Praia do Futuro
“Praia do Futuro” Brasil, 2014
Direção: Karim Ainouz
Um clima viril, no visual e na sonoridade, abre “Praia do Futuro”, último filme de Karim Ainouz, 48 anos, que já assinou entre outros, “Abismo Prateado”2011, “Cinema, Aspirinas e Urubús”2005, do qual escreveu o roteiro, “Madame Satã”2002.
Guitarras gritantes combinam-se com o rumor de motos nas dunas, abafando qualquer outro som.
O mar azul, com ondas que rolam arrastando espuma branca, não diz nada a respeito do perigo traiçoeiro que alí reside.
Os motoqueiros tiram suas roupas pesadas e entregam-se à água que convida. Mas logo se debatem, presos à correnteza que puxa para o fundo.
Por mais que o salva-vidas procure e mergulhe, perdeu um homem para o mar.
“O Abraço do Afogado” é o título do primeiro capítulo desse filme, que aparece em amarelo na tela vermelha e que intriga, não responde a todas as nossas perguntas e incomoda.
Wagner Moura é Donato, o “Aquaman” para o irmão menor Ayrton, que o adora. O menino vê o mundo com olhos para super-herois. Ele tem medo de água e se acha o “Speed Racer”.
“- O que deu no cara para vir morrer na praia do Futuro?” pergunta Donato a si mesmo. É o primeiro que ele não consegue salvar.
E, quando dá a notícia para o amigo do motoqueiro afogado, percebe que os olhos do alemão são verdes como o mar.
“- A Praia do Futuro é muito perigosa” diz Donato acompanhando o outro nas buscas do corpo, sem sucesso.
E, sem lutar, Donato entrega-se ao amigo do morto, levado pelo desejo e pela dor do fracasso. Nos braços do alemão Konrad (Clemens Schick), o “Motoqueiro Fantasma”, ele tenta esquecer sua impotência perante a morte, quer refazer o heroi invencível que o irmão criara e fugir do desconforto que a vida causava nele.
Donato muda de cenário, abandona a família e vai refugiar-se em Berlim para poder ser quem ele descobriu que é.
Há uma única frase que dá a pista do que acontece com Donato. Ele se move por medo. E explica:
“- Tem dois tipos de medo. Um que finge que nada é perigoso e outro que sabe que tudo é perigoso nesse mar imenso.”
E, na segunda parte do filme, “Um Heroi Partido ao Meio”, em Berlim, cidade sem mar, cinzenta, subterrânea, ele dança de noite e trabalha num aquário gigantesco durante o dia. Solitário, deixa crescer barba e cabelo. Parece satisfeito, fechado em seu mundo.
“Um Fantasma que Fala Alemão” é a terceira e última parte do filme, dez anos depois que Donato partira de Fortaleza:
“- Sentiu a minha falta? Você esqueceu de mim? Foi?”, fala o irmão de Donato (maravilhoso Jesuíta Barbosa) em alemão, surgido do nada, se atracando com ele. Misturam-se os irmãos, entre socos, abraços e lembranças.
“Praia do Futuro” é um filme de belas imagens, fotografia que convida à contemplação, atores excelentes, poucos diálogos, ótima trilha sonora e nada de explicações psicológicas. Instiga o espectador a fazer esse trabalho, conduzido por gestos e olhares que estão na tela.
Aqui, é necessária uma leitura dos corpos e um abandono de preconceitos, para poder usufruir do que há de sincero e natural na vida dos personagens de “Praia do Futuro”, metáfora para o mundo perigoso em que habitamos.
E a escolha daquela música do Cristophe: Aline ?
Parece a síntese desta sua bela resenha.
Desenhei na praia, sua doce imagem, que naquela avalnche desapareceu…
depois veio a chuva……………
e eu gritei, gritei Aline?????????
parabéns ferinha cinematográfica
Erandy minha querida,
Uma das cenas mais pungentes do filme… O grito!
