Tese Sobre um Homicídio

“Tese Sobre um Homicídio”- “Tesis Sobre un Homicidio”, Argentina, 2013

Direção: Hernán Goldfrid

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Detalhes. É com eles que começa o filme argentino que traz o excelente Ricardo Darín (“O Segredo dos Seus Olhos”, 2009) como o professor da Faculdade de Direito de Buenos Aires, Roberto Bermudez.

Assim, vemos uma moeda girando em cima de uma mesa, uma garrafa de uísque tombada, uma mão ferida enfaixada, “slides” antigos, um livro aberto no chão, o apartamento revirado. Darín levanta-se de um sofá de couro e leva as mãos à cabeça. Está tudo ali nos detalhes que a câmara foca. Porém o espectador tem que prestar atenção. Nem tudo é falado.

Vamos assistir a um jogo de “gato e rato”, onde as aparências enganam e antigas rivalidades vem à tona.

Mas há várias maneiras de interpretar o filme.

Pode ser a história de um homem que desmorona e entra num surto obsessivo.

Também pode ser a história de um aluno que desafia o mestre e quer provar que ele não sabe funcionar na prática. Só entende de teoria. Vai fazer o orgulhoso professor cair do seu pedestal.

Em outra camada mais profunda, o filme pode contar a história de um filho que odeia a mãe e o pai e desafia quem ele pensa que verdadeiramente o gerou.

A dúvida é o elemento principal que sustenta a narrativa e prende a atenção do espectador.

O diretor Hernán Goldfrid, nas pegadas de Hitchcock e Brian de Palma, cria intriga e suspense também com as imagens. Tomadas em “close” do rosto de Darín, seus olhos expressando emoções mudas, sua nuca que é o ponto onde a câmara insinua um começo de um estrangulamento, imagens desfocadas e duplicadas em espelhos e vidros, quase que alucinações e delírios.

Um assassinato, cometido com requintes de perversidade, acontece no estacionamento, em frente à sala da Faculdade onde o professor Bermudez e o aluno Gonzalo (Alberto Ammann), filho de antigos conhecidos do professor, se enfrentam, duelando teorias sobre a justiça.

Quem é o assassino da borboleta? O professor tem razão em desconfiar do aluno ou está novamente equivocado como no caso Latorre, citado muitas vezes ao longo do filme?

Calu Rivero como Laura, empresta seu encanto e juventude e faz o pomo da discórdia, seduzindo os dois homens, professor e aluno.

Baseado no livro do mesmo nome de Diego Paszkowski, admirado autor argentino, “Tese Sobre um Homicídio”, com roteiro de Patricio Veja, é um “thriller” intrigante e bem realizado.

E novamente, o cinema argentino mostra o seu valor.

Amor Pleno

“Amor Pleno”- “To The Wonder”, Estados Unidos, 2012

Direção: Terrence Malick

O amor pode ser tão simples quanto raro. Porque, dependendo da pessoa, torna-se complexo e difícil.

É um sentimento que convida a dar, mais do que a receber.

Terrence Malick, 70, tem ensinado isso, a seu modo, nos seus últimos filmes. “A Árvore da Vida” que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2011 e agora “Amor Pleno”, falam sobre o amor com beleza, imagem, luz e poucas palavras.

Uma expressiva jovem, com olhos brilhantes, brinca alegre com o namorado, também bonito e jovem, em um trem.

Em “off”ouvimos seus pensamentos:

“Renascida. Abro meus olhos. Eu me afundo. Noite eterna. Uma fagulha. Caio na chama. Você me tirou das sombras. Você levantou-me do chão e me trouxe à vida.”

Paris. E os dois se amam. Deitam-se na grama do parque e trocam sussurros. Na ponte dos cadeados, unem-se aos amantes eternos. E o sol brilha sobre o Sena.

A tapeçaria do unicórnio preso em seu cercado é uma famosa metáfora sobre o amor. Lenda e mito.

E quando eles sobem o Monte Saint Michel, sob a neblina e o rumor do mar, os dois ascendem ao plano mais alto do amor, a “Maravilha”.

Em “off” ela pensa:

“Subimos s degraus. Mãos se unem. Para a Maravilha.”

No pátio interno do convento, um jardim de rosas. Ela as acaricia com luvas e pousa sua cabeça no ombro dele, que roça a nuca dela com a boca.

“O amor nos faz um”, pensa ela.

Rosas vermelhas crescendo na neve. Outra metáfora sobre o amor. Espinhos e frio. Dificuldades.

“Nunca pensei amar novamente. Irei onde você for”, ela pensa.

Malick, nesse prólogo, mostra o amor em imagens. Os dois amantes, seus gestos e olhares e a câmara dançando em torno a eles. Metáforas tentam traduzir o que é o amor.

A primeira etapa é sempre a idealização.

“Meu doce amor. Finalmente. Minha esperança.” É ele que diz isso em “off”. Mesmo que não se entregue como ela.

Malick sugere aqui que, quando nasce, o amor prescinde de palavras ditas, preferindo os suspiros do coração e o corpo que fala. Não há razão. Só emoção.

Mas, como muitos de nós sabemos, é preciso trabalhar o amor, abrir os olhos e enfrentar as dificuldades. Porque só sobrevive o amor que não tem medo de tempestades nem de dúvidas.

Em “Amor Pleno”, além do amor humano (Olga Kurylenko, Ben Affleck e Rachel McAdams), vamos acompanhar o amor ao divino com o padre católico, interpretado por Javier Bardem, excelente na dor e expressivo nas reflexões sobre suas dúvidas.

Terrence Malick é considerado um gênio por muitos que prezam seus filmes como verdadeiras obras primas.

Sua carreira de 40 anos no cinema, conta com apenas seis filmes. Sempre indicado para prêmios em todos os festivais dos quais participou, ganhou a Palma de Ouro em 2011 e o Urso de Ouro em Berlim por “The Thin Red Line” em 1999.

Pouco dado a entrevistas, ele é também roteirista de seus filmes e filmes de outros diretores e é produtor. Nascido no Texas de um pai geólogo, com ascendência sírio-libanesa cristã, Terrence Malick é principalmente um humanista.

“Amor Pleno” agradará a quem aprecia belas imagens (fotografia esplêndida de Emmanuel Lubezki), música celestial (Hanan Townshend é responsável pela música original mas a trilha sonora vai de “Parsifal” de Wagner a Haydin, Berlioz, Sostakowitch, Rachmaninov, Tchaicovsky, Dvorak) e uma reflexão sem respostas sobre a humanidade, seus erros e também a vontade de acertar.

Nos créditos finais ao som da natureza, suas águas, vento e pássaros, Malick agradece à “Embaixadora da Boa Vontade”, Alessandra Malick, sua mulher. Esse detalhe diz muito sobre esse homem raro e sábio. E sobre seu filme “Amor Pleno”.