Camille Outra Vez

“Camille Outra Vez” - “Camille Redouble”, França 2012

Direção: Noémie Lvovsky

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Em pleno filme B, a atriz só serve como uma garganta a ser cortada e sangrar abundantemente.

No camarim, a outra pergunta:

“- Você teve falas?”

“- Argh…” responde ela revirando os olhos.

Camille Vaillant, 40 anos, atriz sem futuro, uma filha de 16 anos, afoga as mágoas no álcool. Seu marido e pai de sua filha, que conheceu quando estavam ainda na escola, vai abandoná-la por outra mais jovem.

Amarga, seu olhar traduz desprezo pelo mundo que a cerca.

Durante os créditos, objetos como cigarros, plumas, brilhos, relógio, palitos de fósforo, sobem e descem na tela num balé em câmara lenta.

Na noite de Ano Novo, ela anda pelas ruas no meio da neve e, a caminho de uma festa, resolve entrar numa relojoaria, estranhamente aberta naquela hora da noite.

E aqui começa a graça desse filme que faz todos se lembrarem de “Peggy Sue – Seu Passado a Espera” de Copolla (1986).

Mas, apesar de alguns pontos em comum, o filme francês é bem diferente do americano.

Assim, como numa fábula encantada, Jean-Pierre Léaud faz o relojoeiro mágico que abre as portas do tempo para Camille. Ele mexe no relógio dela, parado há muito, presente de seus pais aos 16 anos, quando conheceu o marido, ficou grávida e sua mãe morreu. E consegue tirar de seu dedo o anel, primeiro presente do marido. Esses objetos icônicos vão ser a chave para a volta ao passado.

Na festa de réveillon à fantasia, no meio das amigas do tempo do colégio, dançando uma música da sua adolescência, ela desmaia para acordar num hospital nos anos 80.

O tempo foi para trás. Camille tem 16 anos novamente. E esse é o maior encanto do filme de Noémie Lvovsky, 48 anos, diretora, atriz e co-roteirista de “Camille Outra Vez”.

Ela consegue passar para o espectador essa transformação para adolescente apenas alongando o cabelo e vestindo as roupas cafonas dos anos 80. E Noémie não tem um corpinho de menina.

Mas é o brilho nos olhos e o frescor do sorriso, quando anda em sua bicicleta de menina, que faz o pacto com o espectador. Todos nós nos lembramos de nossa adolescência nos espelhando na animação dela.

Claro que ela vai tentar mudar o futuro que só ela conhece. Mas o tema do filme parece ser a redescoberta do amor. Não só o entre homem e mulher mas também o amor filial.

Pois é com ternura que Camille encara os pais e num ato comovente grava as vozes deles. Essa será a cápsula do tempo que fará com que o passado devolva algo que ela valoriza mais quando volta a ser menina. E ela consegue levar  para o futuro a sua recuperada capacidade de amar.

O elenco, que também não é de adolescentes, convence pelo mesmo motivo que a atriz principal ou seja, não são caricaturas, são eles mesmos, lembrando-se da adolescência.

“Camille Outra Vez” é uma boa comédia francesa e, assim sendo, não consegue ser superficial ou gratuita. Mas também não é um filme de Francis Ford Coppola e portanto, as angústias são vividas com mais leveza e ironia.

Um filme que surpreende e nos envolve, mesmo a contragosto.

O Grande Gatsby

“O Grande Gatsby”- “The Great Gatsby”, Estados Unidos/ Austrália 2013

Direção: Baz Luhrmann

Será que sonhos podem tornar-se pesadelos? E alguém pode reviver o passado? O que faz o amor renascer?

Essas são as perguntas que estão no cerne da história contada por F. Scott Fitzgerald (1896-1940) em “O Grande Gatsby”, seu famoso livro de 1926, que já foi vivido no cinema por cinco elencos diferentes e seus diretores. A última adaptação, mais presente na memória das pessoas, tinha Robert Redford e Mia Farrow e foi sucesso de público mas teve críticas mistas.

A nova versão que tem Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan é muito diferente das outras. O realizador de “Moulin Rouge!” (2001) recria alguns dos climas vistos ali, no mesmo espírito de fantasia que fez a fama de Baz Luhrmann e marcou a carreira de Nicole Kidman.

O diretor australiano escolheu uma narrativa que vai do conto de fadas ao clima de cabaré e filme “noir”, em uma estética neo-barroca que pode não agradar a mentes mais conservadoras.

A outros, vai justamente divertir porque há uma intenção de acompanhar as artes plásticas contemporâneas, com alusões a caricaturas, quadrinhos e excessos carnavalescos. Os malabarismos com a câmara e o 3D são usados de maneira criativa e ajudam na criação dos estados de alma dos personagens.

A cena que apresenta Daisy Buchanan à plateia é de ficar na memória para sempre: cortinas esvoaçam, um braço emerge do sofá, um diamante perfeito no dedo. É Carey Mulligan, divertida, sestrosa, mimada. Vestida por Prada e Miu Miu com brilhos, rendas, transparências e franjas de cristal, ela encanta com a raposa azul emoldurando seu rosto e jóias no cabelo curto nas cenas da festa na casa de Gatsby.

O narrador e testemunha de todas as reviravoltas da história é Toby Maguire, que faz Nick Carraway, primo de Daisy. Como sempre, Toby Maguire é o excelente ator que ajuda na criação de um clima exagerado em torno aos personagens, todos excessivos.

O marido de Daisy,Tom Buchanan, vivido com brilho por Joel Edgerton, é o herdeiro milionário, presunçoso e preconceituoso, além de egoísta ao extremo. Ele e Daisy são a elite endinheirada que se considera acima das leis e da moral. Dão o tom dos “alucinados anos 20” que antecederam à famosa crise de 29.

Leonardo DiCaprio cria um Jay Gatsby com um charme mais infantil do que Robert Redford mas com nuances depressivas. Está ótimo no papel, expressando bem a mania de grandeza, a inadequação e os delírios do personagem, assim como dá vazão ao seu romantismo e ingenuidade pueris.

Sempre à procura de algo que lhe escapa, Gatsby é uma figura angustiada e maníaca mas também sedutor e atraente. Uma mistura irresistível para o lado mais infantil e aventureiro de Daisy.

Ao som de Gershwin, jazz, “Let’s Misbehave” e a bela canção original “Young and Beautiful” cantada por Lana Del Rey, as cenas vão se desenrolando frenéticas até o momento da tragédia. Aí o ritmo da narrativa muda e a fachada estética não desaparece mas cede lugar a uma realidade mais sombria.

Com tudo isso, “O Grande Gatsby” deve agradar às plateias brasileiras e incentivar a leitura do famoso livro do grande F. Scott Fitzgerald. Eu recomendo.