Educação

"Educação" - "An Education", Inglaterra, 2009

Direção: Lone Scherfig

Oferecimento Arezzo

Estamos em Londres, 1961 e a abertura do filme nos leva a meninas de uniforme no colégio, em aulas de biologia, matemática, dança, culinária. No recreio, bambolê, ao som gostoso de um musiquinha da época.
Mas logo a câmara e os nossos olhos estão grudados em Jenny, 16 anos, que se destaca do grupo.
Não só ela é aluna brilhante, como é o centro das atenções das outras, com suas frases em francês e seu jeito alegre e desembaraçado.Toca cello na orquestra da escola e ouve Juliette Greco cantar “Sous le ciel de Paris” na vitrolinha, deitada na cama, sonhadora.
Ela quer ir para Paris, vestir-se de preto e discutir Camus. Quer ser existencialista no Quartier Latin.
Mas nem a música nem o francês estão no currículo oficial e os professores e os pais de Jenny querem vê-la em Oxford. É nesse momento crucial de sua vida que Jenny vai se deparar com a necessidade de fazer escolhas por si mesma ao tentar viver aquilo que ela pensa ser a verdadeira vida.
David (Peter Sarsgaard), muito mais velho que ela, bom de conversa e traquejado sedutor vai virar a cabeça de Jenny. Mas não só a dela. Seus pais (os ótimos Alfred Molina e Cara Seymour) ficam deslumbrados com David e soltam Jenny para viver esse romance.
Ela passa, então, a frequentar o mundo das festas, concertos, leilões, cabarés, vestida de mulher.Toda uma sofisticação desconhecida que a encanta e atordoa.
Quando chega em casa tarde, depois de uma primeira noite nesse mundo de David, responde à mãe que a espera na cozinha:
-Como foi a sua noite?
-A melhor noite da minha vida!
Certo. ”Educação” é um filme sobre o rito de passagem da menina Jenny para a vida de mulher adulta.Trata-se de mais uma narrativa sobre a perda da inocência. E demonstra-se outra vez que nossas escolhas determinam nossa vida.
Mas “Educação” é mais do que isso.
Baseado em fatos verdadeiros, narrados pela jornalista britânica Lynn Barber em suas memórias publicadas em uma revista inglesa, o roteiro assinado pelo escritor Nick Hornby foi indicado para o Oscar de melhor roteiro adaptado. Seus diálogos naturais e bem colocados, ajudam “Educação” a ser um filme que foge aos padrões comuns e aos clichês. Não é por acaso que foi indicado para o Oscar entre os dez melhores filmes do ano.
Mas o que sem dúvida está muito acima da média em “Educação” é Carey Mulligan, a Jenny do filme. Acaba de ganhar em Londres o Bafta de melhor atriz. E foi indicada merecidamente para o Oscar nesse primeiro papel importante que faz para o cinema, aos 22 anos. Ela é uma surpresa deliciosa.
Atuando com um elenco estrelado no qual todos são ótimos, Carey Mulligan consegue se sair melhor do que muita atriz tarimbada. É para ficar na história seu diálogo vibrante com a diretora da escola, interpretada por uma Emma Thompson de balançar até uma veterana.
E o que é mais importante: seu carisma natural colabora para que ela se destaque sem esforço, atraindo para si a nossa simpatia.Torcemos por Jenny porque nos identificamos com ela, qualquer que seja a nossa idade.
A diretora dinamarquesa Lone Scherfig, toca o filme sem estardalhaço, costurando as cenas com habilidade e dando espaço aos atores. Seu tom é sempre sóbrio e isso faz com que a história seja contada sem argumentação moralista.
Quando pensamos que a década de 60 vai acabar com uma grande revolução nos costumes e que os Beatles, Mary Quant e os hippies vão fazer de Londres o centro do mundo, a personagem Jenny é uma feminista “avant-la-lettre”.
Os sonhos, lutas e desilusões dessa geração vão pavimentar o caminho que, meio século depois, pode ser trilhado pelas Jennys do século XXI.
E mais, o filme aponta para o fato de que nossa educação formal não seria nada sem a educação sentimental. É na vida prática que aprendemos as lições que nos guiarão para sempre. Mas, é verdade também que sem uma educação formal, essa vida de experiências não vai poder passar por um crivo de reflexão necessária.
No balanço final há em “Educação” algo que vai ser para sempre eterno: sabemos como a juventude é breve mas duradoura dentro de nós.
“Educação” nos faz lembrar disso com carinho.

