À Espera de Turistas

“À Espera de Turistas”- “Am Ende Kommen Touristen”, Alemanha, 2007

Direção: Robert Thalheim

Oferecimento Arezzo

Um trem chega a uma estação e vemos um jovem loiro, mochila nas costas, puxando sua mala de rodinhas.
“- Procuro o Auschwitz Museum”, diz para o chofer de táxi.
Ora, só de ouvir esse nome, um arrepio de horror cruza a mente de quem tem mais de 50 anos ou é mais jovem e minimamente informado, ou ainda, aqueles que conhecem famílias judias.
Auschwitz é o campo de fama trágica, visto em milhares de fotos e filmes da Segunda Guerra. O campo de concentração mais conhecido de todos, lugar de vergonha para a cultura ocidental, manchada para sempre com algo bruto, cru, inumano.
Auschwitz é sinônimo de horror, da tragédia do Holocausto, da matança sistemática de milhões de judeus pelos soldados nazistas. Culpados de nada. Pilhas de cadáveres, pelo simples fato de serem judeus.
Mas nada disso transparece no rosto bonito e sem emoções do jovem alemão Sven (Alexander Fehling), que veio à pequena cidade da Polonia para prestar um ano de serviço comunitário, já que ele decidiu não fazer o exército.
E não é só o jovem alemão que mostra desconhecimento do lugar onde ele pretende morar por um ano. Os outros estagiários do Museu também se comportam como se a juventude europeia não se sensibilizasse com o passado vergonhoso. Ou o desconhecesse.
Sven vai encontrar e servir de ajudante para um sobrevivente de Auschwitz, um senhor ranzinza e caladão (Ryszard Ronszewsky).
Ele é a memória viva de tudo o que aconteceu naquele lugar. E, por isso dá palestras aos jovens recém-chegados para trabalhar no Museu. E escuta:
“-Posso ver o seu número? “
Ele levanta a manga da camisa e mostra:
“- Está meio apagado, quase não dá pra se ver…” diz um dos jovens estagiários, sem a menor sensibilidade.
“- É…Eu não mandei retocar”, retruca o velho senhor com humor negro.
E Sven, que é hostilizado pelos poloneses por ser alemão, encontra Ania (Barbara Wysocka), a mocinha polonesa que fala a língua dele e é guia histórico do lugar onde nasceu.
Ela vai ser a guia de Sven para o passado. O caminho para a emoção pesada que, ali, todos querem evitar.
E Sven vai mudar por dentro. Para isso colabora a convivência com o velho senhor, obcecado pela reparação das malas deixadas pelas vítimas do campo e sua família simpática, que vive perto dali.
E esse parece ser o objetivo do filme que chega ao Brasil com cinco anos de atraso mas sem perder a atualidade.
Através de imagens que parecem sair de uma velha câmara, com cores saturadas e um distanciamento proposital, “À Espera de Turistas” pretende educar sem grandes discursos. Fazer pensar através das situações humanas vividas pelos personagens. Refletir sobre uma tragédia que ocorreu há 70 anos atrás mas, que deve ser conhecida pelas novas gerações, para não ser jamais repetida.
É duro, pesado, mas esse horror que aconteceu tem que ser encarado para ser lembrado e servir de lição sobre o que podem fazer seres humanos quando se embrutecem, enlouquecem e esquecem que todos somos iguais e que devemos nos respeitar uns aos outros, sempre.

Um Verão Escaldante

“Um Verão Escaldante”- “Um Été Brulant” França / Itália / Suiça, 2011

Direção: Philippe Garrel

Não é só o verão que pode ser escaldante. Em certa etapa da vida, os sentimentos tem uma temperatura bizarra. Incompatíveis com a calma que deve ter a respiração, sufocam.

Às vezes oscilam entre o gelado e o incandescente com tanta rapidez e força que o chão falta, vem a vertigem e a vontade de viver se abala.

Os amores da juventude podem ser incontroláveis e, quando vividos por pessoas autodestrutivas, podem ser mortais.

É disso que trata Philippe Garrel, herdeiro da “nouvelle vague” francesa, no seu novo filme, em que contracenam o belo Louis Garrel, filho do diretor e a sensual Monica Belucci, italiana com físico de deusa greco-romana.

Ela é a “femme fatale”, casada com Fréderic, que a ama como se ela fosse sua razão de viver. Mas Angèle é volúvel e ama o amor. Deseja ser desejada. E, com isso atiça o ciúme de Fréderic, um jovem “blasé”, entediado e ao mesmo tempo passional. Perdido, culpa sua mulher pela própria insegurança e falta de objetivos na vida.

Eles moram na Itália, em um cenário seco e, ao mesmo tempo, idílico. O dentro contrasta com o fora. Canapés de veludo e sombras versus um terraço ensolarado, de onde se avistam muros seculares e árvores antigas.

E, quando chegam Paul (Jérôme Robart) e Elizabeth (Céline Sallette), amigos franceses, está montada a cena para que a tragédia tenha testemunhas.

A câmara de Garrel, propositalmente, aparece no meio dos personagens quando eles já falaram o que tinham que falar. Daí os muitos silêncios eloquentes que expressam o clima pesado.

Jovens intelectuais que são, Paul e Fréderic falam muito sobre política e arte, mas não concordam em nada. Fréderic é alguém que pinta sempre os mesmos quadros e pensa que já viu tudo. Paul, idealista mas pé no chão, distribue um jornalzinho comunista e trabalha como simples figurante no cinema para ganhar algum dinheiro. E ama Elizabeth enfrentando as complicações que aparecem, com um amor mais maduro e compreensivo com as carências dela.

Atores convincentes, direção segura, bela iluminação e drama que interessa a quem gosta de observar o ser humano. Assim é “Um Verão Escaldante”. Mesmo assim o filme divide a crítica.

Eu acho que a própria crítica perde muitas vezes o rumo e não entende um filme diferente dos habituais.

Zanin, que eu admiro, em seu “Diário de Veneza”, elogia Garrel, que diz ser um dos poucos naquele festival que entende de fazer cinema e malha a parte do público que o vaiou em Veneza:

“Não é apenas a qualidade dos filmes que despenca. É, sobretudo, a qualidade dos espectadores que está abaixo da crítica. Obs.:a sessão em que isso aconteceu era reservada a profissionais de imprensa e da indústria cinematográfica.”

Não faça como eles. Vá ver “Um Verão Escaldante”, se você é daqueles que gostam de um produto diferente dos “block busters” que cansam os espectadores mais sofisticados.