As Neves do Kilimanjaro

“As Neves do Kilimanjaro”- “Les Neiges du Kilimandjaro”- França, 2011

Direção: Robert Guédiguian

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Muitos anos separam as histórias de “Les Pauvres Gens” ou “Os Pobres”, conforme a tradução do poema de Victor Hugo (1802-1885), do filme “As Neves do Kilimanjaro”. Mas algo no poema, mexeu com o diretor de cinema francês, Robert Guédiguian e ficou em sua memória. Um dia, ele resolveu criar um roteiro que trouxesse para um filme seu, um final semelhante ao imaginado pelo grande escritor francês do século XIX. E conseguiu.

Guédiguian e Victor Hugo tem muito em comum. “Les Misérables” ou “Os Miseráveis”, o grande romance francês, tem um tema que é explorado também pelo cineasta com ideias políticas de esquerda, em “As Neves do Kilimanjaro”, mas que são compartilhadas com os humanistas em geral, já que são valores que não podem desaparecer de nossa cultura.

O personagem principal de “Os Miseráveis”, Jean Valjean, um homem bom mas que ficou muito tempo na prisão, é perdoado por um roubo praticado em nome de uma necessidade premente e isso o coloca no rumo certo de sua vida.

“As Neves do Kilimanjaro” é um filme simples, direto e aparentemente comum. Mas há algo novo aqui. O filme discute com sobriedade a ética pessoal. Os valores que guiam a conduta de cada pessoa e que podem mudar ao longo da vida.

Na história, em Marselha, o sindicato dos pescadores faz um trato com os patrões e resolve sortear os empregados que serão demitidos por causa da crise financeira.

Michel (Jean-Pierre Darroussin, excelente), o diretor do sindicato que poderia ter retirado seu nome da lista, mas não o faz, é sorteado e demitido. Como ele está perto de se aposentar, será difícil encontrar um novo emprego.

A sorte dele é que sua mulher Marie-Claire (a ótima Ariane Ascaride) trabalha e não vai faltar nada para essa família, com filhos crescidos e que tem vida própria.

O casal comemora as bodas de prata e todos do sindicato comemoram com um grande bolo de “profitérolles” e uma surpresa: passagem e dinheiro para gastar em uma viagem à Tanzânia, sonho do casal, que adorava a música de Pascal Daneli que canta, numa balada romântica, as neves do monte Kilimanjaro.

Mas um roubo faz soçobrar esse sonho…

E vamos ver as diferentes reações das pessoas que são prejudicadas. Alguns reagem com raiva e querem justiça rigorosa, outros vão se abrir à compaixão, exercer a solidariedade amorosa e desfrutar da gratidão.

É certamente um filme que faz pensar e nos aproxima de uma esperança: a descoberta do amor ao próximo.

Xingu

“Xingu”- Brasil, 2011

Direção: Cao Hamburger

 

Andar por terras em que ninguém andou… Esse era o sonho de três irmãos, nos anos 40, que vai mudar o destino de muita gente que vive ainda no coração do Brasil.

Eles são os descendentes dos donos da terra que Cabral descobriu para os portugueses mas nunca tinham sido respeitados. Eram milhões, morreram muitos no contato com os brancos mas, agora, graças aos Villas Bôas, os índios tem um território só deles, o Parque do Xingu.

“Eles nunca tiveram fronteiras mas agora, fronteira era a melhor coisa que eles poderiam ter”, escreve Orlando Villas Bôas no livro que conta a história dos irmãos, “A Marcha para o Oeste”.

O filme “Xingu”,inspirado nesse livro, mostra com beleza e emoção, o que foi a vida dos três irmãos que, um dia, resolveram ir atrás de uma aventura, a primeira expedição que levaria homens brancos ao Roncador- Xingu. Era 1943 e Getulio Vargas estava à frente do governo.

Claudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat), juntaram-se a peões e garimpeiros analfabetos e seguiram de avião de hélice rumo à floresta para fazer contato com os índios.

E, após o primeiro encontro, vencidos o medo e a estranheza, Orlando escreve:

“Para mim eles não era selvagens. Eu, simplesmente estava diante de outra civilização. O encontro mudou as nossas vidas para sempre.”

Cao Hamburger ( “O Ano em que Meus Pais Sairam de Férias” 2006) dirigiu “Xingu”acompanhando os irmãos defensores dos índios, fazendo com que os brasileiros que nunca tinham ouvido falar deles ou muito vagamente, fizessem essa descoberta.

Fazer contato era a missão deles. Com suas canoas a remo, cruzavam os rios de Mato Grosso, à procura de povos indígenas que nunca tinham visto um homem branco.

Mas os impecilhos, as decepções, a falta de apoio do governo, as lutas com os homens que cobiçavam as terras dos índios e pagavam para vê-los exterminados e as brigas entre os irmãos por causa das condições de vida que estavam longe da aventura sonhada inicialmente, são o recheio do filme.

Estamos num pedaço virgem do Brasil e o que restou dos povos da mata, amparados pelos Villas Bôas, iniciou em 1961 (ano em que terras da reserva são doadas por decreto do presidente Janio Quadros), um trabalho que irá culminar com a solidificação do Parque Nacional do Xingu, hoje uma realidade.

Cao Hamburguer, o diretor do filme diz:

“- Queria muito ter o ponto de vista dos índios nessa história, por isso fiz questão que participassem da pesquisa, contribuíssem no roteiro e trabalhassem como atores.”

Cao Hamburguer conseguiu com isso que o filme tivesse uma autenticidade necessária para dar peso à epopéia que é contada. E também chamar a atenção para a causa defendida.

Depois de “Xingu”, além da admiração pelo trabalho dos irmãos Villas Bôas, indicados ao prêmio Nobel em 1971, outro ponto importante é levantado: a questão dos povos indígenas ainda precisa ser mais amplamente discutida pelos brasileiros.

Como integrar o índio de maneira sensata, ao mesmo tempo respeitando sua cultura? É uma tarefa difícil, mas necessária, para a nossa geração e as futuras.