A vida íntima de Pippa Lee

“A vida íntima de Pippa Lee” - "The private lives of Pippa Lee", Estados Unidos, 2009

Direção: Rebecca Miller

É um filme estrelado. Nomes como Robin Wright Penn(Pippa Lee adulta), Alan Arkin (o marido 30 anos mais velho do que ela), Maria Bello (a mãe de Pippa), Monica Bellucci (a ex do marido), Julianne Moore (o “caso” da tia  lésbica), Winona Ryder ( o “caso” do marido), Keanu Reeves(o “cara meio pancada”) e Blake Lively (Pippa quando jovem) participam de um filme escrito e dirigido por Rebecca Miller, filha do conhecido dramaturgo Arthur Miller(1915-2005).

Como se não bastasse, o produtor executivo do filme é ninguém menos do que Brad Pitt.

A diretora, que escreveu e adaptou seu próprio livro, diz em uma entrevista:

“- Arthur (Miller) era meu pai, só penso nele assim, embora como intelectual me interesse muito a construção e repercussão de sua obra. Se isso é bom ou mau para a minha carreira, se ele me ilumina ou projeta uma sombra, confesso que são questões que só surgem quando dou entrevistas.”

E ela é casada com Daniel Day-Lewis que já ganhou dois Oscars por “Meu pé esquerdo” e “Sangue Negro”.

Poderíamos indagar onde fica a figura da mãe no universo familiar da autora. Ninguém perguntou sobre isso…

Mas, para Pippa Lee, sua personagem, certamente essa pergunta é crucial.

Porque ela tem muitas vidas, muitos recomeços. Isso perdeu-se na tradução do titulo do filme do inglês para o português:

“- Como muita gente, já vivi muitas vidas”, diz Pippa no início do filme.

Em sua primeira vida, vivida na tela por Madeline McNulty, ela é a bebê mimada por sua mãe narcisista que a trata como uma extensão de si mesma.

Já maiorzinha, vestida de anjo, ”cowgirl”, dançarina, posa para sua mãe pintora, toda admiração pela filhinha.

“- Ela é um bebê ou um bichinho de estimação?” pergunta o irmão.

Esse foi o paraíso de Pippa mas que durou muito pouco.

“- Eu era o seu bem mais precioso”, diz uma Pippa adulta relembrando dessa primeira vida.

Entrando na adolescência, dá-se conta de que a mãe é triste, que seu humor tem altos e baixos e ela se crê a culpada de tudo isso:

“- Meu dever era fazer ela feliz outra vez. Seu humor governava a minha vida”.

E Pippa, identificada com sua mãe, tenta entender o enigma de sua instabilidade agindo como ela. Toma todas as anfetaminas que acha no armário da mãe e que ela tomava para não engordar.

“- Eu te amo tanto. Agora nós duas podemos ficar “chapadas e felizes”, grita uma menina enlouquecida.

A mãe fica furiosa e Pippa foge de casa, começando assim a sua segunda vida, que vai iniciá-la na sexualidade, na perversidade e na “dolce vita” do fim dos anos 60.

Ela é uma menina perdida que encontra um homem importante, o maior editor da época, trinta anos mais velho do que ela (Alan Arkin,comovente) e que se apaixona por Pippa.

Alguém a define como uma “femme fatale” ingênua.

Vive então a sua terceira vida já na pele de Robin Wright Penn, que está maravilhosa no papel.

Nessa vida ela vai tentar viver da melhor maneira possível mas se torna um “enigma adaptável” segundo seu marido que envelhece e de quem ela cuida como se ele fosse um bebê. Ou alguém à beira da morte.

Começam estranhos episódios em sua vida enquanto ela se pega menos controlada, mais sensível.

E ela se pergunta:

“- Será que não estou tendo um “nervous breakdown”(colapso nervoso) silencioso?”

O roteiro do filme propõe novas interrogações para Pippa que parece finalmente aceitar sua dissociação cabeça/coração.

E nós na platéia torcemos por ela, que se redescobre e se reinventa enquanto ainda (?) há tempo para isso.

Fatalmente alguns de nós vamos nos perguntar na saída do cinema:

“- Quantas vidas eu me permiti viver?”