Ricky e Reencontrando a Felicidade

“Ricky”, França/ Itália, 2009

Direção: François Ozon

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“Ricky”, França/ Itália, 2009
Direção: François Ozon

“Reencontrando a Felicidade”- Estados Unidos, 2010
Direção: John Cameron Mitchell

 

Estavam em cartaz em São Paulo dois filmes diferentes que tratam do mesmo tema: a perda de um filho.Ricky, infelizmente, agora só em video.

Sabemos que é um assunto pesado, triste e a dor mais terrível que pode afetar uma mãe.

“Ricky”, de François Ozon, é original, como todos os filmes do jovem cineasta francês. Com ele escapamos de um registro habitual, de dura e pura realidade, para a criação fantástica e o sonho.

Ozon inspirou-se na novela “Moth” (Mariposa) da inglesa Rose Tremain para criar “Ricky”, o seu bebê extraordinário.

O filme, que se chamou “Léger comme l’air” (Leve como o ar) em francês, mostra o caminho que, muitas vezes, palmilha a mãe em luto: a fuga da realidade e a criação de uma alucinação que consola e distrai da dor da perda.

Katie (Alexandra Lamy), mãe solteira, tem uma menina e dá a luz a um menino. No começo do filme vemos que ela se queixa a uma assistente social, numa delegacia, que o pai da criança (Sergi Lopez) desaparecera e que está muito cansada porque o bebê chora demais.

“-Não consigo mais cuidar dele”.

É a única alusão a um tipo de perda, a doação de um bebê para adoção.

Podemos imaginar a culpa e o sentimento de inadequação e, até mesmo, do horror de si mesma, que acompanha a mãe nesse ato.

Como lidar com um luto impossível?

Imediatamente, Ozon muda a narrativa para o registro do sonho. Uma outra história vai ser contada.

O bebê Ricky preocupa a mãe porque apresenta estranhos hematomas nas costas que evoluem para feridas abertas de onde saem apêndices esquisitos.

As suspeitas de maltrato recaem sobre o pai e ele abandona a casa.

Algo espantoso está acontecendo com Ricky, o bebê que precisa sair de casa para não morrer. Ele é um pássaro ou um anjo?

Precisa de espaços abertos, de ar? Ou de outro ambiente, outra mãe?

Ele é solto na floresta. A mãe, sabendo que seu bebê alado está bem assim, livre para voar, pode refazer-se de uma dor que quase a levou à morte.

O bebê fantástico libera a mãe e a irmãzinha de uma dor insuportável e a vida pode seguir o seu curso. A magia e o encantamento conduzindo a ação, propiciam paz de espírito para aquela família.

Talvez Ozon queira dizer que a imaginação, mais do que a loucura e a alucinação, é o caminho para se lidar com tudo aquilo que parece impossível.

Já em “Reencontrando a Felicidade”, titulo infeliz para “Rabbit Hole”(Toca do Coelho), que o tradutor considerou mais palatável, o drama aparece aos poucos, como se houvesse medo em se tocar no assunto. Quatro excelentes atores vão encená-lo.

O portão aberto num jardim bem cuidado, apenas sugere que algo inusitado se passou ali.

Nicole Kidman faz Becca, a mãe que não consegue superar a perda do filho e está cheia de raiva e desamor.

Howie (Aaron Eckhart) é o pai que se esconde para ver os vídeos do filhinho, morto há 8 mêses, no celular.

Não é possível nenhuma intimidade ao casal. Becca se mantém rígida e gelada, como se tivesse morrido também.

Ela foge de tudo e todos. Procura uma toca para se esconder e não pensar em nada.

Largou o emprego.

Não gosta das pessoas do grupo de auto-ajuda que o casal freqüenta. Não gosta do menu no restaurante. Não gosta mais da casa. Não gosta mais do cachorro que manda para a casa da mãe. Não gosta mais de si mesma.

Mas ela tenta se livrar daquele estado em que se encontra. Doa as roupas do filho, limpa o quarto dele, recolhe os desenhos pregados no armário, tira a cadeirinha do assento de trás do carro. Em vão.

A mãe de Becca (Dianne Wiest) tenta conversar com a filha. E descobrimos que também ela passou pela mesma dor. Seu filho morreu de “overdose”.

“- Não há comparação entre eles. Danny era um menino de 4 anos e Arthur era um drogado”, diz Becca com raiva para a mãe.

“- Mas era meu filho”, responde a mãe.

Um fio de esperança surge quando Becca procura Jason (Miles Taller). O garoto, que desenhava buracos para que seus personagens de história de quadrinhos alcançassem mundos paralelos, é o único com quem ela consegue conversar.

Pode parecer chocante à primeira vista, mas se lembrarmos que o luto envolve muita culpa, compreendemos que o garoto que atropelara Danny era o único com quem Becca se identificava.

