Intocáveis

“Intocáveis”- “Untouchables”, França, 2011

Direção: Olivier Nacache e Eric Toledano

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Uma Maserati dirigida à toda, costura o trânsito à noite nas ruas de Paris. A polícia persegue o motorista infrator com estardalhaço.

Dentro do carro, ao volante, um jovem negro e um senhor de barba se entreolham com cumplicidade.

“- Você está em forma”, diz o senhor, apreciativo.

“- Aposto 200 como eles nos escoltam”, responde o rapaz negro de olhos sorridentes.

Quando a polícia os encurrala e o negro é jogado sobre o capô da Maserati, o mais velho começa a ter uma crise epiléptica dentro do carro.

“- Vocês estão loucos? Por que acham que eu estava correndo? Ele está doente! Tenho que ir para o pronto-socorro!” grita o rapaz negro para o policial.

E, na cena seguinte, ao som de uma música de discoteca anos 70, a dupla se diverte, cantando junto aos berros enquanto o negro dança ao volante, escoltados pela polícia até o hospital.

Passam os créditos na tela e ficamos sabendo que a história que inspirou o filme é real. No final, aparecem os dois verdadeiros protagonistas. Prestem atenção.

Mas, logo, o que nos cativa é o humor com que essa história, de uma dupla surpreendente, é contada.

Um acidente trágico de “parapente” levou Phillippe (o excelente François Cluzet) a uma cadeira de rodas. O tetraplégico milionário, que mora em um “hôtel particulier”, uma mansão luxuosa, precisa que façam tudo por ele, 24 horas por dia. Ele é inteligente, culto, bem educado. Mas o que é a vida sem um algo a mais que a torne interessante?

É aí que entra Driss, um jovem negro da periferia de Paris, ex-presidiário, desempregado, que tem alegria de viver de sobra.

Se Phillippe não tem como se movimentar e já perdeu as esperanças de algo que o faça vibrar nessa vida, Driss enfrenta dificuldades para sobreviver mas, apesar disso, não perdeu seu jeito bem humorado de ser. Ele entra na vida do outro como uma rajada de forças novas que Phillippe vai saber apreciar.

“Intocáveis” é a história desse encontro, onde dois universos tão diferentes se harmonizam, criando um terreno fértil para uma forte amizade.

Haverá uma troca que beneficiará os dois amigos.

Driss vai ser não só as pernas e braços de Phillippe mas também sua curiosidade e coragem. E Phillippe vai ampliar os horizontes de Driss, apresentando a ele um mundo que ele não conhecia. Será seus olhos e ouvidos abertos para o novo. Mas tudo isso sempre com humor. E nem sempre politicamente correto. Ainda bem. O roteiro dos dois diretores, Toledano e Nakache, tem o bom gosto de não fazer julgamentos nem ser moralista.

Mas “Intocáveis” não seria um filme tão bom e simpático, se não contasse com Omar Sy e François Cluzet como a dupla de amigos.

Não foi à toa que o jovem senegalês de 34 anos levou o César de melhor ator francês, concorrendo com ninguém menos que Jean Dujardin, o ganhador do Oscar americano. Alto, bonito, com um corpo expressivo e ágil, ele sabe fazer rir e comove com a mesma intensidade.

François Cluzet que consegue a façanha de contracenar com essa explosão de forças da natureza que é Omar Sy, apenas com a expressão de seu rosto, foi a escolha acertada para ser o outro da dupla.

Eu torço para que o cinema francês de qualidade conquiste cada vez mais o espectador brasileiro, viciado em “blockbusters” americanos.

Faça como eu e mais de 40 milhões ao redor do mundo e vá se encantar com “Intocáveis”.

 

 

A Vida de Outra Mulher

“A Vida de Outra Mulher”- “La Vie d’une Autre Femme"- França/ Luxemburgo/ Bélgica, 2012

Direção: Sylvie Testud

Uma bela casa com venezianas verde-claro, cercada de
árvores frondosas e arbustos floridos. Caminhos cobertos de cascalho cercam a
mansão do século XIX e descem até o mar de Antibes.

Dentro da casa, em uma saleta clara de sol, com flores
em vasos preciosos, uma jovem conversa com um senhor que deve ser o dono da
casa. Ela veste-se com simplicidade. Jeans e camisa com florzinhas. Mechas
rebeldes de seu longo cabelo escuro soltam-se do rabo de cavalo.

Parece que conversam sobre um emprego para ela. E o
homem mais velho trata a jovem com simpatia.

“- Quando você pode começar?”pergunta o milionário
Dimitri Speranski à jovem.

“- Quando quiser. Logo.”

“- Então na semana que vem? Meu escritório em Paris
fica no Edifício Aurore, na Défense.”

Levantam-se. Ele sai na frente e ela escreve o
endereço nas costas de sua mão. Percebe-se que ela é simplória e o ambiente, de
um luxo burguês, faz com que fique acanhada.

Saem no terraço e ela vê um rapaz bonito brincando com
um cachorro.

“-É meu filho que gosta de desenhar histórias em
quadrinhos”, comenta o sr Speranski.

Um carro estaciona em frente às escadas da casa e dele
sai uma senhora de cabelos brancos, chic, calças brancas, blazer azul marinho,
óculos escuros. Traz compras.

“-Ah! Você deve ser Marie”, diz à moça. “Meu marido
falou que você tem um curriculo brilhante! E ele é exigente! Seu pai está
melhor? Sua mãe nos contou sobre o acidente…”

Ela responde algo e o senhor ajunta:

“-Diga à sua mãe que ela fez bem em me procurar.”

Marie vai descendo a escada e cruza com o rapaz e o
cachorro.

Se ela soubesse o que a espera no futuro…

Não vai ser fácil acordar num belo dia, anos depois e
ver que tudo lhe é estranho. Terá que reconstruir-se sózinha. De repente, vai
sentir-se vivendo uma vida que não parece a dela…

Valerá a pena lutar?

Juliette Binoche, a grande estrela que brilha
trabalhando tanto com os grandes nomes do cinema quanto com iniciantes, como é
o caso com “A Vida de Outra Mulher”, é surpreendente.

Com seu belo rosto expressivo, um simples corte de
cabelo, um jeito diferente de andar que ela adota, um modo de se vestir, bastam
para transformar essa ótima atriz na personagem que ela quiser.

Sylvie Testud é a diretora estreante desse filme que
ela adaptou de um romance de Frédérique Deghelt. Dirigir Binoche deve ter sido
um prazer. Ela é uma das atrizes mais requisitadas no momento e seus filmes
atraem legiões de fãs que querem apreciar o seu talento.

Em “A Vida de Outra Mulher” ela contracena com Mathieu
Kassovitz que fez “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e que aqui é Paul, seu
marido.

Mas, quando se trata de Juliette Binoche, ela é sempre
o foco principal. Com sua beleza madura, ela ilumina todas as cenas em que
aparece, nessa comédia dramática que tem momentos de humor e de reflexão da
personagem sobre a passagem do tempo e o que ela fez com a sua vida.

Além de uma história intrigante, uma atriz divina e
belas locações em Antibes e Paris.

Vai ser mais um sucesso.