Ginger e Rosa

“Ginger & Rosa” – “Ginger & Rosa”, Reino Unido, Dinamarca, Canadá, Croácia, 2012

Direção: Sally Potter

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É sob o signo do cogumelo da bomba de Hiroshima, 1945, que duas mulheres dão-se as mãos, numa sala de parto em Londres, para aguentar melhor as dores do nascimento de duas meninas.

Ginger e Rosa são inseparáveis. No balanço, estão de mãos dadas, enquanto suas mães conversam sobre seus problemas com os maridos. O pai de Rosa partiu quando ela nasceu e o de Ginger (Alessandro Nivola) vive se separando e voltando para Nat, a mãe (Christina Hendricks).

Um salto no tempo e vamos para 1962 quando as meninas já são adolescentes mas ainda não começou a “swinging London”. Continuam fazendo tudo juntas, em meio a muitas risadas e segredinhos. Vestem-se iguais, cabulam aula, passam a ferro o cabelo uma da outra, deitam-se na banheira com seus jeans para desbotá-los, brigam com as mães e fumam seus primeiros cigarros.

Mas quando começa o tema rapazes, Rosa (a estreante Alice Englert, filha da diretora Jane Campion) é mais desinibida e interessada no assunto que Ginger, a ruiva, que mais observa o comportamento de Rosa nas vielas escuras onde vão para namorar.

“- Prefiro que o mundo nunca acabe, para encontrar o amor perfeito, que dura para sempre”, sonha Rosa.

“- Mas você não acha que devemos fazer algo para deter essa bomba que vai nos destruir?” responde Ginger.

Ela quer ser poeta, gosta de jazz, de política e sabe quem é Simone de Beauvoir e Bertrand Russell.

A partir daí as meninas vão se separando, cada uma ligada em seus interesses.

Rosa é claramente mais sedutora e o pai de Ginger, Roland, combina nisso com ela. Nas cenas dos três, Ginger sente-se excluída e vê-se a raiva brilhar em seus olhos emoldurados por cabelos de fogo.

São fúrias edípicas próprias da idade e perfeitamente explicáveis? Misturam-se aos ciúmes que sente da amiga e ao medo de tornar-se mulher?

Quando Ginger chegar a extremos, observamos uma nota mais pesada em seu comportamento adolescente.

A crise dos mísseis de Cuba que esquentou a Guerra Fria, faz Ginger enterrar-se no medo do apocalipse, para não sofrer demais com o que acontece ao seu redor, onde as emoções explodem.

O padrinho Mark e seu companheiro (Oliver Platt e Timothy Spall) ajudados por Bella (Anette Benning) bem que tentam trazer Ginger de volta à realidade e torná-la mais razoável.

“Ginger & Rosa” é um filme sobre a passagem da adolescência para a vida adulta, realizado com o talento e as memórias afetivas da diretora e roteirista Sally Potter, 65 anos. É forte e delicado, impactante mas compreensível, como essa fase da vida das meninas, de descobertas sobre a vida e o amor.

A talentosa Ellen Fanning é o centro do filme e consegue convencer como uma mocinha de 17 quando tinha só 13 anos quando o filme foi rodado.

A trilha sonora é deliciosa e o público deixa o cinema ao som de “The Man I Love” no piano de Thelonius Monk, bem impressionado com “Ginger & Rosa”, um filme marcante.

Juan e a Bailarina

“Juan e a Bailarina”- “La Sublevación”, Argentina/Brasil, 2011

Direção: Raphael Aguinaga

 

Aquela casa já conheceu dias melhores, como todos que nela habitam.

No meio da noite, um carro fúnebre recolhe um passageiro que já se foi. E, uma senhora com ar elegante e roupas simples (Marilu Marini), é deixada às pressas com sua mala, na frente da casa. Não há despedidas. Só um garotinho acompanha tudo, mudo, dentro do carro.

De algum lugar da casa vem música que traz lembranças. “Madreselva”, o tango, é dançado na memória dela, que espera fora da casa e na dele, que não sai nunca de seu quarto, vivendo de recordações e álcool. Um frasco de perfume traz para ele o cheiro de uma mulher, “mi primero amor”, como canta o tango.

Como ninguém abre a porta, a senhora é obrigada a passar a noite nos degraus da frente da casa até que é acordada com gentileza por Rosa (Graciela Tenembaum), a cuidadora dos velhinhos do asilo Nossa Senhora da Misericórdia.

Enquanto Juan (Arturo Goetz), o romântico enrustido, tenta pegar pombos, em armadilhas na janela, para prepará-los à francesa, o amigo Miguel chega com a notícia:

“- Carmencita morreu. Sabe quem vai ocupar o quarto dela? Um anjo, um bombom, deliciosa. Uma torta de chocolate. Não anda, flutua. Parece uma bailarina!”

Um solo de clarinete e a câmara sempre próxima, atenta a detalhes, acompanham o passeio da senhora de ar elegante pela casa. No quarto que lhe foi destinado, coloca um desenho do neto sobre o criado mudo.

Nessa fábula sobre a velhice, dirigida e roteirizada pelo brasileiro Raphael Aguinagua, 39 anos, a “bailarina” e a “incrível notícia” mudam a vida quotidiana e rotineira daquela casa. A estranha, pela inveja e admiração que desperta, e a volta de Jesus, clonado pelo Vaticano, notícia da TV, que é o maior divertimento do grupo, pelo inusitado e o medo do Apocalipse.

Esse clima surreal ajuda a sobreviver. Para não pensar em maiores infortúnios, aqueles seres humanos, que sabem que está chegando a hora, se distraem com pequenas discussões, gestos de solidariedade, jogos no parque, picuinhas e a volta de Jesus.

E, quando a cuidadora sai de férias e é substituida por seu filho, chamado de “A Bruxa” porque maltrata os velhinhos, cria-se o motivo para o levante, “La Sublevación”, que é o titulo original do filme. Nada como um bom motim para esquentar os ânimos e animar a todos, unidos em uma causa comum.

Além da mensagem que a velhice pode ser um momento de amizades solidárias, criatividade e até romances, “Juan e a Bailarina”, filme argentino brasileiro, falado em espanhol e rodado na Argentina, tem toques de bom humor que tiram a solenidade e a melancolia próprias de um asilo.

O diretor, que dedicou seu filme ao avô, tem um olhar carinhoso e dota seus personagens com um ânimo saudável. “O poeta emprestado ao cinema”, como ele mesmo se define, realizou uma comédia inteligente e delicada que se destaca nessa leva de filmes sobre a velhice a que temos assistido nos últimos tempos.