Onde está a Felicidade?

“Onde Está a Felicidade? “- Brasil, Espanha, 2011

Direção: Carlos Alberto Ricelli

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Todo mundo já se acostumou a ver o rosto bonito, os olhos turquesa e ouvir a fala mansa de Bruna Lombardi na TV e no cinema. Ela fez muitas mini-séries e novelas, a primeira delas em 1977, “Sem Lenço nem Documento”, de Mário Prata.

Mas sua estréia foi como modelo, em 1967.

É poeta e romancista e o primeiro de seus oito livros, todos esgotados nas livrarias, é de 1976, “No Ritmo Dessa Festa”.

Com 59 anos bem vividos, Bruna não parece ter mais que 45. Inteligente, não foi atrás da moda de preenchimentos estranhos e exibe um corpo de garota.

E o mais impressionante de tudo isso é que consegue manter um casamento com o primeiro marido, Carlos Alberto Ricelli, há décadas, num meio conhecido pelos romances “flash”.

Aliás, em “Onde Está a Felicidade”, o filme que ela estrela, roteiriza e produz, enquanto seu marido a dirige, abram alas para Kim, filho do casal, que herdou a beleza dos pais e tem carisma na tela, que dá para perceber, mesmo na pequena ponta que ele faz. O gato promete.

Nessa produção familiar, que aproveita a moda das comédias brasileiras, que estão lotando cinema, o roteiro bem escrito por Bruna Lombardi faz o público se divertir.

A história gira em torno de Teodora, a Teo, que tem um programa de culinária afrodisíaca na TV, chamado de “A Receita do Amor”, onde ela aparece vestida, maquiada e penteada como uma “paquita” brega.

Ela é casada com Nando (um ótimo Bruno Garcia), comentarista de futebol na TV, que está traindo Teo pela internet.

Quando ela descobre, entra numa crise depressiva daquelas.

Até que a sua maquiadora argentina (Maria Pujalte, excelente), apresenta-lhe as pílulas coloridas, que ela pensa ser a sua salvação.

É hilariante a cena em que Teo, completamente chapada, faz uma das receitas afrodisíacas em seu programa, trocando as pernas, cambaleando, sem noção do que está acontecendo.

Mas, o destino é cruel e seu programa é cancelado…

A maquiadora vem outra vez em seu auxílio, comentando que a sobrinha espanhola Milena, vai fazer o Caminho de São Tiago.

“- É disso que eu preciso. Vou me espiritualizar. Ficar magérrima e arranjar um amante”, diz Teo, engolindo uma pílula verde.

E o diretor do programa dela (Marcelo Airoldi), também sem trabalho, resolve aproveitar a idéia e fazer um programa de TV com Teo e Milena (a atraente Marta Larraldi), como peregrinas fazendo o Caminho de Santiago de Compostela.

É claro que as intenções são ótimas, mas a força de vontade para andar quase 800 kilometros…

Bem, as aventuras do trio no caminho para Santiago de Compostela são o filme.

Paisagens lindas da Galicia, cidades medievais, dormitórios coletivos e um portunhol de arrepiar, são o recheio do filme, que tem momentos divertidíssimos.

Tanto é assim, que o público do último Festival de Paulínia, deu a “Onde Está a Felicidade? “o prêmio de melhor filme.

Na sessão de pré-estréia em que eu estava, aconteceu uma coisa inesperada. De repente, durante uma cena em um hotel, com muitos figurantes, o público do cinema ouve um grito:

“- Apareci! Apareci! Sou eu! Não acredito!”

Quando as luzes se acenderam, uma simpática e sorridente senhora explicou:

“- Foi a primeira vez que eu apareci num filme! Já tinha feito figuração em outros e nada. Mas neste, eu finalmente apareci.”

Rachel Worek estava feliz e realizada. Seu sacrifício de acordar de madrugada e esperar horas pela filmagem, fora recompensado afinal.

E eu pensei:

“O que seria do cinema sem esse espírito que anima os figurantes?”

A atração pelo cinema se materializa de formas diferentes.

E uma delas é essa: aparecer na tela grande a qualquer preço.

Quanta paixão!

