Habemus Papam

“Habemus Papam”- Idem, Itália/França, 2011

Direção: Nanni Moretti

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O Papa está morto.

O féretro expõe toda a pompa do Vaticano, recriada pelo olho atento da câmara de Nanni Moretti. A procissão fúnebre é acompanhada pelos cardeais em fila majestosa. Rendas, ouro, vermelho. A guarda suíça reluz em seus uniformes medievais.

Como cenário para o conclave que elegerá o novo Papa, os afrescos sublimes da Capela Sistina, com seus preciosos mármores trabalhados e madeiras nobres.

Para a eleição do novo pontífice, cento e oitenta cardeais do mundo inteiro estão reunidos e isolados do mundo, que espera a fumaça branca lá fora, na Praça São Pedro, com sua colunata célebre, obra do arquiteto da Basílica, Michelangelo, artista maior.

Em meio a toda essa grandiosidade, o cardeal Melville (Michel Piccoli) é focalizado durante a contagem de votos. Ouvimos seus pensamentos:

“Por favor, Senhor, eu não. Não posso. Não permita que eu seja eleito!”

Ora, no mundo atual, fama e poder são ”commodities” pelas quais a maioria paga qualquer preço. Causa estranheza, portanto, um homem que as recusa. Só pode ser louco ou boçal.

E quando se trata de um Papa que, eleito, aceita o posto com um olhar angustiado e que depois se recusa a subir na sacada para saudar o povo que lota a praça… Está criado um impasse nunca visto.

Nanni Moretti, o diretor premiado no Festival de Cannes pela melhor direção em “Caro Diário” (1993) e que ganhou a Palma de Ouro por “O Quarto do Filho” (2001), realiza em “Habemus Papam” um trabalho original, com um roteiro que privilegia um humor fino e sofisticado. O riso cúmplice é preferido às gargalhadas.

Para resolver a questão da angústia do Papa é chamado um psicanalista narcisista e sarcástico (o próprio Nanni Moretti). A ironia transborda de suas falas, às voltas com a etiqueta e as normas travadas do Vaticano.

Mas quem mais brilha em toda essa trama é aquele que não quer ser Papa, o cardeal interpretado por Michel Piccoli. Aos 86 anos, semblante suavizado pela passagem do tempo, o ator fetiche de Buñuel causa arrepios com sua interpretação de carne e osso. Humano, muito humano é o Papa de Moretti que Piccoli realiza com beleza e suavidade.

Frente a um mundo conturbado e difícil, eleito quase que à sua revelia, esse homem simples e sincero, recusa o que sabe que não é para ele. Rara qualidade nesse mundo de poderosos sem auto-crítica e pouco respeito pelo cargo que ocupam.

Seu contraponto, o porta-voz do Vaticano, papel de um ótimo Jerzy Stuhr, mostra a bizarrice que acontece quando tudo não corre como se prevê.

Nanni Moretti realiza, mais uma vez, um filme pouco comum. Faz rir com sobriedade. E é comovente o silêncio que se instala na platéia frente a um final obrigatório.

Vá você também admirar esse filme que é uma lição de humildade e sabedoria.

O Porto

“O Porto”- “Le Havre”, Finlândia/ França /Alemanha, 2011

Direção: Aki Kaurismaki

Assassinato? Inspetor da polícia todo de preto e chapéu?

E que brutalidade… O engraxate, um senhor entrado em anos, elegante mas com roupas puídas, é expulso da frente de uma loja de sapatos finos …

O estranhamento que o filme “O Porto” causa no início, começa a fazer algum sentido quando acompanhamos o engraxate até a sua casa e conhecemos sua vizinhança, pobretona e antiquada.

Lá estão a dona do bar, Claire, de cabelos brancos e ainda bonita que diz para o engraxate, com simpatia:

“- Você não merece sua mulher, Marcel!”

O quitandeiro e a dona da padaria nos fazem saber, também simpáticamente, das contas “penduradas” de Marcel Marx (o ótimo André Wilms), ex-escritor que agora mora em Le Havre, cidade portuária no norte da França, com a mulher finlandesa Arlétty (Kathy Outinem) que está doente.

Há uma visível decadência em tudo. Os personagens são envelhecidos e pobres, ainda que pela postura e modo de falar, percebemos que conheceram dias melhores.

Tudo parece indicar que voltamos no tempo.

Melhor metáfora não poderia ser encontrada para retratar a França atual, às voltas com uma grave crise econômica.

Isso para não falar de outro problema grave e contemporâneo: o povo que vem do continente africano, que os europeus tanto exploraram nos séculos passados.

E o filme encontra seu foco.

“O Porto” tem como tema a imigração clandestina, que traz da África o menino Idissa (Blondin Miguel), que vai comover Marcel Marx a ponto de fazê-lo coordenar todo um plano de ajuda ao menino do Gabão, que quer ir para Londres encontrar a mãe.

Aki Kaurismaki, diretor e roteirista, toca seu filme avante na forma de uma fábula moral em torno à solidariedade e ao altruísmo que existem nas pessoas e que só aparecem quando há uma causa forte a ser defendida.

De quebra, da viralata Laika (lembram-se da cadelinha russa mandada para o espaço?) ao nome do ex-escritor Marcel Marx (o mesmo nome do escritor de “O Capital” e do comediante Groucho Marx), há toda uma coleção de homenagens que os cinéfilos cultos vão perceber no filme.

Os menos informados, mas sensíveis, vão notar o proposital colorido nostálgico de tudo, as interpretações quase teatrais, o nome do inspetor, que é o mesmo do pintor Monet e a mulher do engraxate que se chama Arlétty, como a famosa atriz dos começos do cinema francês.

“O Porto” ganhou o prêmio da Federação Internacional dos Críticos no último Festival de Cannes que reconheceu seu valor artístico e sua coragem em apontar o grave problema social da imigração clandestina.

Enquanto os governos não encontram uma solução, no mínimo mais humanitária que a deportação, cineastas como Kaurismaki ajudam as pessoas a imaginar-se mais solidárias e até amorosas com os estrangeiros, expulsos de sua terra natal por fatalidades incontornáveis.

“O Porto” é um filme sensível e divertido que acredita nos homens de boa vontade e em milagres. E você? Recomendo contaminar-se com o otimismo do filme de Aki Kaurismaki. Faz bem.