Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”- “Seeking for a Friend for the End of the World”, Estados Unidos / Singapura /Malásia /Indonésia, 2012

Direção: Lorene Scafaria

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Desde que o mundo é mundo, os profetas do apocalipse anunciam o seu final. Oráculos, presságios, visões, maldições ou calendários, sempre foram os veículos dessa tragédia anunciada.

“Melancholia” de Lars Von Trier foi o filme mais famoso que tratou desse assunto de forma sofisticada.

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”, materializa a ameaça ao nosso planeta da mesma forma que Lars Von Trier concebeu. Mas as semelhanças terminam aqui. Quem vai colidir com a Terra é o asteroide gigante Matilda e Lorene Scafaria, diretora e roteirista, vai lidar com o fim do mundo com humor, amargo talvez, mas também com ternura.

Já no início do filme, ficamos sabendo do fracasso da missão espacial mandada ao encalço de Matilda para destrui-lo.

Na TV informam quantos dias faltam para a grande tragédia. O planeta será destruído e com ele todas as formas de vida que o habitam. Não há saída.

E as pessoas enlouquecem. Muitos fogem de suas casas, sem ter ideia de para onde ir. Outros choram deprimidos. Não há mais futuro. Não há mais projeto.

E, quando as companhias aéreas param de trabalhar, muitos não tem como se reunir com parentes que vivem distantes ou em outros continentes.

“- A vida perdeu o sentido”, diz alguém.

“- Esse é o nosso Titanic e não há botes salva-vidas”, filosofa o outro.

E as pessoas tem as reações mais inesperadas: um foge levando seu peixinho dourado enquanto outros partem para orgias, querendo esquecer de tudo no sexo maníaco. Uma mulher acha que agora é o momento de comer tudo que tiver vontade e livrar-se das dietas que a perseguiram a vida toda. Milhares se drogam e bebem sem parar. Outros ainda, agem como se nada fosse acontecer, numa negação do inevitável.

Multidões saem às ruas para cometer saques e atrocidades enquanto outros fazem uma longa fila para ser batizados.

Ou seja, esta é a última oportunidade de realizar desejos ou negar tudo que está acontecendo ou pior, antecipar-se à morte certa, morrendo antes da destruição do planeta.

Duas pessoas, vividas por Steve Carell e Keira Knightley, na companhia de um cachorro, vão ousar uma outra saída para viver a fatalidade.

E a câmara da principiante Lorene Scafaria segue Penny e Dodge, que não vão sobreviver porque não há essa possibilidade mas percebem que ainda há tempo para se viver o que se quer.

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” traz uma mensagem de otimismo porque diz que há salvação do desespero frente ao inevitável. O certo é que vamos todos morrer um dia desses. Mas, se tivermos boas lembranças da vida ou alguém amado ao nosso lado, talvez não seja tão duro assim.

O desapego é mais fácil para quem se sente feliz? Assim parece entender esse filme pequeno, indicado para quem gosta de humor e imaginação.

 

Intocáveis

“Intocáveis”- “Untouchables”, França, 2011

Direção: Olivier Nacache e Eric Toledano

 

Uma Maserati dirigida à toda, costura o trânsito à noite nas ruas de Paris. A polícia persegue o motorista infrator com estardalhaço.

Dentro do carro, ao volante, um jovem negro e um senhor de barba se entreolham com cumplicidade.

“- Você está em forma”, diz o senhor, apreciativo.

“- Aposto 200 como eles nos escoltam”, responde o rapaz negro de olhos sorridentes.

Quando a polícia os encurrala e o negro é jogado sobre o capô da Maserati, o mais velho começa a ter uma crise epiléptica dentro do carro.

“- Vocês estão loucos? Por que acham que eu estava correndo? Ele está doente! Tenho que ir para o pronto-socorro!” grita o rapaz negro para o policial.

E, na cena seguinte, ao som de uma música de discoteca anos 70, a dupla se diverte, cantando junto aos berros enquanto o negro dança ao volante, escoltados pela polícia até o hospital.

Passam os créditos na tela e ficamos sabendo que a história que inspirou o filme é real. No final, aparecem os dois verdadeiros protagonistas. Prestem atenção.

Mas, logo, o que nos cativa é o humor com que essa história, de uma dupla surpreendente, é contada.

Um acidente trágico de “parapente” levou Phillippe (o excelente François Cluzet) a uma cadeira de rodas. O tetraplégico milionário, que mora em um “hôtel particulier”, uma mansão luxuosa, precisa que façam tudo por ele, 24 horas por dia. Ele é inteligente, culto, bem educado. Mas o que é a vida sem um algo a mais que a torne interessante?

É aí que entra Driss, um jovem negro da periferia de Paris, ex-presidiário, desempregado, que tem alegria de viver de sobra.

Se Phillippe não tem como se movimentar e já perdeu as esperanças de algo que o faça vibrar nessa vida, Driss enfrenta dificuldades para sobreviver mas, apesar disso, não perdeu seu jeito bem humorado de ser. Ele entra na vida do outro como uma rajada de forças novas que Phillippe vai saber apreciar.

“Intocáveis” é a história desse encontro, onde dois universos tão diferentes se harmonizam, criando um terreno fértil para uma forte amizade.

Haverá uma troca que beneficiará os dois amigos.

Driss vai ser não só as pernas e braços de Phillippe mas também sua curiosidade e coragem. E Phillippe vai ampliar os horizontes de Driss, apresentando a ele um mundo que ele não conhecia. Será seus olhos e ouvidos abertos para o novo. Mas tudo isso sempre com humor. E nem sempre politicamente correto. Ainda bem. O roteiro dos dois diretores, Toledano e Nakache, tem o bom gosto de não fazer julgamentos nem ser moralista.

Mas “Intocáveis” não seria um filme tão bom e simpático, se não contasse com Omar Sy e François Cluzet como a dupla de amigos.

Não foi à toa que o jovem senegalês de 34 anos levou o César de melhor ator francês, concorrendo com ninguém menos que Jean Dujardin, o ganhador do Oscar americano. Alto, bonito, com um corpo expressivo e ágil, ele sabe fazer rir e comove com a mesma intensidade.

François Cluzet que consegue a façanha de contracenar com essa explosão de forças da natureza que é Omar Sy, apenas com a expressão de seu rosto, foi a escolha acertada para ser o outro da dupla.

Eu torço para que o cinema francês de qualidade conquiste cada vez mais o espectador brasileiro, viciado em “blockbusters” americanos.

Faça como eu e mais de 40 milhões ao redor do mundo e vá se encantar com “Intocáveis”.