Em Nome de Deus

“Em nome de Deus”- “Captive”, França/ Filipinas/ Alemanha/ Inglaterra, 2012

Direção: Brillante Mendonza

Oferecimento Arezzo

 

Um pesadelo. Mas que foi real para as pessoas que passaram um ano como réfens de guerrilheiros muçulmanos nas Filipinas.

Aprisionados quando o resort em que estavam na ilha de Pallawan foi invadido, em maio de 2001, um grupo de estrangeiros e nativos foi obrigado a seguir o bando de fanáticos separatistas que lutavam pela independência da ilha de Mindanao. Primeiro por mar, em barcos rústicos, depois por terra, levando sómente a roupa do corpo e medo na alma.

Aterrorizados, andando a esmo pela floresta tropical, amarrados como bichos, descansando quando mandavam, atacados por formigas, vespas, sanguessugas, mosquitos, comendo as sobras que lhes davam e esquecidos do mundo, foi um milagre que alguns sobrevivessem.

Ameaçados por seus sequestradores, que pediam resgates cada vez maiores para seus parentes, a situação deles piorava cada vez mais, colhidos no meio dos tiroteios entre o exército filipino e os guerrilheiros.

A câmara de Brillante Mendonza, filipino de 42 anos, não descansa. De propósito, cruel, ele faz com que o espectador se sinta tão desesperado como os atores que ele filma, tensos e exaustos.

Isabelle Huppert, a maravilhosa atriz francesa que só faz filmes que ela escolhe a dedo, não hesitou e aceitou o convite de Mendonza para fazer “Em Nome de Deus”, no papel de uma missionária católica.

Ela vai do medo e raiva iniciais a cenas líricas, como quando conversa e põe para dormir, em seu colo, o menino guerrilheiro e escuta as razões dele para a vida que ele leva.

Enquanto isso, Brillante rasteja com sua câmara para mostrar as serpentes, as formigas, os répteis ou alça vôo para seguir as aranhas em suas teias, os pássaros e seus cantos ou ainda a luz dourada de um raio de sol que penetra a floresta na manhã.

Parece dizer que, naquele lugar, a natureza passaria muito bem sem a presença daqueles homens e mulheres desesperados. Nesses momentos de respiração, a floresta, em sua indiferença natural a tudo que não seja a sobrevivência, acolhe seres humanos da mesma forma que faz com os outros animais.

Um filme duro e belo.

Um Alguém Apaixonado

“Um Alguém Apaixonado”- “Like Someone in Love” França/Japão, 2012

Direção: Abbas Kiarostami

Tudo começa num bar. Muitas vozes se entrecortando,barulho de copos, risos. Aos poucos se impõe uma voz feminina.

Uma mocinha japonesa de cabelos laranja e boca vermelhaolha em nossa direção. Demora um pouco mas depois compreendemos que estamos
olhando o bar através dos olhos puxados de uma garota de franjinha e rabo de cavalo. Ela está falando ao celular.

Agora vemos seu rosto bonito, com a pele clara, olhos expressivos. Tudo nela é juventude. Mas está triste, zangada com quem fala ao
telefone. Ela se justifica, dá provas de que está com Nagiza, a de cabelos laranja. O namorado de Akiko não acredita nela? Está com
ciúmes?

Assim começa para nós a história de Akiko, garota de programa, como veremos depois, que veio para Tóquio para ganhar a vida. Dividida
entre a avó que veio visitá-la, o namorado que ela engana e o seu trabalho de gueixa contemporânea, ela escolhe o último. Larga a avó esperando, o namorado sózinho e vai viver uma aventura.

Akiko vai ao encontro de um cliente, que o seu patrão escolheu para ela. Um homem muito especial, diz ele, que é um homem
maduro.

Com seu vestido verde e curto, ela entra no táxi e, apesar de passar pela avó que a espera na praça, chora mas não hesita em
continuar em frente.

O cliente, veremos, é realmente um homem especial. Um velho professor, escritor, que vive sózinho entre seus livros e papéis e que
parece que anseia por companhia feminina, alguém que ele possa mimar e conversar. Afinal, os únicos retratos que vemos em seu apartamento são os das mulheres de sua vida: a esposa, a filha e a neta. Não sabemos se isso é verdade.Não sabemos nada sobre elas. Como não sabemos quase nada sobre o professor, Akiko e seu namorado.

Essa é uma das características marcantes do diretor iraniano Abbas Kiorastami. O espectador deve estar ativo, preenchendo lacunas
propositais para que a nossa imaginação trabalhe. Ele quer uma platéia viva, com as emoções sintonizadas na história que se passa na tela sem nenhuma explicação, a não ser o que acontece com os personagens.

“- Seu apartamento é bonito. Todos esses livros! Você leu tudo? Não joga fora depois que leu?”

E o velho professor sorri, encantado com ela.

Ella Fitzgerald canta “Like Someone in Love” ao fundo.

O Japão, em Tóquio, vai se descaracterizando. Parece uma cidade ocidental mas a tradição permanece de alguma forma.

Há uma necessidade de alguém mais sábio do que eles para orientar esses jovens que não sabem o que fazem. Um avô? Um
professor?

Os mais experientes, como o próprio diretor Abbas Kiarostami, sabem que a natureza humana não muda, apesar das roupagens e jeitos
novos.

A necessidade de amar e ser amado é o tema de “Like Someone in Love- Um Alguém Apaixonado”. E é eterna.