Borboletas Negras

“Borboletas Negras”-“Black Butterflies”, África do Sul/Alemanha/ Holanda, 2011

Direção: Paula van der Oest

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A África, o “Continente Negro”, certamente guarda em segredo muitas histórias que ainda vão ser contadas. Pouco a pouco, o cinema ajuda a nos familiarizarmos com figuras quase desconhecidas por aqui.

Assim foi, recentemente, com Nelson Mandella, no filme “Invictus” (2010), dirigido por Clint Eastwood. Ficamos sabendo mais sobre a vida daquele que seria o primeiro presidente eleito da África do Sul.

Em seu discurso de posse em 1994, Mandella leu o poema “The Dead Child of Nyanga” de Ingrid Jonker, chamando-a de “africâner e africana”, louvando-a como uma mulher que, apesar de branca, clamou contra as injustiças sofridas pelo povo negro na África.

Um pouquinho de história para entendermos melhor essa frase de Mandella.

Africâners são os descendentes dos holandeses, chegados no século XVII no sul da África, e ingleses, franceses e alemães que vieram depois. Esses indivíduos desenvolveram uma cultura e língua própria. Lutaram contra as tribos de negros nativos e, depois de conquistar a costa, adentraram a terra, fundando repúblicas independentes, que foram unidas em 1910, com o nome de União da África do Sul.

O “apartheid”, regime de segregação racial, que tirava direitos civis dos negros, foi imposto em 1948, por um governo de africâners.

Voltando a “Borboletas Negras”, dirigido pela holandesa Paula van der Oest, o filme vai nos apresentar a essa mulher de quem falou Mandella, “africâner e africana”, espírito sensível e rebelde que, presenciando uma cena de rua na qual um menino negro morre por uma bala de um policial, escreve o poema que a fez conhecida até fora da África e que Mandella leu em seu discurso inaugural.

E sua história é triste. Nascida em 19 de setembro de 1933, ela teve uma vida breve e intensa. Morreu em 1975.

Viveu com a avó até sua morte e depois foi morar com a irmã menor e o pai. Casou-se, teve uma filha e separou-se logo.

Uma praia selvagem de Cape Town quase a afogou em 1960, quando foi salva das águas por Jack Cope, escritor bem mais velho que ela e que foi seu grande amor.

A morte da mãe em um hospital psiquiátrico quando ela era pequena e a relação tumultuada com o pai Abraham (Rutger Hauer), conservador e presidente do comitê de censura às publicações no país, marcaram profundamente Ingrid (vivida na tela cm intensidade pela excelente atriz Carice van Houten).

Ela foi uma alma atormentada, que buscava um lar e um amor, mas que não conseguiu encontrar a paz necessária para vivê-los.

Seu talento, entretanto, permanece em seus poemas.

“Borboletas Negras”, palavras tiradas de um desses poemas, nos apresenta a mulher que foi Ingrid Jonker, com todo o seu desespero existencial mas também com o espírito de justiça que ela tinha com os pobres donos da terra onde ela nasceu.

 

Além da Estrada

“Além da Estrada”- “Por El Camino”, Brasil/ Uruguai, 2010

Direção: Charly Braun

Como se preserva uma boa lembrança?

Essa parece ter sido a intenção do jovem diretor Charly Braun, quando filmou “Além da Estrada”, seu primeiro longa, do qual foi também co-autor do roteiro.

O Uruguai, país de sua avó e onde mora seu pai, lugar de suas férias de verão, é aqui um território afetivo e sentimental mais do que geográfico e turístico.

Há uma história simples, ingênua até. Um argentino ruivo de 30 anos (Esteban Feune de Colombi) chega a Montevideo para iniciar uma viagem que o levará ao terreno que seus pais, mortos em um acidente de carro, deixaram para ele como herança.

No caminho, Santiago dá carona a uma jovem belga, Juliette (Jill Mulleady), que procura um antigo namorado que ela sabe que vive numa comunidade perto de Punta Del Este.

Pela estrada, esses dois vão se conhecendo, brincando juntos, trocando olhares e descobrindo a paisagem.

Aos olhos deles descortinam-se os imensos campos brumosos, as praias com um mar cinzento sob um sol pálido, as grandes pedras e os cactus floridos, ruínas, nuvens carregadas no céu, animais e homens toscos. Tudo vai passando, fixado na película para sempre.

Não há pressa, nem nos personagens nem na câmara do diretor, que vai mostrando o “seu” Uruguai, lugar que ele não quer esquecer e que parece estar fadado a se tornar um outro país, com a chegada de gente nova que compra terras para fazer condomínios.

Há uma despedida inevitável em “Além da Estrada”.

Perde-se o passado, a infância e até o presente, se não se abre o olho, como aconselha tio Hugo (Hugo Arias), que mora numa fazenda em uma belíssima casa de pedra.

“Além da Estrada”ganhou o prêmio de melhor direção no Festival do Rio em 2010, o de melhor filme no I Festival Lume de Cinema Internacional e o do público em Saint Petersburg na Rússia.

A bela Guilhermina Guinle, irmã de Charly Braun por parte de mãe, faz uma participação charmosa no filme. Naomi Campbell, a “top model”, também aparece fazendo ela mesma.

Na cena final, uma antiga ponte inacabada, que vai ser demolida para a construção de uma nova, é uma metáfora para a vida que só acaba com a morte.

Quem viveu os momentos felizes que Charly Braun viveu na infância, ao lado do pai Martin e da mãe, a suave Rosa May, nas praias do Uruguai (cenas de vida real que vemos em filminhos que passam durante os créditos finais), ainda vai ter muita coisa para viver e histórias para contar.

Que venham os próximos filmes, para você continuar a nos encantar com o seu talento promissor, Charly Braun.