Infância Clandestina

“Infância Clandestina”- Idem, Argentina/ Brasil /Espanha, 2011

Direção: Benjamin Ávila

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Um menino de onze anos volta a seu país, a Argentina, em 1979, pela mão de brasileiros. Vemos a travessia de um rio e a passagem por barreiras na fronteira Brasil- Argentina. Ele, que nasceu Juan, por causa de Perón, agora vai se chamar Ernesto, por causa de Che Guevara.

O pai desenha para ele todos os disfarces que o Che usou e diz, antes de fazê-lo passar pela fronteira, com um novo passaporte:

“- Agora são as suas aventuras. Você vai se chamar Ernesto.”

O casal de “montoneros”, idealistas políticos que querem acabar com a ditadura militar cruel que assola a Argentina (de 1976 a 1983), volta ao país natal na clandestinidade, depois de se exilar em Cuba e no Brasil. Horácio (Cesar Troncoso) e Cristina (a uruguaia Natalia Oreiro), mais a bebê Vicky e o menino de 11 anos, agora Ernesto (o maravilhoso ator mirim, Teo Gutiérrez), vão tentar viver uma vida dupla em um vilarejo, onde, com o irmão de Horácio, tio Beto, irão se refugiar atrás de uma fabriqueta de amendoim com chocolate, enquanto levam avante seu plano de derrubar a ditadura, junto a outros “montoneros”.

O diretor Benjamin Ávila, avisa, desde o início, que o filme é baseado em fatos reais. Mais que reais, autobiográficos, já que o diretor viveu, qual o menino do filme, situações de crianças que tem os pais na luta armada.

E “Infância Clandestina” é o ponto de vista infantil sobre o mundo dos adultos. A câmara chega muito perto. Íntima, focaliza olhos, boca e ouvidos de Juan/ Ernesto, que, aos 11 anos, está numa idade em que começa a se posicionar frente ao mundo à sua volta. Espreita, quer saber o que se passa.

O país e a bandeira amada azul e branca, sem o sol dos militares, da guerra, já significam muito para ele. Mas e o amor?

Ainda muito ligado à mãe, bonita e carinhosa, testemunha encantado o seu canto, acompanhado-se ao violão ( a atriz Natalia Oreiro é também cantora), com os companheiros num churrasco. E, no parque, faz a ela perguntas sobre o amor dela pelo pai, muito próximos e amando as brincadeiras que ela faz.

Mas é o tio Beto que vai entender que Ernesto estava vivendo seu primeiro amor, com uma coleguinha de escola, Maria, graciosa ginasta olímpica. Seus conselhos de como tratar as “minas”, meninas, tem para o menino o sabor de uma conversa que jamais poderia ter com o pai, tímido e intimidante, apesar de prezar muito a família.

“Infância Clandestina” tem uma posição política corajosa quando retrata o movimento que foi totalmente dizimado pelos militares que estavam no poder. Mas não esquece o que se passava no íntimo do menino que começava a vida de adolescente. E não faz vista grossa frente aos sofrimentos que esse tipo de criança passa.

O uso do recurso aos quadrinhos em algumas passagens mais violentas, é uma originalidade de “Infância Clandestina”, que remete ao que é vivido pela criança e que se torna depois uma lembrança afetiva indelével.

Benjamin Ávila escreveu o roteiro com o brasileiro Marcelo Muller e escolheu muito bem o elenco do filme, premiado já em alguns festivais por onde passou. Aliás, o filme foi indicado pela Argentina, para representar o país no Oscar de melhor filme estrangeiro, no ano que vem.

Intimista, delicado e corajoso, “Infância Clandestina” emociona e faz pensar em como os adultos fazem sofrer a crianças, com a vida egoísta que levam, sejam militantes políticos ou não.

Na Terra de Amor e Ódio

“Na Terra de Amor e Ódio”- “In the Land of Blood and Honey” Estados Unidos, 2011

Direção: Angelina Jolie

 

Angelina Jolie é daquelas raras mulheres que tem tudo. Boa atriz, linda, rica, bem amada e generosa, ela também é inteligente, sensível e tem espírito humanitário. Essa mulher invejada se compadece dos que sofrem.

Seu primeiro longa, escrito, dirigido e produzido por ela, “Na Terra de Amor e Ódio”, é surpreendente e corajoso. Conta a história de um romance que acontece no cenário de uma das mais terríveis guerras do século XX. A guerra da Bósnia, que começou em 1992 e foi até final de 1995, é considerada o mais mortal conflito na Europa desde a Segunda Guerra.

Os números dessa guerra são impressionantes. Entre 100.000 e 110.000 pessoas foram mortas. Mais de 2.5 milhões tornaram-se refugiados porque um em cada dois bósnios foi obrigado a abandonar a sua casa. Durante a guerra 50.000 mulheres bósnias foram violentadas, o que levou a violência sexual a ser considerada um crime contra a humanidade, pela primeira vez no direito internacional. O cerco a Sarajevo foi o mais longo da história moderna.

Por três anos e meio, a comunidade internacional deixou de intervir e acabar com a guerra. Havia uma discussão sobre se era uma guerra civil ou internacional.

E pensar que antes dessa guerra cruenta, a República da Bósnia- Herzegovinia fazia parte de um dos países mais diversificados do ponto de vista étnico e religioso de toda a Europa, a Iugoslávia. Lá, viviam em harmonia, muçulmanos, sérvios e croatas.

Mas a guerra, insuflada pelos países vizinhos da Bósnia, a Sérvia e a Croácia, depois da declaração de sua independência em 1992, fez aflorar os piores instintos nos homens. Depois da guerra, nas negociações de paz, a CIA considerou as forças do exército sérvio como responsável por 90% dos crimes cometidos durante o conflito.

Angelina Jolie começa a contar a história de seus personagens um pouco antes da guerra. Num bar, a bela morena muçulmana Ayla, que é pintora, se encontra com Danijel, filho de um general sérvio. Flertam, dançam e cantam alegres, até que o estrondo de uma bomba introduz o horror, a morte e o sangue na vida de todos.

A partir daí o romance deles vai enfrentar obstáculos insuportáveis. Ela é levada, com outras mulheres, como prisioneira, para servir de escrava sexual no quartel das forças sérvias. Danijel tenta protegê-la mas o ódio antigo dos sérvios aos muçulmanos vai selar o destino daquele amor.

Angelina Jolie filmou na Hungria e na Bósnia- Herzegovinia. “Na Terra de Amor e Ódio” é falado em servo-croata e os ótimos atores são todos nascidos na região, inclusive o par principal formado por Zana Marganovic e Goran Kostic.

A fotografia é austera e a música é usada de maneira sensível e comedida. Gabriel Yared, o compositor e pianista, pontua cenas com temas minimalistas.

A diretora e roteirista foi indicada ao Globo de Ouro no ano passado e apresentou seu filme no Festival de Berlim. Diz ela:

“- Esse filme poderia ser sobre qualquer guerra… mas escolhi esse conflito por ser muito recente e ainda não totalmente compreendido.”

“Na Terra de Amor e Ódio” é um alerta sobre o rancor e a vontade de dominar com crueldade aqueles que são considerados os inimigos que, de tempos em tempos, desperta no coração dos homens.

Sensível e dramático na medida certa.