Bjs
Carissima Eleonora, pode-se dizer tudo desse espaço, menos que não existe aqui civilização, graças… Acompanhei como diversão “negra” as polêmicas envolvendo o público de cinema aqui nesse lugarejo que insistem em chamar de país (o primeiro que tocou nessa questão com olhos um pouco mais maduros e realistas foi Contardo na sua crônica de semana passada na “Folha”, da inexistência de um país…). Assisti “Praia…” ontem, em uma sala super-lotada, sem nenhuma manifestação psicótica por parte da platéia (talvez pela localização do cinema, em shopping nobre da cidade). É um filme mal construído, mas as intenções são tão sofisticadas, que acabei me rendendo, apesar da retalheira da sinopse (não existe na verdade um “roteiro”, o filme é mais o trailer de uma fuga, ou melhor, de um resgate..), e a frase magnifica que fica: “…não fugi,apenas voltei para casa…”, que me lembrou o conselho unico e possivel para os que não se ajustam nas provincias medievais (no filme representadas por belas praias, um estupendo paradoxo de prisão) dos fundamentalistas morais pelo mundo, dado em “Milk” pelo personagem de Sean Penn, o militante Harvey Milk, a um jovem gay aprisionado pelo ambiente venenosamente tóxico das provincias matutas: ..”saia já daí…”. É isso, e de fato há belas cenas, mas lamentei que Ainouz reforçe alguns estereótipos em seu filme, por exemplo a amargura de refugiado no personagem de Wagner Moura, que passa um certo desajuste em sua vida alemã, propositalmente filmada em um inverno, tentando mostrar a frieza berlinense, mas Berlim é fabulosa em todas as estações, achei caipira da parte de Ainouz… Meu trabalho me leva muito para outras culturas, outros lugares, e conheço muitos brasileiros que escolheram “voltar para casa” e vivem muuuito bem fora, principalmente na Europa, em molde muito cosmopolita, mas há uma insistência em se colocar o brasileiro que vive em outros países como um triste saudoso de praias e coqueiros, em suspiros de “não há lugar como o Brasil”… Há, e muitos, e melhores!!! Isso aqui se tornou um lugar infernal, distante de parâmetros civilizatórios, aonde uma população tosca, ignorante, reacionária, feia, cafona e psicótica (onde ja se viu confundir ator com personagem?? Isso é coisa de “gentinha”..) quer ditar regras de comportamento em mau português, uma corja governada por cafajestes iletrados. Ainouz e Wagner Moura, supreendente no filme, assim como o alemão Clemens Schick, desabafaram recentemente sobre a onda conservadora que se anuncia negramente no horizonte desse país, e que não se trata de um problema político, mas sim cultural, de ética de convivio, alimentada pela gasolina trevosa das religiões neo-pentecostais que se alastram como a peste por aqui, graças a burrice secular de nossa “gente” (até a Igreja Católica anda assustada com o grau de retrocesso da sociedade brasileira, como um todo…). Enfim, me desculpe o desabafo nesse seu espaço, Eleonora, mas eu tb ando de saco-cheio e faço eco a declaração de Moura: “não esta dando para viver nesse país..”, e sei que nesse seu espaço arejado não se apedrejam adulteras nem lincham gays, e te parabenizo por isso, ja que tenho lido textos tétricos por aí. E fica o sábio conselho: “saiam já daqui”…
Cassiano querido,
Aqui, do meu espaço arejado, também vejo com tristeza esse estreitamento de mentes… O Karin Ainouz escolheu a Praia do Futuro, onde nada se pode construir, dado o grau de maresia que destroe tudo, como metáfora do jardim do paraiso onde ronda o perigo.
Sabe que ele mora em Berlim? Por isso não acho que ele é dos que acreditam que os “exilados” não vivem bem. Acho que o personagem de Wagner Moura é um angustiado desde que caiu da pose de Aquaman e teve que conviver com o “abraço do afogado” que não larga dele…
A morte é certa e é preciso conviver com esse perigo e não cair na paranóia.
Bjs
Eleonora,
Ainda não vi o filme, mas, como de costume, seu texto é muito especial. Parabéns ! É sempre bom ler seus textos.
Obrigado,
Franklin Carl
Franklin querido,
Obrigada pelo carinho!
Bjs
Eleonora
Ando dando uma chance para o cinema nacional.Vi o singelo Eu não quero voltar sozinho e agora este.Sabe que eu gostei????Só não gostei muito daquele final em aberto, mas realmente a cena da música Aline é linda!!
abs
Marco
Marco querido,
O cinema nacional tem dado provas de que está amadurecendo e oferece hoje filmes com esses dois que vc citou.
O final em aberto achei mt coerente com a proposta do roteiro.
A vida é uma estrada com neblina que cobre o futuro. Diferente da Praia do Futuro onde sp haverá sol e maresia roendo os dias, sem nenhuma esperança de novidade…
Bjs
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Minha Sinopse
Nasci em São Paulo, Capital. Sou a primeira filha de sete irmãos nascidos de Yvette e Octavio Pereira de Almeida, casada com Ivo Rosset. Estudei Psicologia na PUC de SP e Direito no Mackenzie. Sou psicanalista, membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de SP. Atendo em meu consultório há mais de 30 anos. Sempre adorei cinema, desde as sessões Tom e Jerry, passando pelo Cine Bijou até o saudoso Belas Artes. Meus filmes preferidos: “Morte em Veneza” de Visconti e “Asas do Desejo” de Wim Wenders.
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