Além das Montanhas

“Além das Montanhas”- “Dupa Dealuri” Romênia, França, Bélgica, 2012

Direção: Cristian Mungiu

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Um cenário frio, montanhoso, desprovido de maiores encantos. A luz de um sol pálido de inverno mostra uma construção singela.

A câmara se aproxima e estamos dentro de um convento de freiras ortodoxas, vestidas de preto, véus e casquetes também negros. Trabalham na cozinha e pela conversa delas, fazem comida para alimentar crianças do orfanato local.

A Romênia, recém saída de um período negro de sua história, uma ditadura cruel do tirano Ceausescu, ganhou muitas páginas da imprensa internacional que falava e mostrava os mal afamados orfanatos, depósitos de crianças exploradas. Pois esse é o tema principal, o foco de “Além das Montanhas”, do diretor romeno Cristian Mungiu.

O filme foi adaptado de um romance baseado em fatos reais, escrito por Tatiana Niculescu, “Deadly Confessions” de 2006 e ganhou o prêmio de melhor roteiro do último Festival de Cannes, escrito pelo diretor Mungiu. As duas adolescentes, personagens principais da história, que vieram de um desses orfanatos, interpretadas por Cosmina Stratan e Cristina Flutur, deram às duas o prêmio compartilhado de melhores atrizes do festival. Além disso, o filme foi indicado ao prêmio de melhor filme estrangeiro para o Oscar 2013

A submissa freirinha Voichita, de olhos azuis transparentes, vai receber a visita de Alina, sua antiga companheira de orfanato que fugira da Alemanha, adotada por uma família em nada diferente das pessoas que exploravam as crianças órfãs, à sua mercê, na época da ditadura.

Nesse orfanato onde estiveram juntas no passado, tudo indica que se amaram como se fossem mãe e filha, filha e mãe, um amor feminino e maternal, que uma dispensava à outra. Alimentavam assim sua carência de sentimentos mais doces e reconfortantes. Uma tinha apenas a outra para poder sobreviver naquele lugar infernal.

Uma bela cena de acalanto, na qual Voichita embala Alina no convento para que ela adormeça, cantando uma cantiga de ninar, com a amiga em seu colo como se fosse um bebê, fala tudo sobre esse

O Som ao Redor

“O Som ao Redor” Brasil, 2012

Direção: Kleber Mendonça

Desde o início, antes das imagens, nosso ouvido presta atenção. São sons de pássaros, depois tambores surdos, instrumentos de percussão executam uma melodia.

Depois vemos fotos antigas em preto e branco: um portão de fazenda, camponeses na lavoura, negros e brancos, a casa grande. Tudo muito simples e poético. Mas sabemos como viviam naquela época.

Corte para uma menina de patins e um menino de bicicleta, em cores, numa área cimentada e ladrilhada de um prédio, meio garagem, meio lugar de criança brincar, meninas com bambolês, babás com seus bebês, folia.

O muro alto é ultrapassado pela câmara que mostra um operário, usando proteção de ouvido, fazendo um barulhão no prédio vizinho.

Um cão uiva na noite e a moça (Malva Jinkins) não consegue dormir. Vai fumar na cozinha. O filho aparece e pergunta:

“- Por que não toma aquele remédio, mãe?”

Ela toma um e coloca outros dentro de um bife para o cachorro do vizinho. Talvez assim ele dê uma folga por uma noite.

Em outro apartamento da rua, um casal de namorados corre da sala onde dormiam porque a empregada chegou com as netas pequenas que logo ligam a televisão. O assunto do programa não é apropriado mas ninguém toma nenhuma providência.

A empregada é antiga na casa e é tratada pelo jovem patrão (Gustavo Jahn) com intimidade.

Mas quando o casalzinho desce para a garota pegar seu carro, uma surpresa desagradável: roubaram o som dela. E o pior é que o rapaz até sabe quem foi que fez isso. O primo que não precisa roubar mas é desajustado (Yuri Holanda). Pratica o pequeno crime para mostrar poder.

Logo chegam na rua uns homens, liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos), que se oferecem para fazer a segurança particular da rua por R$20,00 por morador.

Num amplo apartamento de cobertura, um antigo senhor de engenho (Waldemar Solha), avô dos rapazes que moram na mesma rua, é o dono de muitos imóveis na região. Ele se comporta como se fosse dono da rua. Pensa que ainda é um “coronel das antigas”.

O pesadelo de uma das meninas que mora naqueles prédios consegue retratar o sintoma geral: medo.

E vai por aí o filme.

Numa rua, antes só de casas com jardins e árvores, agora só resta uma. As outras cederam espaço para prédios de muitos andares, onde os moradores confinados estão inseguros.

Kleber Mendonça, 44 anos, do Recife, dirigiu e escreveu o roteiro e também é o co-responsável pelo desenho de som e montagem de “O Som ao Redor”, seu primeiro longa de ficção, premiado em festivais aqui e no exterior e que apareceu como um dos melhores filmes do ano na lista do New York Times.

“O Som ao Redor”denuncia sem estardalhaço as pequenas e grandes crueldades do dia a dia do “way of life”que escolhemos. Modo de vida que coloca uns contra os outros, num clima de paranóia que alimenta uma procura por uma falsa segurança e maneiras pouco eficazes de garantirmos nossa paz.

É um filme original e raro em sua proposta.

Não dá para sair do cinema e tirar o filme da cabeça. Faz pensar.