Se ela não tivesse deixado o portão aberto por causa do cachorro… Se Danny não tivesse ido atrás dele… Se Jason não tivesse passado de carro por aquela rua naquele minuto…

Mas, falar sobre o assunto, aos poucos vai trazendo os dois para um lugar de mais paz e conforto.

Uma tarde, enquanto guardavam os brinquedos de Danny numa caixa, mãe e filha já podem conversar:

“- Isso vai embora?”, pergunta Becca referindo-se à sua dor.

“- Não. Já se passaram 11 anos e ainda está aqui… Mas muda. Um dia a carga se torna mais suportável…”

Becca chora.

Os dois filmes ilustram, cada um à sua maneira, porque falamos em “trabalho do luto”. Leva tempo, é sofrido e requer um grande investimento no amor a si próprio e na possibilidade de internalizar a figura do morto.

Dentro do coração da mãe, o filho pode viver e ser encontrado.

Ricky e Danny ensinam às mães, pais e filhos da platéia do cinema esse segredo.

http://www.youtube.com/watch?v=lprOXPVBVHA&feature=player_embedded

 

Água para Elefantes

“Água para Elefantes”- “Water for Elephants”, Estados Unidos, 2011

Direção: Francis Lawrence

Antigamente, circos sempre davam um bom cenário para belas histórias no cinema. “O Maior Espetáculo da Terra”, 1952, dirigido por Cecil B. de Mille, ganhou o Oscar de melhor filme, com um triângulo amoroso de trapezistas. Ciúme e perigo, vôos fatais.

“Água para Elefantes” retoma esse cenário e o mesmo tema mas de uma forma mais sombria, tendo como pano de fundo o período da Grande Depressão nos Estados Unidos, nos anos 30.

A história é contada pelo protagonista, já muito velhinho (o maravilhoso Hall Halbrook), lúcido e nada desmemoriado.

Defrontado por acaso com uma foto de 1931, ele relembra aquilo que tinha sido a grande aventura de sua vida e também o mais famoso desastre da história dos circos.

“- O senhor estava lá no incêndio? “, pergunta um rapaz.

O velho se emociona e conta, num grande “flashback”, a sua vida no Circo dos Irmãos Benzini.

Tudo começa quando, durante seu último exame na Universidade de Cornell para se tornar veterinário, fica sabendo da morte de seus pais, poloneses imigrantes, num acidente de carro e ouve que não tem mais nada. A casa fora hipotecada para pagar seus estudos.

Desorientado, pega um trem em movimento e, sem querer vai parar no Circo Benzini.

Admira o trabalho dos homens que batem estacas fazendo a lona se abrir, majestosa. Animais selvagens em jaulas estreitas o sensibilizam. Ele acaricia a girafa.

De repente, Marlena aparece. De malha branca bordada e uma tiara brilhante na cabeça, examina preocupada o seu cavalo branco.

Jacob Jankowski, o veterinário(Robert Pattison) e a bela amazona(Reese Whiterspoon) se aproximam pelo amor que ambos tem pelos animais. Eles ainda não sabem mas formou-se o triângulo e surgiu o perigo.

August, dono do circo, (o sempre magnífico Christoph Waltz) é casado com Marlena e dirige homens e animais com mão de ferro e sem piedade. É perverso e covarde. Vai haver confronto.

Entretanto, o melhor do filme, para mim, é a presença enorme e mágica da elefanta Rosie, de 53 anos que é Tai na vida real. É através dela que os mais tocantes momentos do filme acontecem.

A gente se emociona quando sua tromba carinhosa enlaça o veterinário com delicadeza ou quando ela se deixa levar com graça por Marlena. Corta o coração do público quando, por causa do maldoso dono do circo, ela jaz por terra semi-morta. Mas nos aliviamos quando sobrevive para mostrar o que significa “memória de elefante”.

Ela é a estrela maior, sem sombra de dúvida.

O ex-vampiro Robert Pattison está cada vez mais bonito e se diz aliviado por poder representar, finalmente, um ser humano. Mas o casal não consegue passar encantamento. Reese Whiterspoon, com cabelos à Jean Harlow e muito magrinha, não faz a câmara se enamorar por ela.

O filme é bem cuidado e tem figurino, maquiagem e direção de arte impecáveis. A fotografia de Rodrigo Prieto, que já fez “Biutiful”, “Abraços Partidos”e “Babel”, cria um clima pesado e condizente com a direção que a história toma. E consegue beleza, apesar disso.

Adaptado do livro de 1996 da escritora canadense Sara Gruen, o filme “Água para Elefantes” estimula o espectador que gosta de ler a descobrir o texto original (Editora Aguadeiro).

Não é sempre que um filme consegue dar conta de um livro.

Mas “’Água para Elefantes” não vai decepcionar quem vai ao cinema para se distrair.

É bom que assim seja e que haja filmes para todo tipo de público.