A Bela que Dorme

“A Bela que Dorme”- “Bella Adormentata”, Itália/França, 2012

Direção: Marco Bellocchio

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A morte nos assusta. Gostamos de ignorá-la. Mas existem situações em que precisamos tomar decisões e até adotar uma posição clara, que terá consequências irremediáveis.

Em “A Bela que Dorme”, um dos melhores cineastas vivos, o italiano Marco Bellocchio, vai tratar dessa questão espinhosa com muito talento. Ele não nos coloca perante uma resposta única. Mesmo porque, o que está por trás da eutanásia (do grego “boa morte”), é a liberdade de escolher entre a vida e a morte, nossa ou de outros, território final embaçado por religiosidades, moralismos e, no fundo, medo.

Mas, ultimamente, o cinema tem nos proposto a realidade da eutanásia, assunto tabu, segredo de família, terreno de rancores, quando deveria ser de compaixão.

“Mar Adentro” (2004), do diretor chileno-espanhol Alejandro Amenábar, tem Javier Bardem, vivendo um homem que luta para ter direito de por fim à própria vida, condenado que está à uma cama, tetraplégico, há 28 anos.

Antes mesmo, em 2002, assistimos ao surpreendente “Invasões Bárbaras”, do canadense Denys Arcand, no qual um filho ajuda seu pai a morrer com dignidade.

Feito para a televisão americana, “You don’t know Jack” de 2010, tem ninguém menos que Al Pacino vivendo o controvertido Jack Kervokian, conhecido como o Dr Morte, que ajudava pessoas com doenças terminais a morrer.

É esse também o assunto de um filme francês de 2012, que não passou aqui ainda, “Quelques Heures du Printemps”, de Stéphane Brizé, no qual um filho, interpretado por Vincent Lindon, acompanha sua mãe, com um câncer fatal, a procurar suicídio assistido na Suiça.

Sem falar de “Amor” de Michael Haneke, Palma de Ouro em Cannes e Oscar de melhor filme estrangeiro de 2012, quando, fazer o outro morrer, é um ato extremo de amor.

Coincidência ou não, o filme de 2011, inédito no Brasil, “Vulcão” da Islândia, trata de forma semelhante a “Amor”, um caso envolvendo um casal de idosos.

Bellocchio em “A Bela que Dorme”, usa um fato real para alimentar a discussão sobre a eutanásia.

Em 2009, a Itália viu um pai ganhar uma batalha na justiça para desligar os aparelhos que mantinham em coma, há 17 anos, sua filha Eluana Englaro.

Na vigília, em frente à clínica onde vai acontecer a morte permitida pela justiça, aglomeram-se pessoas contrárias à eutanásia que rezam, acendem velas, gritam palavras de ordem e cantam. Tudo passado ao vivo na TV italiana.

Entre essas pessoas está Maria (Alba Rohrwacher), filha do senador Uliano Beffardi (Toni Servillo, que foi Aldo Moro no filme “Bom Dia, Noite”(2003), também de Bellocchio), que ali encontra Roberto (Michelle Riondino), militante pró-vida, que cuida do irmão com problemas psiquiátricos.

São duas as belas adormecidas: Eluana e a filha da atriz, a “Divina Madre”, interpretada por Isabelle Huppert.

Eluana morre na clínica. E a menina, filha da atriz, é uma coadjuvante no ritual macabro que sua mãe sustenta, atormentada em sonhos por desejos contrários aos que expressa acordada.

E duas mulheres querem morrer. O senador, pai de Maria, viveu um drama pessoal quando sua esposa católica fervorosa, sofrendo muito, pede a ele que a liberte da vida que não valia mais a pena.

E, como contraponto, uma mulher drogada (Maya Sansa), quer se suicidar e é impedida pelo médico Dr Pallido (Pier Giorgio Bellocchio, filho do diretor) que acredita que ela tem futuro.

Marco Bellocchio, com “A Bela que Dorme”, ganhou o prêmio de melhor filme do júri da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2012.

Não é um filme que levanta bandeiras a favor ou contra a eutanásia. Ao contrário, devolve ao ser humano a decisão a ser tomada com liberdade conforme a consciência de cada um.

Apenas o Vento

“Apenas o Vento”- “Csak a Szél”, Hungria, 2012

Direção: Benedek Fliegauf

Logo no início somos avisados. Na Hungria, em 2008 e 2009, ocorreram assassinatos de ciganos. Famílias inteiras dizimadas. Mas não vamos ver um documentário. “Apenas o Vento” é um filme de ficção, baseado em fatos reais. O diretor húngaro Benedek Fliegauf também escreveu o roteiro e seu filme ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim.

Um dia nasce. O sol por trás das árvores começa a aquecer a terra. Muitas moscas voam em meio a lixo.

Um menino com o torso nu e o rosto sombrio, escuta pessoas cantando um lamento:

“Eles mataram seu pai

Esconderam sua cova

Seu coração está enterrado

Debaixo das pedras.”

Dentro daquela casa tudo está escuro. Vagamente percebemos pessoas deitadas numa cama. Amontoados.

De repente, uma mulher afasta com delicadeza uma perna de criança pousada em cima da dela. Levanta-se, prepara um prato e alimenta um velho, seu pai.

“- Volto à noite”, avisa.

Duas outras crianças, adolescentes, vão também se levantar daquela cama.

A família de ciganos mora em um casebre junto a outros, na borda de uma floresta.

A mãe tem dois empregos. Seu rosto determinado e duro, responde às agressões que sofre durante o dia com silêncio e olhos baixos.

A mocinha vai à escola e também passa por perseguição. Mas ela é a personagem mais amorosa. Conversa no computador da escola com o pai. A esperança é ir encontrá-lo no Canadá.

“- A família Lakatos foi morta. Destroçados com uma escopeta. Papai, você deveria voltar para casa.”

“- Vocês todos vão vir para Toronto quando sua mãe conseguir o dinheiro. Não se preocupe. Fiquem juntos à noite. Tranca a porta e as janelas.”

Ela desenha bem e promete fazer um bem bonito para as mocinhas de batom preto levar para o tatuador.

Voltando para casa encontra a menina, filha da vizinha drogada e leva ela para um banho no rio. Colhem flores no campo e ela coloca uma coroa na cabecinha da pequena. É o único momento doce e belo do filme.

O irmão dela, Rió, não vai à escola. Perambula pela floresta. Vasculha lixo e casebres abandonados. Abastece seu esconderijo. Fareja o ódio. Parece que sabe que chegou o dia.

A câmara gruda quase o tempo todo nos personagens e isso nos angustia. É anti-natural essa invasão do espaço íntimo de um ser humano. A tentação de ir embora do cinema, para não ver o que vai acontecer, é grande.

Quem fica, sofre com o drama daquela família que representa as outras todas que morreram.

A “limpeza” étnica no Leste europeu assusta e mostra para onde pode caminhar a humanidade, se não estivermos atentos.