Tomboy

“Tomboy” – França, 2011

Direção: Céline Sciamma

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Quando eu era pequena, me lembro de uma página dupla de um livro que mostrava, de um lado um menino, de outro uma menina.

A menina, sentada num banco elegante de jardim, rodeada de flores, estava com um vestido de festa cor de rosa e borboletas e pássaros voavam ao seu redor.

O menino, sentado num banco tosco, vestido de camiseta e calça curta, ostentava vários arranhões e esparadrapos nas pernas nuas, estilingue no bolso e, ao seu redor, aranhas e lagartos passeavam num jardim mal cuidado.

Estranhamente, a página do menino chamava mais a minha atenção. Havia um ar de liberdade e vitória naquele queixinho provocador que me fascinava.

A menina era bonita e chata, o menino ia contra as regras. Um vitorioso, com muitas aventuras para contar, pensava eu.

E é claro que eu brincava de cowboy vestida de calça rancheira, cinturão com revólver, chapéu e estrela de xerife no peito. Isso é ser moleca, uma “tomboy” da minha época.

E lá se vão 50 anos. E eu não deixei de ser mulher por causa disso. Mas lutei minhas lutas com coragem.

Acho que é sobre esse tema que Céline Sciamma trabalha nesse filme delicado, sem dramas amargos mas com indagações e tentativas de escolha de papéis na sociedade.

Na Europa, onde a sexualidade das crianças não é estimulada precocemente, a escolha entre ser menino ou menina na pré-adolescência, é possível. Pode ser uma simples fase na vida.

Participar com músculos e coragem das lutas e jogos ou ser sómente uma admiradora que fica de fora, parece ser o dilema de Laure/Michael, a personagem título do filme.

Mas fica claro também que Laure não se afasta do universo feminino. Vide a sessão de maquiagem com Lisa. Ali aparece um prazer inesperado.

O mais importante é que o filme “Tomboy” não quer analisar nem prever o que vai acontecer com aquela criança. Quer no máximo mostrar, com grande talento, que a condição feminina pode assustar uma menina, principalmente se a mãe está grávida e tem que ficar na cama. E aí, ela pode querer fugir para o universo masculino que lhe parece mais atraente.

Talvez em alguns anos isso tenha ficado para trás, como diz o pai de Laure, muito afetivo e compreensivo.

Zoé Héran faz o papel de Laure/Michael com grande naturalidade e força emotiva. A irmãzinha também é um talento (Malonn Sévana).

Todo o elenco de crianças é dirigido e focalizado com graça e sem retoques pela diretora e roteirista.

É essa delicadeza, esse respeito pelo ser humano criança, o que mais encanta no filme “Tomboy”. Um filme que não levanta bandeiras nem faz apologias disso ou daquilo.

Simplesmente mostra e faz pensar.

 

Tudo pelo poder

“Tudo pelo Poder”- “The Ides of March”, Estados Unidos 2011

Direção: George Clooney

O rosto bonito de Ryan Gosling, o ator do momento em Hollywood, recita em “close”e, estranhamente sem convicção, palavras que soam ocas, em um microfone:

“Não sou cristão, não sou ateu. Não sou judeu nem muçulmano. Minha religião é a Constituição dos Estados Unidos da América.”

Acendem-se as luzes. É um estúdio de televisão. Lemos em um cartaz que vai haver o debate das Primárias em Ohio, na campanha para a presidência do país.

“- Para onde vai Ohio, vai a nação”, diz o locutor de TV que apresenta o noticiário.

Mas Ryan Gosling não é o candidato. Ele estava fazendo o teste de som para o discurso de Mike Morris (George Clooney), o
governador em exercício, que quer ser presidente dos Estados Unidos.

E, o mais irônico, é que foi Stephen Myers (Ryan Gosling), que escreveu aquele discurso que o candidato recita depois, de modo dramático, frente às câmaras. Steve, como todos o chamam, é apenas um assessor da campanha. Mas é o centro da trama de “Tudo pelo Poder”.

Ao longo de “Tudo pelo Poder” vamos ver os bastidores de uma campanha política. E, nesse sentido, o filme trata menos de
política e mais de politicagem.

O elenco, composto por atores extraordinários, vai brilhar no embate de egos, traições, interesses escusos, troca de favores, maquiavelismos e “limpeza de sujeira”, pratos principais da campanha eleitoral do candidato democrata.

Baseado numa peça de teatro de Beau Willimon, o roteiro, que teve a contribuição de George Clooney que também dirige e atua, tem diálogos interessantes e inteligentes entre os homens do comitê do candidato. Phillip Seymour Hoffman e Paul Giamatti dão um “show”de atuação à parte.

Já Marisa Tomei, que faz Ida, uma jornalista investigativa e Evan Rachel Wood, a estagiária bela e bobinha, não tem maior
destaque porque seus personagens são pouco trabalhados no roteiro. Conseguem uma ou duas cenas e só.

O foco principal está sempre em Steve Myers. Idealista e convicto de que o governador é o melhor candidato, vamos ver Ryan
Gosling interpretar um homem que sofre uma transformação radical ao longo da história. Não é à toa que o filme começa e termina com a câmara fazendo “close”em seu rosto.

“Tudo pelo Poder”, a tradução brasileira entrega o filme. Mais sutil e pretencioso é o título em ingles, “The Ides of March”, que
faz alusão a Shakespeare e sua peça “Julio Cesar”.

George Clooney, como ator, dessa vez aparece pouco e sem brilho. Parece que concentrou todas as suas forças na direção e roteiro.

“Tudo pelo Poder” consegue interessar o espectador, apesar de alguma ingenuidade e superficialidade, principalmente quando envereda para o melodrama do “grande segredo”do candidato a presidente.

Já foi indicado para o Globo de Ouro e é um filme que certamente vai ser candidato a vários Oscars. Pode ser que dessa vez Ryan
Gosling ganhe o seu.