O Lado Bom da Vida

“O Lado Bom da Vida”- “Silver Linings Playbook” Estados Unidos, 2012

Direção: David O. Russell

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O que é a normalidade? O que é a loucura?

Difícil responder de forma simples. A maioria de nós habita um espaço entre essas posições. Caminhamos para cá e para lá. Alguns ficam na fronteira. E é por isso que entendemos perfeitamente como é fácil passar para o lado de lá e não voltar mais ou custar a voltar.

Quando isso acontece, remédios e terapia ajudam, claro, mas há uma variável imponderável que pertence à nossa própria posição frente à vida e seus revezes.

“O Lado Bom da Vida” é um filme que retrata pessoas que tem dificuldade em aceitar o lado ruim da vida. Rebelam-se. Surtam. Não aceitam frustrações. Perdem a possibilidade de avaliar o que está acontecendo. E não conseguindo elaborar estratégias alternativas para lidar com o acontecido, cedem a impulsos agressivos e auto-destrutivos. Vão ladeira abaixo, sem freio.

Pat Solano (Bradley Cooper, comovente) não aguentou a traição da esposa Nikki e surtou. Seu lado violento explodiu. Foi internado no manicômio judiciário e lá ficou oito meses.

 O filme começa quando sua mãe (Jacki Weaver) vem buscá-lo e levá-lo para a casa dos pais.

Pat, desesperadamente, quer provar para os outros que está curado, que tudo está bem e que sua ex-esposa vai perdoá-lo e voltar para ele. Mas, está proibido por ordem judicial, de aproximar-se dela.

A mãe e o pai (Robert de Niro, incrível no papel do pai parecido com o filho e culpado por não aguentar se ver nele) tentam ajudá-lo mas estão assustados e com medo por não saber como lidar com o filho desajustado. Mas tentam.

É aí que surge Tiffany, alguém muito parecida com Pat. Ela também age ao invés de pensar e se posicionar frente aos dramas da vida dela.

Jennifer Lawrence já ganhou vários prêmios com esse papel. Muito justo. Ela ilumina as cenas em que aparece, conseguindo transmitir desespero, ansiedade e aflição mas também aquele algo no seu olhar que nos leva a pensar que ela vai lutar sempre para se levantar e se equilibrar novamente.

Ela é a segunda chance de Pat.

O diretor David O. Russell trabalha com delicadeza, fazendo ora a câmara seguir os atores com a mesma pressa em que os personagens vivem, ora os mostrando em “closes” que espelham que pararam de fugir de si mesmos. É uma câmara que adiciona a dimensão do mundo interno dos personagens sem precisar de palavras.

O filme parece dizer que não basta ser otimista e ter esperança. É preciso mais. Lutar pelo que queremos e insistir frente às dificuldades. Ou mudar de ideia e de direção.

“O Lado Bom da Vida” não é drama nem comédia. Faz rir e chorar como a vida.

Afinal, não há nada de ruim que não tenha algo bom. Concordam?

Os Miseráveis

“Os Miseráveis”- “Les Misérables”, Reino Unido 2012

Direção: Tom Hooper

Quer se emocionar? Reencontrar a vontade de chorar com uma cena arrepiante?

Vá ver “Os Miseráveis”.

Sim. É um musical. Mas se você der uma chance, vai ver que não é um musical como os outros.

O dono da história é o francês Victor Hugo (1802-1885) que escreveu um dos romances mais lidos da literatura, “Os Miseráveis”, publicado em 1844.

Em 1980, o diretor e ator francês Robet Hossein teve a idéia de transformar o livro em musical, com libreto de Alan Boublil e música de Claude-Michel Schonberg. Foi um sucesso que lotou o Palais des Sports em Paris.

Daí a ser traduzido para o inglês e repetir o sucesso em Londres (1985) e na Broadway (1987) foi um pulo. Teve até versão brasileira.

Mas o musical “Les Mis”, como era conhecido, levou muito tempo para conseguir chegar ao cinema. Musicais são difíceis para o grande público. E “Os Miseráveis” é todo cantado.

Tom Hooper, o oscarizado diretor inglês de “O Discurso do Rei”, ousou o que ninguém tinha tido a coragem de fazer antes. E acertou em cheio.

Sua versão para o cinema já ganhou o Globo de Ouro para o filme, ator (um maravilhoso Hugh Jackman) e atriz coadjuvante (Anne Hattaway). Tem oito indicações para o Oscar.

Espetáculo belíssimo, emociona e conquista o espectador, que se sente muito próximo de Jean Valjean, Javert, Fantine, Éponnine e Cosette. O bom cinema tem recursos que Hooper usou para trazer os personagens do século XIX para o público do século XXI. Quando cantam, seus closes e a câmara ao redor e próxima, torna todos nossos íntimos.

A cena inicial já é de tirar o fôlego. Jean Valjean (Hugh Jackman), com outros condenados acorrentados, puxa para as docas um imenso galeão. Aliás, a primeira música, “Look down”, é a única que não foi cantada ao vivo no “set” de filmagem. Não dava. A água toma conta do cenário. Mas todas as outras canções são cantadas na hora em que a cena foi filmada.

Esse recurso foi um achado de Hooper, que não buscou colocar cantores em cena, mas atores. Então, as músicas ganham um contexto dramático nunca conseguido quando a preocupação é sómente cantar afinado.

A melhor cena de Anne Hattaway, não seria o que é, sem a cuidadosa direção de Hooper que faz a canção “I had a dream”, soar como se nunca a tivessemos ouvido antes. A Fantine de Anne Hattaway, a sofrida mãe de Cosette, nunca foi tão comovente e frágil. Globo de Ouro merecido.

Os momentos cômicos, que aliviam um pouco a tensão são do casal Thénadier, interpretados por Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen, os aproveitadores, ladrões e fingidos donos da hospedaria que maltratam a pequena Cosette (uma bela e delicada Amanda Seyfried quando mocinha).

Javert (Russell Crowe) persegue Jean Valjean com a tenacidade daqueles que são severos e estreitos no cumprimento da lei ao pé da letra. E o pobre Jean Valjean leva uma vida triste, com raros intervalos de felicidade, porque no fundo, condena a si mesmo tanto quanto seu carrasco. Diríamos que o superego cruel dos dois, os faz inimigos íntimos e iguais.

É uma história que tem um conteúdo humano universal. Tratada como foi, torna-se um espetáculo belo e tocante.

Não percam.