O Exercício do Poder

“O Exercício do Poder”- “L’Exercice de L’État”, França/ Bélgica, 2011

Direção: Pierre Schoeller

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Só pode ser um sonho, pensamos nós, ao ver as figuras surrealistas na tela. Mulheres com chapéus altos e véus negros, qual sacerdotisas de uma seita estranha, montam um escritório com objetos preciosos. Desenrolam um tapete, colocam relógio, uma escrivaninha…

Mas o que faz aquela mulher nua e branca em um canto da sala? Horror. Um enorme crocodilo, na outra ponta da sala, está de boca aberta. Pronto para avançar sobre a pobre mulher? Com surpresa vemos que acontece o contrário. A mulher rasteja e entra docilmente na goela do bicho monstruoso.

Essa metáfora, criada em cima de uma famosa foto de Helmut Newton, “A Lenda da Virgindade”, serve como uma luva para o diretor francês Pierre Schoeller abrir seu filme que fala sobre política.

Não como quis o tradutor brasileiro, que trocou a palavra “Estado” pela palavra “Poder”.

Trata-se, no filme, de colocar em imagens o exercício do Estado, função das pessoas que elegemos para ser políticos e decidir sobre muitos dos rumos da nossa vida. O titulo correto seria então, “O Exercício do Estado”.

Em entrevista a Luiz Carlos Merten, o diretor do filme explica o titulo e o equívoco cometido pela tradução:

“O poder se aplica em qualquer situação humana, há os que mandam e os que são mandados, os que aceitam e os que se rebelam. O Estado é uma forma de organização social política, em que os indivíduos, os eleitores, outorgam o poder a uma classe dirigente. Essa classe tende a formar um núcleo fechado e, eu diria que tende a usar de expedientes para se eternizar no poder.”

Lá como cá, assim são os políticos.

Mas, brasileiro tem a tendência a pensar só em corrupção quando se fala em política. Pudera, há numerosos exemplos infelizes. Para a maioria de nós, político só pensa em se dar bem.

Há numerosas e honrosas exceções, eu diria mas que, infelizmente, fazem a regra no nosso país.

Na França, os políticos, em geral, pensam em permanecer em seus postos por uma adoração ao poder que emana do Estado, o crocodilo do sonho do início do filme.

Daí o filme mostrar um Ministro dos Transportes que luta pelo seu cargo. Ao enfrentar uma tragédia de um acidente rodoviário com um ônibus que mata várias crianças, vemos que seus assessores fazem de tudo para transformar o fato em publicidade gratuita para o Ministro.

Vivido pelo extraordinário ator Olivier Gourmet, vamos observá-lo nos bastidores da política, lutando para continuar sempre em foco. Nem que por isso tenha que sacrificar amizades, amores e família.

Mesmo aqueles a quem a política não interessa, inocentes do poder do Estado sobre todos nós, deveriam ver, nem que seja uma vez na vida, um filme que tenta entender os políticos e esse vício pelo poder do Estado que os conduz.

“O Exercício do Poder” é um filme muito elogiado que poucos irão ver. Uma pena…

À Beira do Caminho

“À Beira do Caminho”- Brasil, 2012

Direção: Breno Silveira

Quem não tem uma música de Roberto Carlos marcando um momento romântico em sua vida? O Brasil todo sabe cantarolar Roberto Carlos.

O diretor de cinema Breno Silveira (“2 Filhos de Francisco” ) é até explícito: sem as músicas de Roberto Carlos não haveria o filme “À Beira do Caminho”.

Na tela, um caminhão enfrenta a poeira numa estrada deserta da Chapada Diamantina, no sertão da Bahia. E já ouvimos:

“Quantas vezes eu pensei voltar…”

Na boleia, um cara barbudo, com o rosto fechado. Adivinha-se nele um sofrimento antigo.

À noite, sozinho na imensidão, ele e seu caminhão junto à fogueira, ele rabisca algo num caderninho. E, de novo, escuta-se a canção:

“Quantas vezes eu pensei voltar

E dizer que o meu amor nada mudou,

Mas o meu silêncio foi maior…”

E lá se vai o caminhoneiro em sua jornada lenta e solitária, perdido em suas memórias.

Até que em uma noite ele encontra, escondido dentro do caminhão, não um bicho ou um ladrão, como pensava assustado, com um revólver em punho mas um menino. Certamente num dos lugares onde parou à beira da estrada, o pequeno intruso aproveitara para se esconder lá dentro.

“- Por favor, não atira, moço. Só tava pegando uma carona…”

“- Saia já daí!”

E o garoto mulato, de olhos expressivos, pede:

“- Moço, você não vai me deixar aqui, né?”

E a sorte está lançada. Os dois vão fazer a viagem juntos.

João (João Miguel), o caminhoneiro triste e Duda (Vinicius Nascimento), o garoto que procura encontrar o pai, que nunca viu. Nessa vida ele não tem mais ninguém. O retrato 3×4 do pai está sempre com o menino, assim como o da mãe já morta, uma mulata bonita que sorri na foto.

O caminhoneiro atormentado por seu passado e o menino que ele encontrou, vão viver aventuras naquela estrada que os uniu, já adivinhamos desde o início do filme. A simplicidade da história mas também suas reviravoltas e o desempenho dos atores (inclusive Dira Paes, numa ponta que ela aproveita bem), conquistam o nosso coração e seguimos com eles.

No caminho, as paisagens de um Brasil que poucos conhecem, os rios com águas claras, o cerrado sem fim, as fogueiras para se aquecer à noite e as músicas de Roberto Carlos.

“Presta atenção! Essa é a nossa canção!

Vou cantá-la sempre aonde for

Para nunca esquecer o nosso amor…”

“- Você não tem família, João?” pergunta Duda sem medo da cara feia do outro.

E o homem só, se lembra de uma saia florida.

“Como vai você?

Que já modificou a minha vida…”

As lembranças que João traz no peito e que não o deixam em paz, causa daquele sofrimento antigo, vão reacender um sentimento em seu coração.

E nós, na plateia do cinema torcemos pelos dois que procuram a quem amar.

A traseira filosófica do caminhão ensina: Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier.

Um filme singelo esse “À Beira da Estrada”. Roteiro interessante de Patricia Andrade com a colaboração de Domingos de Oliveira e fotografia sem malabarismos de Lula Carvalho.

E como é gostoso ouvir a voz doce de Vanessa da Mata cantando junto aos créditos finais:

“Olha aqui,

Presta a atenção,

Essa é a nossa canção…”