Cosmópolis

“Cosmópolis”-“Cosmopolis”, França/Canadá/Portugal/Itália 2012

Direção: David Cronenberg

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Verborrágico, claustrofóbico, cruel. Eis o retrato do mundo por David Cronenberg, um cineasta que volta a usar uma linguagem de pesadelo em seu novo filme,

“Cosmópolis”, baseado no romance de Don DeLillo de 2003.

Vemos uma fila de limusines brancas. Motoristas esperam.

É em uma delas que Eric Packer (Robert Pattinson) vive, praticamente encerrado. Bilionário de 28 anos, apático e paranoico, ele vive refugiado em um mundo à parte dos outros mortais.

Por que ele está naquela limousine?

“- Preciso cortar o cabelo”, diz o bilionário.

Um segurança o informa que o trânsito está terrível porque o presidente visita a cidade.

“- Que presidente?”

Packer é alienado da realidade. Só lhe interessam suas próprias questões.

O mundo o visita lá dentro da limo. São seus consultores para assuntos de todo o tipo, que ele recebe um a um. Dentre eles, uma Juliette Binoche, bela como nunca, é Didi, consultora de arte. Ela lhe oferece um Marc Rotko, depois de uma transa acrobática. Mas Packer quer comprar a famosa “Capela de Rotko”.

“- Vai ser difícil… O que vai fazer com ela? A Capela pertence ao mundo…”, responde ela.

Outro que o visita é um jovem que entende de finanças.

“- O yuan não pode subir mais”, diz ele. “Eric, estamos especulando no vazio”.

Mas Eric muda de assunto. Sua confiança em si mesmo é o contraponto da desconfiança que tem pelos outros.

Sai da limousine e entra num táxi onde está sua mulher (Sarah Gadon), bela e riquíssima também. Mas parece que o casamento vai mal.

A realidade ronda o refúgio de Packer e, ao longo do filme que se passa em um dia, deixa suas marcas. Pessoas revoltadas em passeata picham o carro dele.

Mas parece que nada o abala. Uma auto-confiança arrogante esconde uma fragilidade de base. Em seu corpo, ele encontra uma falha, escondida em suas vísceras.

“- Você tem uma próstata assimétrica”, diz o médico que vem examiná-lo dentro da limo.

Ele escuta o diagnóstico enquanto fala de finanças com outra informante.

E parece preocupado pela primeira vez.

A câmara de Cronenberg está o tempo todo com Eric Packer, dentro da limousine que é blindada e à prova de som. Só sai com ele nas raras vezes em que Eric visita o mundo de fora.

“Cosmópolis” é um filme difícil de ver porque nos aprisiona no mundo de Eric Packer. Personagem controlador e egoísta, ele prende também o espectador e o asfixia. Muitas vezes nos perdemos nos diálogos longos, dos quais somos excluídos.

O diretor canadense David Cronenberg usa aqui o cinema para falar de política. Os rumos da humanidade nos levaram a uma crise. O capitalismo à moda de Packer não produz nada, só especula.

“O espectro do capitalismo ronda o mundo”, diz um letreiro luminoso.

Enquanto isso, rolam drogas e danças entre os mais jovens que ocuparam um teatro. E um funeral que passa e atrapalha mais o trânsito, lembra a Packer o escândalo da morte…

A cena final traz o excelente Paul Giamatti numa de suas fantásticas interpretações.

Não vá ver esse filme se você se enerva e se angustia quando é deixado de lado. É de propósito. Mas, para alguns, Cronenberg dessa vez exagerou.

Acho que é direito dele.

 

Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”- “Seeking for a Friend for the End of the World”, Estados Unidos / Singapura /Malásia /Indonésia, 2012

Direção: Lorene Scafaria

Desde que o mundo é mundo, os profetas do apocalipse anunciam o seu final. Oráculos, presságios, visões, maldições ou calendários, sempre foram os veículos dessa tragédia anunciada.

“Melancholia” de Lars Von Trier foi o filme mais famoso que tratou desse assunto de forma sofisticada.

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”, materializa a ameaça ao nosso planeta da mesma forma que Lars Von Trier concebeu. Mas as semelhanças terminam aqui. Quem vai colidir com a Terra é o asteroide gigante Matilda e Lorene Scafaria, diretora e roteirista, vai lidar com o fim do mundo com humor, amargo talvez, mas também com ternura.

Já no início do filme, ficamos sabendo do fracasso da missão espacial mandada ao encalço de Matilda para destrui-lo.

Na TV informam quantos dias faltam para a grande tragédia. O planeta será destruído e com ele todas as formas de vida que o habitam. Não há saída.

E as pessoas enlouquecem. Muitos fogem de suas casas, sem ter ideia de para onde ir. Outros choram deprimidos. Não há mais futuro. Não há mais projeto.

E, quando as companhias aéreas param de trabalhar, muitos não tem como se reunir com parentes que vivem distantes ou em outros continentes.

“- A vida perdeu o sentido”, diz alguém.

“- Esse é o nosso Titanic e não há botes salva-vidas”, filosofa o outro.

E as pessoas tem as reações mais inesperadas: um foge levando seu peixinho dourado enquanto outros partem para orgias, querendo esquecer de tudo no sexo maníaco. Uma mulher acha que agora é o momento de comer tudo que tiver vontade e livrar-se das dietas que a perseguiram a vida toda. Milhares se drogam e bebem sem parar. Outros ainda, agem como se nada fosse acontecer, numa negação do inevitável.

Multidões saem às ruas para cometer saques e atrocidades enquanto outros fazem uma longa fila para ser batizados.

Ou seja, esta é a última oportunidade de realizar desejos ou negar tudo que está acontecendo ou pior, antecipar-se à morte certa, morrendo antes da destruição do planeta.

Duas pessoas, vividas por Steve Carell e Keira Knightley, na companhia de um cachorro, vão ousar uma outra saída para viver a fatalidade.

E a câmara da principiante Lorene Scafaria segue Penny e Dodge, que não vão sobreviver porque não há essa possibilidade mas percebem que ainda há tempo para se viver o que se quer.

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” traz uma mensagem de otimismo porque diz que há salvação do desespero frente ao inevitável. O certo é que vamos todos morrer um dia desses. Mas, se tivermos boas lembranças da vida ou alguém amado ao nosso lado, talvez não seja tão duro assim.

O desapego é mais fácil para quem se sente feliz? Assim parece entender esse filme pequeno, indicado para quem gosta de humor e imaginação.