O Som ao Redor

“O Som ao Redor” Brasil, 2012

Direção: Kleber Mendonça

Oferecimento Arezzo

Desde o início, antes das imagens, nosso ouvido presta atenção. São sons de pássaros, depois tambores surdos, instrumentos de percussão executam uma melodia.

Depois vemos fotos antigas em preto e branco: um portão de fazenda, camponeses na lavoura, negros e brancos, a casa grande. Tudo muito simples e poético. Mas sabemos como viviam naquela época.

Corte para uma menina de patins e um menino de bicicleta, em cores, numa área cimentada e ladrilhada de um prédio, meio garagem, meio lugar de criança brincar, meninas com bambolês, babás com seus bebês, folia.

O muro alto é ultrapassado pela câmara que mostra um operário, usando proteção de ouvido, fazendo um barulhão no prédio vizinho.

Um cão uiva na noite e a moça (Malva Jinkins) não consegue dormir. Vai fumar na cozinha. O filho aparece e pergunta:

“- Por que não toma aquele remédio, mãe?”

Ela toma um e coloca outros dentro de um bife para o cachorro do vizinho. Talvez assim ele dê uma folga por uma noite.

Em outro apartamento da rua, um casal de namorados corre da sala onde dormiam porque a empregada chegou com as netas pequenas que logo ligam a televisão. O assunto do programa não é apropriado mas ninguém toma nenhuma providência.

A empregada é antiga na casa e é tratada pelo jovem patrão (Gustavo Jahn) com intimidade.

Mas quando o casalzinho desce para a garota pegar seu carro, uma surpresa desagradável: roubaram o som dela. E o pior é que o rapaz até sabe quem foi que fez isso. O primo que não precisa roubar mas é desajustado (Yuri Holanda). Pratica o pequeno crime para mostrar poder.

Logo chegam na rua uns homens, liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos), que se oferecem para fazer a segurança particular da rua por R$20,00 por morador.

Num amplo apartamento de cobertura, um antigo senhor de engenho (Waldemar Solha), avô dos rapazes que moram na mesma rua, é o dono de muitos imóveis na região. Ele se comporta como se fosse dono da rua. Pensa que ainda é um “coronel das antigas”.

O pesadelo de uma das meninas que mora naqueles prédios consegue retratar o sintoma geral: medo.

E vai por aí o filme.

Numa rua, antes só de casas com jardins e árvores, agora só resta uma. As outras cederam espaço para prédios de muitos andares, onde os moradores confinados estão inseguros.

Kleber Mendonça, 44 anos, do Recife, dirigiu e escreveu o roteiro e também é o co-responsável pelo desenho de som e montagem de “O Som ao Redor”, seu primeiro longa de ficção, premiado em festivais aqui e no exterior e que apareceu como um dos melhores filmes do ano na lista do New York Times.

“O Som ao Redor”denuncia sem estardalhaço as pequenas e grandes crueldades do dia a dia do “way of life”que escolhemos. Modo de vida que coloca uns contra os outros, num clima de paranóia que alimenta uma procura por uma falsa segurança e maneiras pouco eficazes de garantirmos nossa paz.

É um filme original e raro em sua proposta.

Não dá para sair do cinema e tirar o filme da cabeça. Faz pensar.

Amor

“Amor”- “Amour” França, Alemanha, Áustria, 2012

Direção: Michael Haneke

O que se pode dizer da vida quando vemos a morte? Nada, além de que é uma certeza. E, talvez por isso, Michael Haneke comece seu filme mostrando o fim, igual para todos nós.

Mas volta à plateia do teatro onde George e Anne assistem a um concerto de um ex-aluno. Estão ambos na década dos 80 anos, são cultos, sóbrios e exalam uma elegância sem data.

É visível a delicadeza entre eles.

Depois da conversa no ônibus, que não ouvimos, chegam ao apartamento confortável onde moram. A fechadura foi forçada, repara George. Mas ninguém entrou, nem roubou nada. Ainda.

Já no café da manhã quotidiano e agradável, na cozinha, o inesperado os visita. Anne se ausenta de si mesma e desespera George, que não sabe o que fazer. Mas logo ela volta a si e não se lembra de nada.

E, a partir daí, começa a prova mais difícil do amor. “Até que a morte os separe”.

Planos horizontais fixos e poucos “closes”, quando o diretor nos faz os olhos de George ou de Anne. No mais, a câmara aguarda, como nós, testemunhas mudas de algo que nos assombra. Freud dizia que a morte não possui inscrição no nosso inconsciente.

Mas o que importa aqui é o comportamento do amor.

George (Jean-Louis Trintignant, magnífico) encarna esse sentimento, assistindo Anne em tudo que ela precisa. E são tarefas cruéis para os dois.

Emmanuelle Riva, aos 85 anos, interpreta Anne com tal realidade, que nos comove e nos horroriza. Porque ela é o espelho do nosso futuro.

“- Você promete que não me leva mais ao hospital?” diz ela a George.

E um pouco mais tarde ajunta:

“- Não quero mais.”

George, aquele que sofre junto, só demonstra o que sente para nós, que vemos seus olhos abertos sondarem a noite e que fabrica um pesadelo que aponta o caminho cruel e necessário.

Michael Haneke, 70 anos, austríaco, ganhou sua segunda Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2012. A primeira foi para “A Fita Branca” de 2010. E uma enxurrada de prêmios importantes fazem crer que ele é o mais cotado para o prêmio de melhor filme estrangeiro no Oscar. E mais. “Amor” está entre os 10 melhores filmes do ano, também no Oscar. E outras três indicações, somam cinco no Oscar 2013: melhor diretor e melhor roteiro, ambos para Michael Haneke e melhor atriz para Emmanuelle Riva. Já foi consagrado como o melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro 2013. É forte concorrente a todas as cinco indicações do Oscar.

Entrevistado, ele disse:

“- Na minha família alguém sofreu algo assim e foi terrível para mim estar lá sem poder fazer nada. Este foi o ponto de partida do filme. Como lidar com o sofrimento de uma pessoa que você mais ama?”

Isabelle Huppert faz uma participação especial como a filha Eva, fruto do amor de George e Anne. Parece que Michael Haneke colocou nela esse “sem poder fazer nada” que ele diz que viveu.

A morte é certa. Mas sem dúvida mais suave para quem tem o privilégio de ter um amor ao lado.