Um Sonho de Amor

“Um Sonho de Amor”- “Io Sono l’Amore”, Itália, 2009

Direção: Luca Guadagnino

Os letreiros são à moda antiga e as primeiras imagens mostram Milão sob a neve.

A fachada de uma vila que parece um palácio enche a tela.

Um alto pórtico de madeira e cristal permite que a luz e o olhar devassem o ambiente de entrada.

Na cozinha, a criadagem e a patroa Emma (Tilda Swinton) lustram a prataria.

Um jantar de aniversário para o patriarca da família está sendo montado na casa de seu filho Tancredi,
casado com Emma, que depois da prataria, faz o “placement” dos convidados. São dezesseis na mesa ovalada onde brilham cristais, velas e porcelanas.

Naquela noite, Edoardo Recchi (Gabriele Ferzetti, 86 anos) vai anunciar seu sucessor na indústria têxtil que leva o nome e a tradição da família:

“- A empresa Recchi vai permanecer para sempre. Mas chegou o momento de eu me retirar e designar meu sucessor.”

Vira-se para o filho:

“- Decidi deixar tudo em suas mãos, Tancredi e nas de seu filho Edoardo. Porque serão necessários dois homens para me substituir.”

Emma beija as mãos do sogro, agradecida.

Após o brinde, deixam a mesa e passam ao living da casa.

Madeiras nobres, janelas amplas com cortinas de tecidos pesados, objetos preciosos, quadros de mestres e um jardim de cactus aos pés da escadaria majestosa, com painéis de rádica, adornam os ambientes da casa palaciana que exibe, assim, um luxo com estilo.

Mas alguém chega inesperadamente. É Antonio (Edoardo Gabriellini), amigo de Edoardo, primogênito de Emma e Tancredi. Traz uma torta que fez especialmente para a mãe do amigo. Juntos querem abrir um restaurante.

“- Mamma! Apresento-lhe Antonio.”

É a primeira vez que se cruzam.

Quando Emma entrevê a partida de Antonio pela janela de seu quarto, sentimos que algo está para acontecer.

“Um Sonho de Amor” é a história de um romance. Mas, mais que isso, mostra como o amor pode levar alguém a descobrir-se.

Ao longo do filme, ficamos sabendo que Emma foi trazida da Rússia por Tancredi que, menos que uma esposa, precisava de um adorno que funcionasse perfeitamente na engrenagem da casa dele. Chamou-a Emma, desconsiderando seu nome verdadeiro e disse para a mãe Allegra (Marisa Berenson, ainda bela):

“- Mamma! Vou me casar com uma mulher mais bonita que você! “

Écos de um Édipo antigo ressoam ainda na geração dos filhos de Tancredi: Edoardo é apegado à mãe e prefere a companhia do amigo Antonio à da noiva. Elizabetta, a filha, busca uma identidade sexual.

E é através deles, jovens e bem nascidos, que Emma vai sentir o primeiro impacto do amor. Sua imagem pensativa entre os adornos do teto do Duomo de Milão, depois de uma conversa com a filha, mostra que algo está mudando nela.

Luca Guadagnino, diretor e co-roteirista do filme lembra a estética de Visconti quando retrata o “way of life” dos personagens da família. Cenários e figurinos elegantes formam um todo harmonioso.

Mas as cenas filmadas em Milão na Villa Necchi Campiglio, construída em 1930, além de passar uma idéia de bom gosto, mostram também como aquela casa presta-se a parecer “um palácio que é metade museu, metade prisão”, nas palavras de Tilda Swinton.

E é Emma que vai concentrar em si, a imagem de toda uma sensualidade nascente, que a câmara de Guadagnino vai mostrar com perfeição. Tilda Swinton, com seu rosto expressivo, vestida de vermelho, tem a luz focada em cima dela. Mais precisamente, em sua boca deliciada, que mastiga e saboreia o prato feito por Antonio com um prazer quase erótico.

Transportada para um outro mundo, o sabor dos camarões descortinam para Emma tudo que palpita e quer viver em suas entranhas.

Uma tragédia vai apressar o tempo e o destino dos personagens.

E nós, na platéia ficamos silentes. Compreendemos aquilo que já sabíamos: o amor é uma força poderosa que dá coragem e ensina o ser humano a mudar o rumo, ou melhor, a encontrar o rumo para a sua vida.