Minhas Tardes com Margueritte

“La Tête em Friche”, França, 2010

Direção: Jean Becker

Oferecimento Arezzo

Gérard Depardieu já não é mais o galã número 1 do cinema francês. Mas, aos 62 anos, gordo e com o infalível cabelo louro escorrido, não perdeu nem um pingo do seu talento, nem do seu charme.

Em “Minhas Tardes com Margueritte” contracena com a delicada e feminina Gisèle Casadeus, suave senhora de mais de 90 anos, que interpreta Margueritte. Ela vai entrar na vida do personagem de Depardieu e fazê-lo renascer.

O que pode unir uma dupla tão díspar?

Porque Germain Chazes é um homem inculto, cinqüentão pesadão e Margueritte é elegante, frágil e vive com um livro na mão.

Na praça da cidadezinha de Pons, no interior da França, serão os pombos que vão unir o casal improvável.

Esses pássaros, que Germain visita todos os dias com seu sanduiche na hora do almoço, trazem à tona a sensibilidade soterrada do homem, aparentemente embrutecido, que vai ser a ponte para a amizade dos dois.

“- São 19. Dei nome a cada um. Venho aqui todos os dias“, diz Germain à senhora sentada no mesmo banco do jardim.

Quando ela pede que ele lhe conte os nomes que escolheu para os pombos, um deles, Marguerite, faz a senhora exclamar:

“- Como eu! Só que o meu nome tem dois “tês”. Um erro de grafia do tabelião. Mas meus pais não se importaram. Sou filha de uma história de amor.”

“- Comigo foi bem ao contrário…” responde Germain.

E assim começa uma amizade que, desde o inicio, fala de uma necessidade de companhia amorosa e cuidados, que ambos vão se proporcionar.

“- Cuide de sua bolsa”, diz Germain na despedida.

“- Pelo que tem dentro…” responde Margueritte com um muxoxo.

“- Mas não está escrito nela”, replica o prático amigo, que procura em Margueritte algo que ele ainda não sabe o que é.

“Flashbacks” mostram que, quando menino, Germain era ridicularizado na escola pelo professor que se irritava com a sua “burrice”:

“- Até lendo em voz alta você faz erros de ortografia!”

E sua mãe não ficava atrás. Via naquele menino gordo de olhar pidonho, um nada:

“- Esse aí só dá prejuízo”, diz com voz cortante quando o filho deixa cair um copo de leite.

“- Mamãe me chamava de Isso”, conversa consigo mesmo Germain em sua cama. Tem como ouvinte seu gato.

“- Não tive um modelo. Tive que descobrir tudo sozinho”, completa ele, assinalando a falta da presença do pai em sua vida.

Mas nas conversas na praça com Margueritte, Germain começa a aprender coisas e cultivar seu espírito, terra fértil esquecida e agora semeada pelos ensinamentos nada pernósticos de sua amiga. Tudo isso acompanhado de uma atenção e interesse genuínos pela pessoa dele.

O filme, inspirado no livro de Marie-Sabine Roger, tem como titulo original “La Tête em Friche”que quer dizer cabeça sem cultivo, como se uma cabeça de alguém fosse um terreno largado onde ninguém planta nada.

Ora, ela lê “A Peste” de Camus para Germain e faz sua imaginação voar.

“Como se pode imaginar uma cidade sem jardins, sem pombos? “, pergunta o famoso escritor francês na voz de Marguerite, que começa a ocupar no coração de Germain, um lugar de uma mãe acolhedora e próxima, ao mesmo tempo fazendo o papel do pai, que ele nunca teve, apresentando-lhe o mundo.

O diretor Jean Becker, que é filho de cineasta e iniciou sua carreira como assistente do pai, disse em uma entrevista a Luiz Carlos Merten, perguntado sobre qual seria o tema do filme:

“É uma coisa que eu aprendi com meu pai. A cultura e o cinema podem tornar nossas vidas melhores.”

Quem gosta de livros e filmes, não pode perder “Minhas Tardes com Margueritte”.

O publico sai do cinema encantado com a dupla Germain/ Margueritte. Ouvem-se até alguns soluços no final. Mas são lágrimas de emoção, não de tristeza.

Que mais posso querer

“Que Mais Posso Querer“ – “Cosa Voglio di Piu”, Itália /Suiça, 2010

Direção: Silvio Soldini

As primeiras cenas do filme são de uma família se mobilizando para o iminente nascimento de uma criança.

