Sem Proteção

“Sem Proteção”- “The Company You Keep”, Estados Unidos 2012

Direção: Robert Redford

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Meninos americanos morriam lá longe, na selva asiática, entre 1965 e 1973. Voltavam em sacos negros. Ou o que restou deles.

Todos os dias os americanos ouviam notícias sobre aquela guerra travada “em nome da liberdade e da democracia” e sentiam orgulho pelos meninos mortos por uma causa nobre.

Mas, depois de um tempo, relatos dos massacres de civis como o de Mi Lay e de atrocidades cometidas pelos soldados, fotografadas e filmadas, levaram a surgir vozes dissonantes dentro da própria sociedade americana, a chamada contra-cultura.

Os “Weathermen Underground” foi um grupo radical anti-guerra e de esquerda, batizado por uma canção de Bob Dylan e formado por jovens estudantes, que atuou entre 1969 e metade dos anos 70. Traziam a guerra aos Estados Unidos para acordar o país e fazer com que as pessoas pressionassem o governo a terminar com a guerra lá fora. Colocavam bombas em edifícios públicos mas avisavam antes para que ninguém se ferisse. A mais famosa delas foi colocada nada menos que no Capitólio. Assaltavam bancos mas não usavam armas para matar.

É disso que trata o novo e nono filme de Robert Redford como ator e diretor.

Carismático, com posições políticas liberais, ele sempre foi um homem bonito e inteligente que encantou plateias em filmes inesquecíveis como “Butch Cassidy e Sundance Kid”(1969). Quem não se lembra de “Out of Africa”(1985) ou mesmo de “O grande Gatsby”(1974) e “Todos os Homens do Presidente”(1976)?

Como diretor, Robert Redford ganhou um Oscar por “Gente como a Gente”(1980), filme tocante e iconoclasta.

Desde os anos 80, ele dirige o Sundance Institute que promove o Festival Sundance que apoia novos cineastas e filmes independentes. E continua políticamente ativo.

Com toda essa bagagem, Robert Redford, surpreende em seu novo filme, “Sem Proteção”, porque vai refletir sobre o passar do tempo e colocar uma questão interessante: filhos mudam as pessoas?

Jim Grant, interpretado pelo próprio diretor, é um advogado que defende causas de direitos civis e mora numa cidadezinha tranquila dos Estados Unidos. É viúvo recente e cuida amorosamente da filha de 12 anos.

Ninguém diria que aquele homem pacato foi um ativista dos Weathermen e é procurado há 30 anos pelo FBI por causa de um assalto a banco que causou a morte de um policial.

Quando Susan Sarandon, que interpreta uma ex-ativista do mesmo grupo que se envolveu no assalto, se entrega à polícia, Jim Grant vai ter que defender sua própria causa. Sua identidade verdadeira vem à tona, descoberta por um jovem repórter inescrupuloso e esperto (Shia LaBoeuf).

Pensando na filha, ele tem que provar sua inocência e vai à procura de pessoas de seu passado. Nessa viagem pelo país ele encontra seus ex-companheiros, todos na clandestinidade (Nick Nolte, Richard Jenkins e Julie Christie).

A grande força do filme não está no enredo mas sim no elenco de peso que Redford reuniu. Atores que envelheceram mas que mantém seu carisma na tela.

O próprio Redford não tem medo de filmar a si mesmo cansado e envelhecido. A idade pesa para todos mas o brilho próprio de uma pessoa permanece quando ela é fiel a si mesma e à sua verdade.

Essa é uma lição de vida que esse filme nos ensina.

Camille Claudel 1915

“Camille Claudel 1915”- Idem França 2013

Direção: Bruno Dumont

Juliette Binoche é uma estrela. Daí a possibilidade de filmar com todos os diretores de cinema que ela admira. Dessa vez foi Bruno Dumont, que fez dela Camille Claudel (1864-1943), na época em que já estava internada no hospício, onde ficou dos 49 aos 79 anos, quando morreu.

Não foi fácil para ela. Bruno Dumont é um diretor exigente e original. Para compor a personagem, Binoche não tinha nada além das cartas que Claudel trocou com Auguste Rodin, de quem tornou-se amante aos 20 anos.

O romance teve um final deplorável. Camille fez um aborto, Rodin não se separou da mulher, houve um escândalo e a artista, que também era escultora, destruiu obras do amante. Dizem alguns que Rodin se aproveitou do talento dela para que suas obras fossem finalizadas. Outros ainda vão mais longe e dizem que era ela quem na verdade fazia muitas das obras que ele assinava. Ninguém jamais saberá a verdade.

Essa história foi contada no cinema pelo filme “Camille Claudel” interpretada por Isabelle Adjani em 1988, dirigida por Bruno Nuytten.

Diz Juliette Binoche sobre a loucura de Camille Claudel:

“O homem que ela mais amou na vida virou seu maior inimigo. A crise de paranoia dela foi gerada pela solidão, pela pobreza e pela traição que sofreu.”

Como cenário para o seu filme, Bruno Dumont escolheu um hospício verdadeiro, onde Juliette Binoche conviveu com pessoas internadas que sofriam de diversos distúrbios mentais.

Foi difícil mas a experiência além de “visceral” como ela a descreve, foi um presente para o seu público. Porque a atriz encarna Camille Claudel com um talento e sensibilidade raros.

É extraordinário vê-la fazer dois grandes monólogos, onde alterna lucidez e delírios sobre Rodin tê-la envenenado e poder continuar a fazê-lo e uma fragilidade extrema estampada em seu rosto muito pálido, com olhos que escurecem para olhar dentro de si mesma e escapar ao horror da convivência com os gritos, choros e expressões daquelas pessoas ao seu redor.

“Um filme como esse esvazia o ator,” disse ela.

Porque exige uma entrega total, a ponto da própria Binoche pedir que fosse assistida durante toda a filmagem, com medo de enlouquecer como sua personagem.

Foi escolhido o ano de1915 para o filme porque foi quando o irmão de Camille, o escritor católico famoso, Paul Claudel, vai visitá-la no hospício.

A expectativa de liberdade se desmorona para Camille ao encontrar no irmão um muro intransponível. Ela perde toda e qualquer esperança de sair dali e se entrega a uma aceitação de seu destino, magistralmente sugerida por Binoche na cena final.

Um filme difícil de assistir mas, também recompensador, porque raras vezes veremos outra interpretação da qualidade da Camille Claudel de Juliette Binoche.

Uma atriz excepcional.