Além do Arco – Íris

“Além do Arco-Íris” – “Au Bout Du Conte”, França 2013

Direção: Agnès Jaoui

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Todas as meninas gostam de contos de fadas. Meninos também mas depois preferem os super-heróis dos quadrinhos. Claramente, as crianças procuram modelos para entender o que virá no futuro. Ali há material para sonhar.

Será que é pela mesma razão que os adultos se impressionam com profecias, augúrios, videntes, cartomantes?

É com essas questões que brinca o filme “Além do Arco-Íris”.

A mocinha Laura, na escola onde as crianças se preparam para fazer o espetáculo de fim do ano, conta para tia Marianne, vestida de fada, o sonho que teve com um homem desconhecido que a levava para voar:

“- Nunca amei ninguém como nesse sonho…”

“- Você tem muito tempo para isso”, responde Marianne, “pé no chão”, aflita para chamar a atenção das crianças e fazer com que a peça aconteça.

Já no cemitério, Pierre, homem de meia idade semblante depressivo, enterra o pai. Mas diz que não sente nada.

“- Eu sinto” diz a ex-mulher, “ele sempre foi muito bom com o Sandro”.

O neto Sandro chora mas disfarça quando o pai chega onde ele está. Não se dão bem.

“- Lembra daquela mulher que previu o dia de sua morte?”, diz a ex.

“- Uma louca que fazia horóscopo para todo mundo…” responde Pierre aborrecido.

“- Pode ser… Mas isso marca”, insiste a ex.

Com quem eu vou me casar? Em que dia vou morrer? O amor faz com que a morte seja esquecida? O romantismo é uma fuga da realidade?

Laura (Agathe Bonitzer) e Pierre (Jean- Pierre Bacri) vão viver suas angústias de forma diferente. Estão em etapas distintas da vida. Ela sonhadora, ele desiludido.

Outras histórias vão se cruzar com essas duas.

Assim, Marianne (a diretora de 48 anos, Agnès Jaoui) quer ser livre para ser atriz, o bom rapaz Sandro (Arthur Dupont) quer amar e ser compositor, o “bon vivant” (Benjamin Biolay) quer todas as mulheres do mundo, a menina Nina se agarra na religião porque não quer pensar na separação dos pais. E tem ainda os pais de Laura, o marido de Marianne, a mãe de Sandro e a namorada de Pierre.

Ou seja, muitos personagens, muitas angústias diferentes, muitas situações que se entrelaçam num roteiro que tem pontos altos e baixos. Os roteiristas, Agnès Jaoui e Pierre Bacri, casal na vida real e pais adotivos de duas crianças brasileiras, escreveram roteiros para ninguém menos que Alain Resnais. E ela dirigiu quatro filmes, inclusive “O Gosto dos Outros” (2000), indicado para Oscar de melhor filme estrangeiro. Percebe-se o talento deles nas questões que o filme propõe.

Mas os contos de fada, ancoragem interessante, servem apenas para ilustrar um triângulo amoroso e uma relação mãe/filha, com referências a Branca de Neve, Cinderela, Chapéuzinho Vermelho e A Bela Adormecida. Mas é verdade que contribuem para a estética dos cenários e figurinos do filme, muito originais.

“Além do Arco-Íris” diverte, faz perguntas mas fica faltando uma maior coesão na costura das histórias e no aproveitamento dos contos de fadas.

Talvez seja até de propósito.Temos a mania de querer tudo arrumadinho, digerido, pronto para esquecer. E “Além do Arco-Íris”, cujo titulo original é “No Fim do Conto”, pede para que os espectadores pensem e duvidem de finais felizes estereotipados.

Pode ser uma boa novidade.

Camille Outra Vez

“Camille Outra Vez” - “Camille Redouble”, França 2012

Direção: Noémie Lvovsky

Em pleno filme B, a atriz só serve como uma garganta a ser cortada e sangrar abundantemente.

No camarim, a outra pergunta:

“- Você teve falas?”

“- Argh…” responde ela revirando os olhos.

Camille Vaillant, 40 anos, atriz sem futuro, uma filha de 16 anos, afoga as mágoas no álcool. Seu marido e pai de sua filha, que conheceu quando estavam ainda na escola, vai abandoná-la por outra mais jovem.

Amarga, seu olhar traduz desprezo pelo mundo que a cerca.

Durante os créditos, objetos como cigarros, plumas, brilhos, relógio, palitos de fósforo, sobem e descem na tela num balé em câmara lenta.

Na noite de Ano Novo, ela anda pelas ruas no meio da neve e, a caminho de uma festa, resolve entrar numa relojoaria, estranhamente aberta naquela hora da noite.

E aqui começa a graça desse filme que faz todos se lembrarem de “Peggy Sue – Seu Passado a Espera” de Copolla (1986).

Mas, apesar de alguns pontos em comum, o filme francês é bem diferente do americano.

Assim, como numa fábula encantada, Jean-Pierre Léaud faz o relojoeiro mágico que abre as portas do tempo para Camille. Ele mexe no relógio dela, parado há muito, presente de seus pais aos 16 anos, quando conheceu o marido, ficou grávida e sua mãe morreu. E consegue tirar de seu dedo o anel, primeiro presente do marido. Esses objetos icônicos vão ser a chave para a volta ao passado.

Na festa de réveillon à fantasia, no meio das amigas do tempo do colégio, dançando uma música da sua adolescência, ela desmaia para acordar num hospital nos anos 80.

O tempo foi para trás. Camille tem 16 anos novamente. E esse é o maior encanto do filme de Noémie Lvovsky, 48 anos, diretora, atriz e co-roteirista de “Camille Outra Vez”.

Ela consegue passar para o espectador essa transformação para adolescente apenas alongando o cabelo e vestindo as roupas cafonas dos anos 80. E Noémie não tem um corpinho de menina.

Mas é o brilho nos olhos e o frescor do sorriso, quando anda em sua bicicleta de menina, que faz o pacto com o espectador. Todos nós nos lembramos de nossa adolescência nos espelhando na animação dela.

Claro que ela vai tentar mudar o futuro que só ela conhece. Mas o tema do filme parece ser a redescoberta do amor. Não só o entre homem e mulher mas também o amor filial.

Pois é com ternura que Camille encara os pais e num ato comovente grava as vozes deles. Essa será a cápsula do tempo que fará com que o passado devolva algo que ela valoriza mais quando volta a ser menina. E ela consegue levar  para o futuro a sua recuperada capacidade de amar.

O elenco, que também não é de adolescentes, convence pelo mesmo motivo que a atriz principal ou seja, não são caricaturas, são eles mesmos, lembrando-se da adolescência.

“Camille Outra Vez” é uma boa comédia francesa e, assim sendo, não consegue ser superficial ou gratuita. Mas também não é um filme de Francis Ford Coppola e portanto, as angústias são vividas com mais leveza e ironia.

Um filme que surpreende e nos envolve, mesmo a contragosto.