Viúvas

“Viúvas”- Viudas” Argentina, 2011

Direção: Marcos Carnevale

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O diretor argentino de “Elsa e Fred” (2005),sucesso de público e crítica, continua a se interessar pela alma humana e seus meandros. Se, no filme dos velhinhos e seu caso de amor, havia uma homenagem explícita a Fellini e ao universo criado por esse grande cineasta, Marcos Carnevale parece que agora homenageia Almodóvar, nessa história tragicômica de traição, paixão e amizade entre duas mulheres que nada tem em comum, a não ser o amor que sentiram pelo mesmo homem.

Elena, mulher madura, interpretada com talento pela atriz Graciela Borges, é uma cineasta que está dirigindo um documentário sobre as mulheres e o amor, quando recebe a notícia de que o marido Augusto (Mario José Paz) sofrera um infarto e está no hospital. E lá, escuta, dividida entre o amor e o ódio, o último pedido do marido agonizante:

“- Cuida dela…”

“-Como?”

“- Ela não tem ninguém. Não vai aguentar sozinha.”

“- Como pode me pedir isto, Augusto?”

Mas Augusto fecha os olhos para sempre.

Bem que Elena havia notado aquela mocinha vestida numa capa curta, chorando pelos cantos do hospital. O médico havia até se confundido, pensando que ela era sua filha.

Mas no dia do enterro, fica patente que Adela (Valeria Bertucelli), a mocinha, não iria desaparecer tão cedo de sua vida. A imagem viva da traição de Augusto leva flores para Elena e parece totalmente desamparada, sentada nos degraus da capela tumular.

E Carnevale faz então, um desfile de tipos almodovarianos em torno à viúva Elena.

Assim, Esther, a amiga gorda que trabalha com Elena e quer tirar a moça Adela da cabeça da amiga, pondo panos quentes na situação.

Depois a cadela Maggy, adorada por Augusto, para desconforto maior de Elena, jaz pelo chão do apartamento desconsolada e cheia de coceiras.

Por fim a empregada Justina (Martin Bassi), um travesti com pendor para a tragédia, que não pode ser despedida porque parece que conhece segredos da vida de Augusto. Quando quer falar mal de Elena em frente a ela, usa a língua guarani.

Para cúmulo dadesgraça de Elena, Adeladeprimida tenta o suicídio. Mas as provações da viúva não terminam aí.

Esse roteiro sobre as duas viúvas, escrito por Carnevale e Bernarda Pages, tem situações que poderiam ser melhor exploradas. Os sentimentos ambiguos de Elena e Adela mereciam ter sido aprofundados.

Mas a trama prende o espectador e, se não chega a emocionar, também não decepciona.

Não é sempre que o cinema argentino atinge a genialidade. Carnavale não repete aqui o toque de mestre de “Elsa e Fred”. Mas consegue entreter, com ótimos atores.

Liv e Ingmar – Uma História de Amor

“Liv e Ingmar- Uma História de Amor”- “Liv & Ingmar” Noruega, 2012

Direção: Dheeraj Akolkar

 

Quando o filme começa, vemos um jovem Ingmar Bergman (1918-2007) dirigindo uma cena de um de seus filmes:

“- Silêncio, por favor, rodando.”

Aparece na tela:

“Esta é a história de cinco décadas, sobre dois amigos. Uma atriz lendária e um mestre da cinematografia.”

E o nosso envolvimento começa a crescer, a ponto de querer que algumas imagens congelem na tela para poder desfrutar da beleza e da intensidade que passam.

Porque “Liv e Ingmar” não é um simples documentário. É a história afetiva de uma relação que cria arte quando imita a vida.

No litoral da Suécia, a casa na ilha de Faro, moradia do casal durante os cinco anos de seu casamento, se oferece à câmara que vem do exterior e entra por uma janela. Lá dentro, quietude, simplicidade e conforto nas madeiras e couros do mobiliário. A memória se espalha pelas fotos do casal nas paredes.

Acontece o primeiro close do rosto de Liv Ullmann, 74 anos, envelhecido e belo, onde brilham olhos de um azul raro. Ela conta:

“- Eu tenho tantas lembranças da ilha… Lá eu atuei, dirigi filmes, meus melhores amigos estão enterrados lá. Por um tempo, foi a minha casa. E lá encontrei Ingmar. Ele mudou a minha vida.”

Com amor e humor, Liv Ullmann revê sua vida diante da câmara de Dheeraj Akolkar, diretor indiano radicado em Londres, durante dois dias. Ele acrescentou à essa entrevista excepcional, trechos dos filmes de Bergman que fazem uma ponte com o que Liv conta e partes do livro dela, “Changings”.

Ficamos íntimos do casal, graças à generosidade com que Liv fala de sentimentos, descobertas e mudanças internas que experimentou na casa da ilha de Faro.

Ela, com 26 anos, apaixonou-se por ele, com 46 anos, durante a filmagem de “Persona” de1966. E, no desenrolar cronológico do documentário, Liv visita tópicos do seu relacionamento com Bergman. Amor é o primeiro:

“- Era como se eu estivesse vivendo entre paredes macias. Nenhum verão jamais foi igual a aquele…”

As cartas de Ingmar para ela são lidas por uma voz emocionada (Samuel Froler):

“-Por favor, fique comigo. Me abrace e me prenda em sua feminilidade e carinho.”

E Liv diz:

“- Eu precisava de carinho e ele de uma mãe que o amasse sem complicação. Sua fome de convivência era enorme.”

E ela conta do sonho que ele teve com ela, onde estavam “conectados dolorosamente”. E nesse lugar da ilha, onde ele contou o sonho para ela, foi construída a casa.

E outros sentimentos aparecem descrevendo essa história de amor: solidão, raiva, ciúmes, dor.

Tiveram uma filha mas se separaram:

“- O que eu levei embora comigo não foi a beleza da ilha. Parti com a solidão na minha mala e com o sentimento de que algo em mim mudara para sempre”.

Mas a palavra “longing”, traduzida por saudade, aparece na tela negra. E amizade é o tópico seguinte:

“- Durante um tempo estivemos conectados dolorosamente. Mas só quando terminou é que nos tornamos amigos de verdade”.

E quando a câmara mostra as cartas dele, com corações vermelhos, testemunhamos o lado macio da personalidade dele.

O “diário” dos dois, corações pintados na porta branca e que ele refazia até a sua morte em 2007, é o pano de fundo para Liv contar o que Ingmar lhe disse a respeito do sucesso dos filmes dele:

“- Tem a ver com você também. Você é o meu Stradivarius.”

E com os olhos brilhando confessa que foi o maior elogio que ouviu em sua vida.

E os olhos de Liv brilham porque uma história como a deles é para sempre.

Na plateia, estamos mudos e comovidos. Porque quanto mais íntimo, mais universal é o sentimento.