 anos de sua vida ao seu primeiro longa. Foi exibido no Festival de Veneza e  Hadas Yaron, que faz o papel principal, ganhou o prêmio de melhor atriz. O filme ganhou outros prêmios pelo mundo, inclusive o de melhor longa de ficção, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado.

“Preenchendo o Vazio” é um olhar feminino, de dentro de uma cultura, que mostra que, apesar das roupagens e costumes diferentes, somos todos muito parecidos.