A Caça

“A Caça”- “Jagten”, Dinamarca, 2012

Direção: Thomas Vinterberg

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Lucas é corajoso, amável e generoso. O filme mostra isso desde o início porque começa com alguém se afogando num lago gelado, onde um grupo de homens mergulhou por prazer. Ele se atira de roupa e tudo e traz o amigo.

Mas Lucas é também um homem atraente, apesar de já não ser tão jovem, e é o único macho que trabalha numa escolinha para crianças pequenas, que o adoram. Está separado da mulher, que não o valoriza e tem saudades do filho, de quem não tem a guarda. Começa um namoro com uma moça estrangeira que também trabalha na escola.

Os ciúmes de uma criança vão transformar a vida dele num inferno.

E o mais patético de tudo isso é o fato que levou ao massacre de um homem íntegro.

Klara, filha do melhor amigo de Lucas (Annika Wederkopp, de 5 anos, mas já uma atriz maravilhosa), tem uma paixão infantil por Lucas e sente-se rejeitada porque ele é carinhoso mas firme quando ela se joga sobre ele e o beija na boca.

“- Klara, você não deveria beijar ninguém na boca…”

E acrescenta que o presente colocado no bolso de seu casaco deve ser dado à mãe dela.

Os pais de Klara muitas vezes se atrasavam ou esqueciam de pegar a menina na escola. Foi o que aconteceu naquele dia.

A diretora pergunta o que está fazendo sozinha no escuro e Klara repete palavras que ouviu de seu irmão mais velho mas que, na verdade, não compreende.

E tudo começa a desmoronar para Lucas.

“- Crianças não mentem”, é a certeza da diretora.

E o psicólogo chamado, ajuda a induzir a menina a respostas mudas, só com a cabeça. Daí a toda a comunidade colocar o rótulo de pedófilo em Lucas e começar a persegui-lo como se ele fosse uma fera, é só um passo.

A interpretação de Mads Mikkelsen (de “O Amante da Rainha”) é extraordinária, com nuances de expressão faciais perfeitas. Mereceu o prêmio que ganhou como melhor ator em Cannes no ano passado.

“A Caça” é um filme que toca a todos nós. Quem nunca jogou a primeira pedra? Vinterberg conduz seu filme com sobriedade, sem maniqueísmos e mostrando com clareza do que é capaz a natureza humana.

Pedofilia é tabu. Crime punido severamente não só pela lei mas também pelos próprios membros da comunidade onde acontece. No Brasil sabemos a triste sorte dessas pessoas quando são presas. E, mesmo quando inocentes, tudo pode apontar no sentido contrário. Basta lembrar do triste episódio ocorrido em São Paulo na Escola Base, onde todos os acusados eram inocentes mas tiveram suas vidas destruídas.

O clima de histeria coletiva que se instala na longínqua Dinamarca, é o mesmo que pode acontecer em qualquer lugar do mundo. Por que? Quanto mais condenado é um desejo, mais pessoas vão perseguir cruelmente quem eles acham que é o culpado. É como se dissessem: “É proibido para todos. Como ousas?”

A repressão intensa não deixa que se pense melhor sobre o acontecido e cobra que todos se vinguem.

Em um país onde todos os homens ganham um rifle como ritual de passagem para a vida adulta, Lucas passa de caçador a caça.

Uma bela fotografia tenta repousar nossa alma.

“A Caça”é um filme magnífico e perturbador que mexe com nossas certezas.

Depois de Lucia

“Depois de Lucia” - “Después de Lucía”, México, França, 2012

Direção: Michel Franco

A estranheza toma conta do espectador que assiste às primeiras cenas do filme. Afinal, por que esse homem corpulento e silencioso vai buscar um carro que mandou consertar e logo o abandona no meio da rua, com a chave dentro, como se fugisse de algo?

“Depois de Lucia” é assim. Seco. Sem concessões. Sem trilha sonora. Um filme diferente, premiado em Cannes na mostra “Un Certain Régard”, segundo longa de Michel Franco, jovem diretor mexicano que já se destaca no mundo do cinema.

A câmara quase sempre fixa de Michel Franco, também roteirista, documenta as cenas. É como se entrássemos na vida de um pai e sua filha sem convite, abruptamente. E seguíssemos com eles, com muitas perguntas na nossa cabeça.

Aos poucos, vamos entendendo que aconteceu alguma coisa terrível. O comportamento do pai (Hernán Mendoza) é claramente o de um homem deprimido. A filha (Tessa Ia ) traz um semblante tranquilo mas adivinha-se que ela também está sob o impacto de algo trágico. Os dois não conversam sobre o que ocorreu. Mas, pelos telefonemas do pai, começamos a entender o que se passou.

Lucia, a mãe de Alejandra, morreu em um acidente de carro. Aquele que foi abandonado.

É disso que fogem pai e filha? Como foi que aconteceu o acidente? Não sabemos. O fato é que eles até mudam de cidade. E não comentam com ninguém sobre a morte de Lucia.

Para Alejandra, a nova escola parece que vai bem. No grupo de adolescentes na sala de aula ela é a nova, a estranha no ninho e a enchem de perguntas. As respostas são lacônicas mas ela quer ser aceita. Precisa de companhia. Porém passa muito tempo na piscina, nadando e pensando.

O exame de sangue, obrigatório naquela escola, denuncia que ela usa maconha. O pai estranha mas aceita, de um jeito desligado, a promessa de Ale que isso não vai mais acontecer.

Parece que ela não quer sobrecarregar a situação do pai que está francamente desnorteado. Assim, irrita-se no novo trabalho como “chef” de um restaurante. Briga no trânsito por nada. Pede demissão do emprego sem uma razão que justifique essa atitude. Tem crises de choro frequentes.

Mas, pai e filha, apesar de não falarem sobre o assunto, sabem como o outro está se sentindo. Um luto pesado envolve aqueles dois. E as consequências vão aparecer logo.

Numa festinha, Ale transa no banheiro com um garoto que filma a cena toda no celular. No dia seguinte, todos na escola já sabem de tudo. E começa o martírio de Alejandra.

Hipócritamente, o comportamento da menina é tratado pelos outros jovens como o de alguém que merecesse censura e castigo. E o “bullying” é violento.

Mas por que ela não reage? Por que aceita tudo como se quisesse ser punida?

A passividade estoica de Ale incita os colegas a aumentar a violência dos ataques.Mas ninguém repara que pai e filha estão prestes a explodir.

A depressão está relacionada à raiva que se vira contra a própria pessoa. Freud falou em melancolia quando o luto leva a uma diminuição extrema da auto-estima. Parece que são esses os temas que levam pai e filha a agir de forma extremada. O filme tem um desfecho arrasador.

Além de contextualizar um problema contemporâneo, o “bullying”, “Depois de Lucia” sugere que ele é sintoma da violência maior que nos cerca.

O filme denuncia uma ausência de soluções por parte dos adultos, pais e professores. Talvez porque o mundo de hoje aceite passivamente a violência geral sem ver uma saída?

“Depois de Lucia” ajuda nessa reflexão.