A Dama de Ferro

“A Dama de Ferro” – “The Iron Lady”, Inglaterra/França 2011

Direção: Phyllida Lloyd

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Ela parece estar perdida numa neblina. Lembranças e realidade alternam-se indistintamente. Seus olhos, que antes eram azul-aço, se apertam, embaçados.

“- Bom dia Lady Tatcher! Tudo bem? Vamos falar sobre seus encontros de hoje?”, diz a secretária Susie, entrando no apartamento da velha senhora pela manhã.

Mas ela não está lá. Sentada no teatro, escuta Maria cantar “Shall We Dance?” no musical “The King and I“. Rodopiam no palco e ela se encanta, tamborilando os dedos no ritmo da valsa alegre.

Denis, seu marido fala qualquer coisa, ela se vira mas ele sumiu e ela não está mais no teatro.

Uma pilha de livros espera por seu autógrafo. Senta-se na escrivaninha e começa a tarefa. Assina Margareth Tatcher muitas vezes até que um Margareth Roberts nos surpreende.

Em um “flashback”criado por sua mente, a vemos muito jovem com os pais, debaixo de uma mesa, durante um bombardeio alemão a Londres durante a Segunda Guerra.

E logo o pai diz a ela:

“- Vá pelo seu próprio caminho. Não me desaponte Margareth!”

“- Ganhei uma bolsa para Oxford”, diz ela orgulhosa ao pai.

Mas a cena se dissipa e é a secretária que fala sobre algumas pílulas que ela deixara de tomar.

Algo a ver com ficar lúcida.

Mas como? E nunca mais ser jovem e entusiasta, casada com Denis, dez anos mais velho que ela e ter um par de gêmeos?

Nunca mais ter 49 anos e tornar-se a primeira mulher na história da Inglaterra a liderar um partido político e quatro anos depois tornar-se a primeira mulher do Ocidente a ser Primeiro Ministro? Nunca mais morar no 10, Downing Street que foi a sua casa por onze anos?

É pedir demais para a velha senhora que, sem o seu passado, torna-se inútil para si mesma.

Ela, que os russos apelidaram de “Dama de Ferro” e de quem o presidente Mitterrand da França dizia: “Ela tem olhos de Caligula e boca de Marilyn Monroe”? Ela, que tinha vencido aqueles que a chamavam de “filha do quitandeiro” e a discriminavam por suas origens humildes?

Não. A lucidez tira dela o poder.

“- Você tem que lembrar-se de que não é mais a Primeira Ministra, mamãe”, diz a filha.

Tiraram tudo dela… Até o amado filho Mark que vive na África do Sul.

Não. O que ela mais quer é viver no passado com sua glória.

Em sua 17ª indicação ao Oscar, Meryl Streep criou um corpo para essa senhora e parece que a reencarna, vivendo dentro desse corpo inventado. Dos 49 anos aos 86, Meryl Streep é Margareth Tatcher, numa atuação assombrosa.

Phyllida Lloyd, que dirigiu “Mamma Mia!”, seu primeiro longa, no qual Meryl Streep canta e dança, teve o prazer de ter essa atriz extraordinária de novo com ela.

O roteiro de Abi Morgan é um achado. Faz o filme ser um relato na primeira pessoa, em “flashbacks”que trazem de volta o passado de alguém que comandou uma nação.

Amada e odiada pelos ingleses, ela deixou sua marca na História.

E é assim que ela quer se lembrar de si mesma.

Apesar de não comungar com suas idéias políticas, Meryl Streep entendeu a personagem, uma rainha sem coroa mas com poder que, no fim, qual um rei Lear destronado, vaga, alucinando uma vida que acabou, em um apartamento em Londres.

Grande história, grande atriz.

J. Edgar

“J. Edgar”- Idem, Estados Unidos 2011

Direção: Clint Eastwood

Ele não era qualquer um. Nada mais nada menos do que o homem que comandou o FBI por 48 anos (1924-1972). Demasiado humano, com tudo que isso pode significar, assim Clint Eastwood nos apresenta J. Edgar Hoover (1895- 1972), seu personagem em seu último filme.

Com “flash-backs” e em tons quase sépia, John Edgar Hoover nos é mostrado em um vasto painel de atuações.

O roteirista, Dustin Lance (Oscar por “Harvey Milk”), conta-nos do menino, esperança da mãe na “reabilitação do nome da família”, ao homem velho que precisava de injeções de estimulantes, todos os dias, na ânsia de reconquistar o vigor dos primeiros anos.

Dirigido por sua paranóia pessoal, Hoover demonizava “os inimigos do país”. Eram reais? Não importava. Assim via os comunistas, estrangeiros, anarquistas e depois os gângsters, os Roosevelt, os Kennedy, Martin Luther King, Nixon, muitos.

Tirânico e implacável, com seus arquivos secretos mantidos a sete chaves pela fiel escudeira Miss Gandy ( Naomi Watts), chantageou e calou muitos poderosos.

De um garoto obcecado em tornar-se um homem forte, como queria sua mãe, ele chegou a ser chefe dos novos gladiadores, os G-Men dos quadrinhos e do cinema.

E os comandava com mão de ferro, como se fossem soldados e ele o general. Mandava e gostava de ser a obedecido à risca.

Clint Eastwood não acusa nem desculpa Hoover. Não força conclusões. Humaniza o personagem. E pontua sua história com a música que ele mesmo compôs para o seu filme.

Mas Eastwood nos revela também as fragilidades de J. Edgar, magistralmente interpretado por um Leonardo Di Caprio irreconhecível e em tudo lembrando o personagem da vida real. Parece mentira que não foi indicado para o Oscar de melhor ator…

Siderado pela mãe narcisista (Judi Dench, atriz impecável), o menino fugia do modelo de um pai fraco e demente. Queria brilhar aos olhos dela e foi com muita luta interna que não se dobrou aos seus desejos de casá-lo.

Identificado aos sonhos de perfeição projetados nele pela mãe, foi com muita dor que aquele homem se entregou ao desejo e ao amor que sentiu por seu companheiro da vida toda, Clyde Tolson (Armie Hammer), o segundo homem do FBI. A mãe quase o convenceu que aquilo que ele sentia era mau.

Assim J. Edgar é visto pelo roteirista e diretor do filme.

Mas não há certezas sobre essas histórias do “amor que não ousa dizer o seu nome”, como querem os puritanos.

Porém, caso isso tenha acontecido assim, o amor não fez J. Edgar melhor. No máximo acrescentou um pouco de vida social e mais humor ao homem de feições carregadas, desanuviando talvez algumas rugas de sua testa sempre franzida.

Em seu quarto, onde morreu, vemos em imagens a história íntima desse homem: a mãe, entronizada, sorri na moldura preciosa, damascos sedosos cobrem a cama de dossel, soldados greco-romanos em estátuas de bronze, espadas desembainhadas, protegem-no de seus inimigos como se fossem arcanjos.

Só não puderam poupá-lo da morte. E, a esta altura, J. Edgar era um dinossauro, fadado à extinção.

Essa história íntima, de um homem que foi uma lenda americana, mereceria mais aplausos da Academia de Cinema pelo diretor, roteirista e ator excepcionais. Mas, talvez, eles ainda representem os puritanos. E, se assim for, a injustiça vira um elogio.