O Dia em que Eu Não Nasci

“O Dia em que Eu Não Nasci”- “Das Lied in Mir”, Alemanha/Argentina, 2010

Direção: Florian Micoud Cossen

Oferecimento Arezzo

Destino? Acaso? Motivações inconscientes?

O caso de Maria (Jessica Schwarz) é intrigante.

A nadadora alemã, de trinta anos, chega a Buenos Aires a caminho do Chile, onde vai participar de uma competição e é informada que deverá esperar pelo vôo de conexão para Santiago.

Sentada no saguão do aeroporto, de chofre, sente-se estranhamente emocionada ao escutar a canção de ninar que a mãe ao lado canta para o seu bebê.

Ora, Maria é alemã, não fala espanhol e, no entanto, é como se conhecesse aquelas palavras… Cantarola junto quase que mecânicamente, repete o que ouviu sem entender mas sentindo uma emoção real que a leva ao choro.

Corre ao banheiro, lava o rosto, olha-se no espelho. Aquilo mexeu com ela. Como explicar?

O tempo parece que pára. Ela fica mais tempo do que queria na frente daquele espelho.

Quando sai do banheiro, seu vôo partiu. Perdeu a conexão. O único avião para Santiago naquele dia.

Não lhe resta outra opção, senão esperar na Argentina. Terá que pernoitar em Buenos Aires.

E, a partir daí, Maria vai perder o passaporte, terá sua vida posta de cabeça para baixo e conhecerá segredos sobre ela mesma que a assustam e seduzem ao mesmo tempo.

Buenos Aires, a cidade que ela vê através de um vidro destorcido no inicio do filme, vai se mostrar a ela de uma maneira nítida e inesperada.

Estrangeira mas também acolhedora e próxima, a cidade a atrai. E ela não sabe o porquê desse sentimento desconhecido que brota em seu coração.

Ao longo do filme vamos ver Maria refazer a própria identidade, descobrir que não é quem ela pensou que foi e se deparar com o preço de procurar saber a verdade a qualquer custo.

A questão levantada pelo filme é candente e não tem uma resposta imediata e fácil.

Seguimos Maria de perto e vemos como ela se debate entre uma tomada de posição radical e outra que leva em conta a fragilidade e a carência de pessoas que foram egoístas mas pensaram estar fazendo o bem.

O diretor estreante Florian Micoud Cossen, alemão nascido em Israel, é também co-autor do roteiro que lida com questões que tocam de perto a todos os que foram vítimas de atrocidades cometidas por governos carrascos. E levanta perguntas que não são respondidas de forma unânime.

Revanchismo ajuda a confortar a quem foi alvo de crimes sem perdão? O passado pode ser resgatado por quem perdeu o cenário de onde foi retirado à própria revelia?

E mais. Devemos procurar esquecer ou lembrar? Perdoar ou punir?

Não apenas a cruel ditadura militar argentina está sendo objeto de tais perguntas. Porque o diretor leva-nos a expandir as indagações e a nos perguntarmos mais.

Belo filme que nos coloca a todos para pensar sobre tantas questões difíceis mas vitais.

Meu País

“Meu País”- Brasil, 2011

Direção: André Ristum

 

“Meu País”- Brasil, 2011

Direção: André Ristum

 

O prólogo de “Meu País” já anuncia que o passado será o lugar no qual se procura a lembrança do que não se tem mais.

O velho pai (Paulo José) sonha angustiado com crianças brincando na praia. A mãe está lá também? Não sabemos dizer, porque as imagens são distorcidas, borradas.

Enquanto o pai afunda no coma, os filhos são mostrados, cada um qual é. Tiago (Cauã Reymond), o mais novo, na farra. Mulheres, jogo e champagne. Marcos (Rodrigo Santoro), o mais velho, em Roma com a mulher italiana (Anita Caprioli), chegando do trabalho na empresa da familia dela.

A morte do pai traz Marcos e sua mulher para o Brasil. A casa patriarcal os acolhe com todas as suas lembranças.

Os irmãos se encontram novamente. Há ternura no abraço . Mas são tão diferentes…

No cemitério vemos que a mãe deles já está lá no jazigo familiar, há muito tempo.

E é essa falta, esse luto, a procura do que se perdeu e se quer recuperar, que é o coração do filme “Meu País”, primeiro longa de André Ristum.

Um segredo bem guardado vai revelar aos irmãos um lado desconhecido do pai deles e, assim, ficamos conhecendo melhor os dois. O legado do pai é afetivo e cada um vai reagir conforme o que escolheu até aqui na vida.

Obrigatóriamente, uma nova estrutura familiar terá que ser buscada, apesar de todas as dificuldades.

O exílio, usado no filme em sua acepção mais abrangente, é ser expulso do lugar de origem, para Marcos não só o Brasil mas o país da infância.

A história da recuperação do passado vivido e do não vivido, marca o amadurecimento de Marcos e Tiago. É um recomeço.

O filme “Meu País” tem sido premiado e elogiado por onde passa. O diretor André Ristum, filho do também diretor de cinema Jirges Ristum, valeu-se de sua biografia para contar a história do seu filme. Assim como Marcos, ele nasceu no Brasil e viveu um tempo no Itália. Durante a ditadura militar seu pai foi perseguido e passou 12 anos exilado na Europa com a família. Voltou ao Brasil em 1984, para morrer.

A fotografia do filme, assinada por Helcio “Alemão” Nagamine, surpreende porque não é natural em nenhum momento. É como se as imagens fossem vistas em um álbum antigo com fotos desbotadas. Contribue assim para criar o clima buscado pelo diretor.

“Meu País” é principalmente um filme de atores e conta com um elenco de destaque. Rodrigo Santoro, esbanjando classe, beleza e um italiano perfeito. Cauã Reymond, com seu talento natural empresta rebeldia e bom coração ao seu personagem e Debora Falabella dosa com doçura o impacto que causa sua presença na tela.

“Meu País” é um filme em “closeup” que procura o íntimo de cada personagem. Quem tem sensibilidade para esse tipo de viagem, vai gostar.