Sejam Muito Bem-vindos

“Sejam Muito Bem-vindos”- “Bienvenue Parmi Nous”, França 2012

Direção: Jean Becker

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Aquele senhor tem um problema. Vê-se pelo modo como fala, como olha as pessoas, como se movimenta.

“- O dia está lindo!”, diz sua mulher.

Mas ele está cinzento e, ao invés de comprar o pernil encomendado por sua esposa, traz para casa um rifle com pouquíssima munição.

“- Desistiu da pesca? Vai caçar javalis?”, tinha perguntado o dono da loja de esportes.

Não. O senhor Taillandier, pintor de sucesso, conhecido na cidadezinha onde mora, não vai caçar. Quer se matar…

O filho estranha o jeito do pai quando recebe no almoço seu presente de aniversário:

“- Uma viagem para a Itália com mamãe!”

Ele sai da mesa:

“- Não tenho fome…”

A neta comenta:

“- O que tem o vovô? Está nervoso…”

E o filho pergunta para a mãe:

“- O que é que o papai tem?”

“- Não sei… Acho que é depressão. Tentei falar com ele mas você sabe como ele é…”, responde desanimada.

Isso pode acontecer com os melhores seres humanos. Ao ver que a vida vai acabando, a juventude que se foi, aquilo que não aconteceu, a pessoa se depara com uma grande tristeza, raiva e mau humor com tudo e todos. É a depressão, como rótulo.

Taillandier ( o grande ator Patrick Chesnais) deixa então um bilhete para sua mulher (Miou- Miou) e sai sem rumo pela estrada.

A câmara fixa seus olhos baços e seu rosto contraído, que são o retrato de uma encruzilhada onde ele se encontra e não decidiu ainda para onde ir.

Quer viver, apesar de tudo ou morrer? O rifle está no porta-malas.

Chove muito e no farol, alguém invade o carro do pintor perdido. É Marilou (a estreante Jeanne Lambert), uma garota de 15 anos, que foi expulsa de casa pela mãe e pelo padrasto.

Ela parece tão perdida como Taillandier.

Mas esse encontro casual vai selar uma mudança na alma daqueles dois. Um vai despertar no outro algo que parecia inexistente antes de se encontrarem.

Jean Becker, filho do grande diretor de cinema Jacques Becker(1906-1960), que dirigiu “Les Amants de Montparnasse”(1958), e que faz 80 anos em maio, é conhecido do público brasileiro por “Minhas Tardes com Marguerite” (2010) e “Conversas com Meu Jardineiro” (2006). São filmes que falam do ser humano com carinho e de como precisamos do outro para nos reinventarmos. Seus personagens são pessoas que gostaríamos de conhecer.

Alguns acharam o filme chinfrim, raso e simplório. Talvez porque não perceberam que a força dos filmes de Jean Becker é olhar o ser humano com simplicidade e delicadeza.

Adaptando o romance de Eric Holder, o diretor de “Sejam Muito Bem-vindos” privilegia, como sempre, o carinho que mostra com seus semelhantes, mostrando que a vida oferece sempre uma oportunidade de crescimento em uma nova direção.

Muita gente gosta de ir ao cinema para ver isso.

Dentro da Casa

“Dentro da Casa”- “Dans la Maison”, França 2012

Direção: François Ozon

Será que a volta ao uso do uniforme no Lycée Auguste Flaubert vai trazer aos alunos a proclamada igualdade, lema revolucionário francês, como quer seu diretor?

Ora, na tela, vendo os retratinhos 3×4 dos alunos de uniforme se sucedendo com rapidez relâmpago, salta à vista a diferença dos rostos, cores e cabelos. Eis a primeira ironia de François Ozon em “Dentro da Casa”. A igualdade externa não existe.

E a cabeça daqueles alunos?

Para o professor Germain, de literatura, nisso eles se igualam. A mediocridade é comum a todos. São os “bárbaros do futuro”, numa alusão à decadência do Império Romano.

Incapazes de escrever duas linhas mal cozidas, tais alunos irritam o professor, que tenta apresentá-los aos grandes autores franceses, para que aprendam alguma coisa sobre a natureza humana.

Afinal, partilhamos todos a mesma natureza e ao mesmo tempo somos diferentes, dependendo da maneira com que cada um vive a própria vida. E é isso que impulsiona a nossa curiosidade sobre os outros, a vontade de bisbilhotar, falar da vida alheia, ler livros, ver filmes.

Em “Dentro da Casa”, o professor Germain (o ótimo Fabrice Luchini) não dá o braço a torcer mas está encantado com o seu aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer, talentoso) e o estimula a continuar a escrever sobre a família do seu melhor amigo Rapha (Bastian Ughetto), a quem ele ajuda nas lições de matemática, na casa dele.

Apesar de ser um tantinho inusitado, no entender do professor, que Claude escreva e exponha a família de Rapha no papel, essas redações que sempre tem um “à suivre” no fim, isto é, “continua”, produzem um efeito intenso nele, que passa a lê-las para sua mulher (Kristin Scott Thomas), como se fossem os capítulos de um folhetim, uma novela.

Há uma forte identificação do professor com aquele aluno bem dotado.

“- Ele se senta na última fila,” diz Germain para sua mulher.

“- Como você fazia,” responde Jeanne.

“- É o melhor lugar. A gente vê todo mundo e ninguém vê a gente”, retruca o professor.

O filme se inspira na peça de teatro “O Menino da Última Fila” de Juan Mayorga, que foi transformada em roteiro pelo próprio diretor François Ozon, 45 anos, responsável por “Sob a Areia”(2000), “Ricky”(2009) e “Potiche”(2010), entre outros filmes de sucesso.

A procura de Claude em conhecer de perto tudo que diz respeito àquela “família normal”, como ele escreve e que ele cobiça, principalmente na figura da bela mãe do amigo (Emanuelle Seigner), pode ser compreendida à luz das carências de Claude, que tem um pai inválido e uma mãe que abandonou a casa quando ele era pequeno.

Mas essa motivação psicológica não é o que faz Claude prender a atenção do professor e de sua mulher, galerista de arte contemporânea. O que atrai no texto dele é a graça, a ironia, a sedução que faz com que todos que entrem naquela casa com Claude, queiram saber mais sobre aquelas pessoas.

São reais ou imaginárias? Não importa. A literatura tem o poder de contar histórias que nos prendem, sejam totalmente inventadas ou realmente acontecidas, pelo simples dom de contá-las que todo bom escritor tem.

E Claude tem esse talento, além de personificar aquilo que os franceses chamam de “beauté du diable”, beleza que a todos seduz.

Entre o aluno e o professor, instala-se um clima de “As Mil e Uma Noites”, sendo que aqui, Claude/Sherazade não apenas seduz o professor mas quer sempre escrever mais sobre aquela família escolhida.

Porque a história que é contada envolve também o contador da história que olha, por “um buraco de fechadura” imaginário, a vida de seus personagens, que tem muito dele mesmo, num retorno de uma imagem transformada.

“Dentro da Casa” é uma homenagem à imaginação que enriquece nossas vidas toda vez que lemos, ouvimos ou vemos uma história que nos prende.

Não foi à toa que Ozon homenageou “Janela Indiscreta” de Hitchcock na última cena do filme. Tem tudo a ver.