Anna (Alba Rohrwacher) e seu marido Alessio (Giuseppe Batiston) são acordados no meio da noite para socorrer a irmã dela, que está em trabalho de parto. Em meio a falatórios, confusões e tom dramático, à italiana, lá se vão todos para o hospital.

Tudo corre bem e na tela passam os letreiros.

O que mais chama a atenção, é que o titulo do filme aparece em letras minúsculas, tudo junto, como se fosse uma só palavra: “cosavogliodipiu”.

O diretor, Silvio Soldini, que ganhou nove David di Donatelli (o maior prêmio do cinema italiano) com “Pão e Tulipas” em 2000, parece querer dizer algo importante com esse titulo, que é uma pergunta sem interrogação. É como se quisesse nomear um estado de alma.

Anna, a personagem principal, que tem uns 30 e poucos anos, é que está nesse estado de insatisfação inquietante que ela mesma não sabe nomear. Há uma busca em seu olhar. Um mal-estar em seu corpo.

Mas o que mais ela quer da vida?

Tem tudo. Por que a insatisfação?

Afinal ela é casada com um sujeito tranqüilo, que trabalha bastante em sua loja e que vive para agradá-la. É contadora em uma firma de seguros e parece ser querida por seus colegas. Pois bem, no dia em que uma delas se aposenta e ganha uma viagem, aquela pergunta inicial começa a tomar forma em sua mente.

Algo urgente clama em suas entranhas.

Com seus olhos expressivos, Anna parece querer perguntar a si mesma: mas o que há na vida além de casamento, filhos, trabalho e aposentadoria?

Tudo isso é muito pouco para ela, que quer mais.

E sai em busca.

Seu marido acomodado não serve para o que ela precisa.

A sexualidade exaltada será o guia de Anna para chegar onde ela quer e ainda não sabe: sentir-se desejada com volúpia, abandonar-se a um estado de paixão cega, conhecer-se em seus precipícios, alçar vôo para terras desconhecidas.

Quer um homem.

E o primeiro que aparece é Domenico (Pierfrancesco Favino). O atraente garçom do buffet que vai , por acaso, ao escritório onde ela trabalha, pedindo uma faca emprestada, será o escolhido pelos seus hormônios.

A atração física que se instala entre os dois não é questionada, nem precisa de explicações. Para Anna ser a fêmea que precisa ser, ele será o macho convocado.

Um início atrapalhado, beijos ardentes furtivos, encontros desajeitados sempre interrompidos, só fazem aumentar ainda mais o clima de exasperação.

E quando chega a noite no motel, no quarto vermelho, ornado de espelhos, encontram imediatamente a medida certa dos gestos e os passos seguros para o ato erótico.

Despem-se de suas roupas e seus corpos se encaixam sem atritos.

Não há palavras, nem coreografias. Poses, gritos e gemidos são dispensáveis. Aqui o sexo é natural.

Essa cena perfeita contagia com sua simplicidade intensa. A câmara não invasiva focaliza o que interessa.

O diretor Silvio Soldini consegue fazer um cinema de alta comunicação com o público, levando os atores (que passam uma química perfeita como casal), a compartilhar com quem os assiste uma verdade tocante.

Há muito de universal e primevo nesse amor sem rituais repetitivos e cansados.

Os corpos brilham. Entre Anna e Domenico é puro prazer e gozo.

Em um almoço de família, dias depois, uma parente repara:

“- Anna, o que está acontecendo? Está tão bonita! Qual é esse tratamento novo?”

Mas a realidade não tarda a invadir esse espaço que deveria ser só deles. Domenico é casado, pai de dois filhos amados e luta, com a mulher, para que a família sobreviva. A amante é para ele uma fuga dessa vida dura.

Anna sofre com a não disponibilidade que vê em Domenico. Mas o caso entre eles foi intenso e verdadeiro. Saciou o cio dela. Não foi uma relação perversa que escraviza e maltrata. Domenico não torturou seu corpo nem seu coração. Ajudou-a, mostrando-a para ela mesma.

Sofrida mas amadurecida, Anna está mais completa e pronta para a vida que a espera.

Talvez tenha compreendido que a pergunta que se fazia no inicio do filme é a marca indelével da natureza humana.

Somos todos insatisfeitos, mas saber disso coloca em nossas mãos a responsabilidade por nossos passos e a escolha dos caminhos que trilhamos em nossas vidas.

E colhemos as conseqüências sempre.

“Que mais posso querer” ensina essa lição sem moralismos.