Uma Doce Mentira

“Uma Doce Mentira”- “Des Vraies Mensonges”, França, 2010

Direção: Pierre Salvadori

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A filha é magrinha, cabelos negros e curtos, com aquele sorriso tão característico de Audrey Tautou, que já nos conquistou no papel de Amélie Poulain.

A mãe tem uma beleza madura, cabelos alourados, silhueta desejável e aquele “je ne sais quoi” que as francesas esbanjam.

Ora, mãe e filha, costumam ser um par complicado. Quase sempre, sentimentos conflitivos e ambivalentes cercam essas duas mulheres. E quando isso é bem usado em um roteiro, já temos meio caminho andado.

Em “Uma Doce Mentira”, a nova comédia romântica francesa de Pierre Salvatori, vamos assistir a vários qüiproquós envolvendo Émilie, a filha (Audrey Tautou) e Maddy, a mãe (a veterana e ainda bela Nathalie Baye).

Na tradição da comédia francesa, como em Feydeau, preparem-se para uma série de trapalhadas que aproximam e afastam os personagens. No caso, a jovem cabelereira que parece frágil mas se faz de durona, sua mãe que não se conforma com a separação que aconteceu há quatro anos e Jean (Sami Bouajila), o moço tímido que mexe com o coração das duas.

Cartas anônimas de amor circulam para lá e para cá entre esse trio, na cidadezinha de Sète, à beira-mar, no sul da França.

E é tudo na melhor das intenções. Mas algo dá errado e vamos percebendo que as confusões envolvendo mãe e filha são fruto de nós mal resolvidos. Felizmente, aqui não encaramos a tragédia, porque o filme é uma comédia leve, divertida e sobretudo charmosa.

As situações engraçadas de “Uma Doce Mentira” fazem a platéia rir com gosto e, diferente de um outro tipo de comédia muito em voga hoje em dia, não precisam para isso que alguém seja ridicularizado ou que se use uma linguagem vulgar.

Trata-se de uma comédia que brinca com traços comuns nas pessoas como a timidez, a sensação de inferioridade frente a alguém mais estudado que nós, a dor de ser abandonado e trocado por outra pessoa mais jovem, a teimosia em não querer reconhecer que estamos envolvidos com alguém por puro medo do amor, coisas simples de gente como a gente. Pitadas de ciúmes, maldadezinhas e vinganças temperam as muitas reviravoltas.

E é original a cena na qual ouve-se uma confissão atrás de uma cortina, à qual assistimos acompanhados de outros dois personagens. Um cinema dentro do cinema.

Pierre Salvadori, diretor e co-autor do roteiro, sabe fazer bem esse gênero de comédia leve, bem humorada, com personagens de carne e osso, interpretados por atores que convencem por seu talento e sua entrega aos tipos que vivem na tela.

“Uma Doce Mentira” agrada e deixa todo mundo de bem com a vida na saída do cinema. O que não é pouca coisa.

Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual

“Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual” – “Medianeras”, Argentina/Espanha/Alemanha, 2011

Direção: Gustavo Taretto

 

Perfis de edifícios na noite. De dia, prédios e mais prédios escondendo o horizonte. Uma cidade que poderia ser São Paulo mas é Buenos Aires.

Ouvimos a narração em “off ”:

“Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. Sem nenhum critério constroem-se milhares de edifícios. Estilos diferentes convivem lado a lado.”

A voz acrescenta uma reflexão:

“Essas irregularidades estéticas nos refletem. Porque nossa vida é assim. Irregularidades estéticas e éticas.”

E pergunta: “O que esperar de uma cidade que dá as costas ao rio?”

Ao longo de três capítulos (Outono Curto, Inverno Longo e Finalmente Primavera), o filme “Medianeras” vai contar, com humor e leveza, através das banais pequenas tragédias quotidianas, as histórias de Martin (Javier Drolas) e Mariana (a bela espanhola Pilar Lopez de Yala). Os dois tem menos de 30 anos, são solteiros, belos e moram na mesma avenida. Esbarram um no outro mas se desencontram o tempo todo.

Ele vive na internet, desenha “sites” e quase não sai de casa. Quando isso acontece, leva uma pesada mochila nas costas, como se fosse passar perigo de vida numa selva. Luta contra a insônia. O único ser vivo que lhe faz companhia é Susú, a cadelinha da noiva que foi embora e não voltou.

Ela é arquiteta mas nunca construiu nada. Virou vitrinista e não consegue arrumar o apartamento para onde se mudou. À sua volta, em vinte e sete caixas de papelão, está embalada toda a sua vida. Acabou um relacionamento de quatro anos. Tem medo de elevador. O livro preferido é “Onde está Wally?”. Ela já achou todos, menos o da cidade. Procura com lupa e se desespera. Chora quase todo o dia.

Esses dois tem muito em comum: são solitários, moram em “caixas de sapato”(kitinetes), procuram alguém para amar e seus corações estão feridos por amores que não deram certo

E são vizinhos. Mas são como o sol e a lua. Um encontro impossível? Ou previsível?

Tudo começa a mudar quando ambos abrem janelinhas na “medianera” de seus edifícios. Naquela parede lateral que é usada para colocar anúncios imensos.

Gustavo Taretto, 45, faz sua estréia com esse longa. O filme já foi sucesso no Festival de Berlim, o que garantiu sua distribuição pelo mundo todo. Em Gramado levou três prêmios: melhor longa estrangeiro, melhor diretor e melhor filme pelo júri popular.

“Medianeras”agrada porque é sutil, engraçado sem apelações, triste sem ser pesado e fala de amor.

A inspiração do diretor e roteirista em Woody Allen é explícita. Vemos uma passagem de “Manhattan” nas TVs dos vizinhos, cada um em seu canto. Um jovem Woody Allen se encanta com Mariel Hemingway, ainda uma ninfeta.

E a gente fica torcendo por Mariana e Martin.

“Medianeras”mostra que seres humanos sempre buscam a mesma coisa. A diferença em nossos dias é que a internet pode ajudar ou atrapalhar.

Encontrar o que se procura vai depender da sorte e do talento de cada um. Não é verdade?